Ao lado do sofá da sala havia um grande vaso e dentro dele
um tipo estranho de “flor” de cana de açúcar, como uma grande crina tingida de
várias cores. Do lado deste vaso havia um grande aparelho de som, que nesse dia
era a estrela da casa.
O tapete estava dobrado ao meio e todas as cadeiras da mesa
tinham os pés a apontar para o teto.
A estante, antes povoada por uma série de artigos de
porcelana branca, dos quais estavam incluídos, pavões, viados, elefantes e
outros tipos corriqueiros em estantes espalhadas por outras casas, agora estava
vazia.
Se o meu desejo era continuar na sala para ver algum desenho
animado que passaria na TV, estava no sofá, um pequeno canto reservado para
mim, pois no resto dele, havia o outro sofá de 2 lugares, virado de ponta
cabeça.
A cena pós-apocalíptica se repetia por todos os cômodos da
casa, afinal, nada poderia estar no chão, pois passar cera vermelha no piso e
encerar com a enceradeira eram árduas e longas tarefas. Era dia de faxina; e lá
estava minha mãe, com sua roupinha especial e pronta pra colocar tudo em ordem.
Todo esse caos era embalado, além do barulho da escandalosa
enceradeira, por uma série de canções que habitaram o toca discos por muito
tempo e hoje, a minha memória.
Havia o dia em que a faxina era embalada pelo ABBA, num clima quase de discoteca
entre as mesas de centro, vasos e corredores a serem limpos.
Rolava Mama mia, Money,Money, Money, chiquitita,
take a chance on me, super trouper, knowing me, knowing you, The winner takesit all e é claro, Fernando.
Logo em seguida tocava as melhores de todos os tempos da
Itália, na sessão nostalgia, com o Pepinno
di Capri cantando alto:
Sir Elton John, Chris di Bugh e Bee Gees
também não perdiam uma oportunidade de cantar no dia do lerê lerê da minha mãe.
Há de se fazer uma menção honrosa ainda às fitas K7s do Roberto Carlos e tantos outros da jovem
guarda, que tinham uma seleção especial no dia da arrumação, assim como uma
fita com a gravação de uma prima tocando várias músicas clássicas no piano – Golfinho Azul era uma das preferidas.
Depois de algumas horas, onde os móveis e objetos da casa
dançavam ritimados por essa trilha sonora, estava a casa novamente limpa e em
ordem, com aquele brilho conseguido com rigor, pronta para ser chamada de Lar
novamente.
Hoje posso dizer que minha vida aprendeu a ter trilhas
sonoras e a possibilidade de viajar nelas através das doces lembranças como
estas, por causa dela que embalou os momentos mais simples e especiais.
Faxina sem música e viagem sem livro é tipo, metade da diversão, dobro do castigo.
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