Entre panos surrados, estampas desbotadas, paredes descascadas e panelas pretas pelo tempo eu ainda vejo borboletas. Ainda é o único lugar no qual eu as vejo voando. Alguns representantes dos coloridos insetos que eu capturava quando pousavam nos capitães também coloridos, na feliz infância.
Quando volto, meu reino tem rainha. E ela reina.
- Não precisava por tudo isso de óleo para fazer arroz.
- Se não por, o arroz fica seco e seu avô precisa de energia.
- A energia não vem do óleo, ele precisa de carboidrato.
E ela não está nem aí para os meus cientificismos de revista e programas de saúde na TV. É o melhor arroz com quiabo, com salada, bife e feijão de todo o mundo.
- Por quê você plantou um alho-poró no meio do jardim e não na horta?
- É planta também e aqui é minha horta.
Manjericão, jurubeba, manga, goiaba, pimenta, pitanga, banana, caju, dália, rosa, pé de cana, acerola, orquídia, boldo, cebolinha,couve, jaboticaba, salsinha.
Desde cedo aprendi que aquele era o jardim mais plural e democrático que conhecia. Tudo ainda está lá e tem para todo mundo.
Hoje quando bebi um suco do limão que ela não deixou colher antes, que estava reservado para mim, pude ver que realmente no meu reino ele tem outro gosto. Não azedo como encontrei por aí.
- Quer açúcar no suco de laranja?
- Não, só tomo natural agora.
- Se quiser eu coloco um pouco, com gelo porque você sabe que eu gosto de tudo bem docinho.
Sei sim, e como eu cresci amando tudo que era tão docinho, feito de um néctar especial, de fonte única.
Pensei: Nossa! Como o limão ta com um gosto diferente. E é bom.
O bolor chegou na cozinha, em alguns cantos da parede. Há bibelôs mancos que ainda lutam com a gravidade e ocupam quase que a mesma posição. Há acúmulo de coisas no quintal.
Digo: - Por quê você junta tanta coisa que não usa? Penso: faço a mesma coisa.
A falta do reboco na parede, a ferrugem na porta e a madeira apodrecida me incomodam; mas o cheiro de dama da noite ainda entra todos os dias pela janela e toma conta da casa sem pedir licença.
Cada vez que vou embora tenho mais medo que o tempo pese sobre esse reino que eu deixei. Não sobre o bolor, sobre a ferrugem, sobre a tinta das paredes ou sobre os panos envelhecidos.
No abraço do reencontro ela pergunta: - O que você achou lá que não volta de vez?
Eu sem saber o que responder, digo:
- Eu não posso voltar.
Volto. Bebo suco de limão que não é limão. Como o pior arroz, caro e sem gosto pra saber que no meu reino tudo é tão diferente.
E mesmo com o medo enorme do tempo me castigar com a ausência dela, eu parto. Minha ausência já a castiga; mesmo sabendo que preciso ir ela finge irracionalidade e pergunta por que eu não fico mais.
- come um chocolate.
- eu acabei de almoçar.
- toma um iogurte então.
- mas eu acabei de comer.
- vou por um copo de vinho pra você.
Sentada numa cadeira no jardim, em meio a tanto verde e sob um céu ardentemente azul com nuvens de paina, ela sempre vai reinar.
Quando o portão bate; tudo é só saudade.
Lindo Fer! Sei bem como funciona o seu reino...o meu...e de quem mora longe de casa!! =((
ResponderExcluirOi Fer, tudo bem? Peço-lhe licença para divulgar esse texto que me fez sentir tanto...
ResponderExcluirTudo faz sentido no seu escrito, a saudade e o medo são meus também.
ResponderExcluiraté chorei.
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