E
de repente... ali estávamos nós. Depois de tantos anos nos reencontramos com
tal intimidade de quem nunca havia se separado. Foram tantos livros começados,
difícil até reordenar as folhas soltas escritas à mão no papel já amarelado. Mas
também estavam aqueles “filhos da tecnologia crescente”, impressos, bem
grampeados, mas com algumas rasuras feitas em caneta preta com indicação das
páginas que deveriam ser reimpressas. Tantos capítulos 1, incontáveis enredos de histórias,
o mesmo sobre as personagens bem descritas (idade, cor dos olhos,
nacionalidade, ocupação, traços da personalidade)... e que saudade de quando
eles ocupavam grande parte dos meus dias nas horas vagas da escola. E eram
muitos!
Hoje à tarde todos eles me fizeram
companhia, revistei aquela Fernanda que, aos 11 anos, escreveu um romance
adolescente (esse terminado!) chamado “Dias de Tempestade”. Também a Fernanda
que 1 ou 2 anos depois rascunhou suas primeiras impressões sobre a política
brasileira como algo a ser explorado, em um esboço que ainda tem uma linha de título a ser preenchida, e que seria uma história contada durante o Regime Militar. O primeiro
capítulo, chamado "Manifestando Idéias" (sim, ainda era acentuado), tomava lugar
em 1964, na Praça da Sé, e tinha em seu primeiro parágrafo “Era um
domingo de sol, uma barulhenta manifestação reunia estudantes e trabalhadores.
Era a época do regime militar, conhecida como Ditadura. Foi uma reunião de
decretos, repressão policial e intimidação política. Época em que se
modificaram as leis trabalhistas, as censuras teatrais, literárias, e
principalmente a imprensa. Foi também aí que apareceram revoltas, comícios para
todas as opções e uma grande queda no fim da indústria do café”, sendo que esta última frase aqui grifada, foi atenciosamente colocada entre parênteses
com um ponto de interrogação ao lado, como fazem os professores dedicados não somente a corrigir mas, sobretudo, incentivar seus alunos, como o fez minha professora
de português na época, a quem pedi uma leitura da minha “mais nova grande
obra”.
Hoje, revisitando esse texto, num
momento em que venho tentando deixar fluir essa energia criativa engavetada por
tantos anos,
percebo que a mágica repousa justamente na ingenuidade daquela menina de 13
anos que misturou a Era Vargas com o Regime de 1964. Quanta coisa mudou desde aquela época! Talvez aquela
menina nunca pudesse imaginar seus futuros caminhos, não fazia ideia
que se dedicaria a estas questões, que o Regime Militar (e a política de uma
maneira geral) emergiria com tanta força ao longo dos anos, a ponto de se
tornar sua escolha (mais difícil) de vida.
Mas não foi somente isso que veio à
tona junto com as memórias e o cheiro das folhas antigas, reencontrei uma
Fernanda que acreditava que tudo aquilo era muito importante, aliás, “a
coisa mais importante a se fazer na vida”, sentada no fundo de casa, com os
cadernos e folhas no colo, inventando inúmeras histórias. Isso significava
reinventar-me também, buscar outros lugares, novos mundos, era como criar para
mim diferentes personalidades a cada nova personagem, num período da vida em que estamos buscando nos colocar no mundo. O que não podia ser
previsto, claro, era que esses papeis se inverteriam, a menina que ingenuamente
escrevia sobre o Regime Militar sem ter a mínima noção do que se tratava (para
além de perceber aquele período como algo muito odioso que deveria ser discutido) se
tornou a mulher que amadureceu tudo aquilo profissionalmente em troca de
relegar à prisão a poesia da escrita.
Amei seu texto!
ResponderExcluirÉ tão interessante esse processo de voltar a um antigo eu... e retornar ao seu eu presente, já modificado por essa experiência de imersão ao passado.
Obrigada, Carol! É realmente incrível ver que algumas coisas reaparecem e a gente fica o tempo todo ressignificado elas. E acho isso ótimo, qdo eu me deparo com essa Fernanda de antes. Acho que os textos aqui do blog estão muito nesse sentido, pq sinto como resgate mesmo, e nossa.. agradeço imensamente o seu convite! ❤️
ExcluirTambém amei o texto! Por sinal, que leitura deliciosa e fluida. Você escreve super bem. Fiquei com vontade de ler uma das suas grandes obras. Tomara que um dia você disponibilize para gente rsrs
ResponderExcluirObrigada, Jacque! Um dos efeitos da pandemia em mim (e positivo, por sinal) tem sido tentar resgatar essa emoção é mágica de “uma nova obra”. Ontem quando escrevi o texto, tinha acabado de mexer em todas as coisas antigas e só restou mesmo a dúvida de qdo eu deixei isso de lado.
ExcluirTô com a Jacque, quero ler uma das grandes obras. É incrível como certas coisas da infância fazem tanto sentido ainda na vida adulta. Esse sentimento me volta com muita força quando olho fotografias antigas.
ResponderExcluirAh, além de sermos xarás nos nomes, tbm somos no sobrenome, tbm tenho Lopes 😱
Obrigada, Fernanda! E não é? São alguns encadeamentos que fazem tanto sentido!
ExcluirQue coincidência de nomes! rs