segunda-feira, 27 de junho de 2016

Love Hurts

 Nas paixões, a razão nos desampara.
Bocage

Ilustração: Verônica Vilela


O tempo estava agradavelmente quente. Denis saiu animado de casa para encontrar o grupo de amigos. A noite seria de muito barulho. Na verdade, suas preferências musicais mudaram muito desde a adolescência, quando era fã de Nirvana. Agora preferia musica brega dançante. Combinava melhor com os botecos que frequentava. Mas Adailton insistira tanto para acompanhá-lo que Denis aceitou a dose de nostalgia. Os dois amigos se encontraram em frente à pracinha de sempre:

- E a Letícia, hein? Ela é gente fina. Tomara que a amiga dela seja simpática.

-É... - disse Denis um pouco desanimado.

-Pô! O que importa é que a gente vai curtir hoje, né não? O show vai ser massa, cara!

Uma hora depois e estavam todos reunidos. A casa de show estava cheia. Tanta gente usando roupas pretas fez Denis se lembrar de Ana. Há bastante tempo não se falavam. Lembrou-se daquele dia em que estavam jogando conversa fora e ela lhe mostrou as músicas gravadas no celular, eles tinham gostos em comum. Aliás, tinham tanto em comum, eram mais parecidos do que imaginavam. Do que desejavam. Ou deveriam. Ele odiava o orgulho dela. Mas isso não importava mais. Era passado.

O show iniciara com uma musica animada. Letícia pediu para se aproximarem do palco e todos concordaram. Eles se encaminhavam quando Denis parou instintivamente em um ponto aleatório do público. Sentiu uma sensação estranha na nuca, que lhe acometia sempre que era observado por trás, de modo que se virou para procurar quem o observava. A uma distância de um palmo estavam aqueles malditos olhos de olhar incisivo...

Ana e Denis ficaram se olhando. Ambos esperavam a iniciativa do outro para romper o silêncio. Desconcertado, Denis sorriu primeiro. Ana sorriu de volta com olhos. Ela disse “oi” sem emitir som, num gesto sutil com os lábios. Denis se sentiu encorajado para cumprimentá-la. Ele pôde sentir o cheiro de perfume quando se aproximou dela, mas então se lembrou de ter visto um rapaz e se afastou. Sim, havia um desconhecido ao lado de Ana. Denis o encarou rapidamente, julgando que era melhor evitar constrangimentos. Virou-se para Letícia e disse “vamos pra lá”.

Denis e Letícia se juntaram aos amigos próximos ao palco. Letícia se queixava com sua amiga, especulando sobre a identidade da moça. Enquanto isso, Denis disse ao ouvido de Adailton “é a Ana”. O amigo não teve dúvidas em procurá-la com os olhos pelo público. Ela é mais bonita pessoalmente. “Mas e esse cara? Será que eles estão namorando?”, perguntou aflito Denis. Adailton não soube responder.

A amiga tentou consolar Letícia, dizendo que ela não deveria se preocupar, mas não adiantou. Letícia decidiu agir e usou todo o seu poder de sedução, beijando longamente o companheiro. Ao abrir os olhos, Denis procurou novamente por Ana, mas ela tinha desaparecido. Mais uma vez. “Não importa. Passado é passado”, repetiu para si intimamente.

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