sábado, 27 de maio de 2017

Não há vagas


Cresci com a promessa de que o meu próprio esforço me levaria aonde eu quisesse. Bastava me dedicar, estudar e então ascenderia de classe social. Certamente não parecia um caminho fácil, mas a recompensa valeria a pena.

Anos mais tarde, aprendi que o nome disso era meritocracia. E o mais importante: que a meritocracia era uma falácia. Isso porque embora a nossa sociedade não seja dividida em estamentos rígidos, é possível mudar de classe social, o gargalo é estreito, quase como uma loteria.

A partir dos anos 2000, o acesso ao ensino superior foi facilitado para as classes trabalhadoras. E ainda que possa ser questionada a formação que certas faculdades oferecem, o que importa é que uma massa de pessoas qualificadas foi acrescentada ao bolo. Mas já dizia Orwell: “uns são mais iguais do que outros”.  

Com o diploma em mãos descobrimos que não há vagas para nós. E não apenas pelo momento atual de crise econômica e política, quase 14% dos brasileiros estão desempregados em 2017, mas por um motivo mais profundo: somos uma sociedade de classes. Nunca foi o plano abarcar todo mundo, aquele papo de “tirar os meninos do tráfico através da educação” é apenas uma conversa cínica de elite. Muitos meninos e meninas se esforçaram para passar no vestibular, enfrentaram todos os obstáculos para concluir a graduação, aguentaram firme ali, lado a lado com os filhos da elite, mas e depois? Não há vagas.

Não há vagas para você que não é fluente pelo menos em inglês. Não há vagas para você que não é amigo ou parente de ninguém de influência. Não há vagas para você que tem esse sobrenome genérico. Não há vagas para você que durante a graduação não fez nenhum intercâmbio. Não há vagas para você que não tem uma vasta experiência prévia, porque alguém conhecido direta ou indiretamente não te deu nenhum cargo e no seu currículo só há experiência de estagiário. Não há vagas para você...

A mesma fonte mentirosa abastece a meritocracia e a filosofia do pensamento positivo. As duas ideias ajudam a manter a ordem injusta das coisas porque não refletem a relação que existe entre indivíduo e sociedade. Por exemplo, sabemos que existe um número determinado de cargos para engenheiros; quem serão os seus ocupantes? Basicamente engenheiros cujas famílias têm histórico na carreira, embora um ou outro estudante que "fez a si mesmo" também seja aceito na fraternidade. Isso significa que os demais estudantes de engenharia são absolutamente incompetentes para exercer a profissão? Não.  Do mesmo modo atua o tal “pensamento positivo”. Negar os problemas não os faz desaparecer. Além do mais, é bastante cruel acusar o indivíduo que está desempregado de não “pensar positivo” como se as vagas que não existem para ele fossem magicamente aparecer ou desaparecer por sua própria vontade.

Por fim, é verdade que não há vagas. Mas também não significa que devemos apenas nos lamentar e continuar numa posição de submissão. Enquanto indivíduos, estamos atuando na sociedade e provocando micro alterações nela. Talvez o que nos falta é desistir de tentar nos encaixar em regras que foram feitas para nos excluir e criar outro jogo, com novas regras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário