segunda-feira, 17 de julho de 2017

Estou bem cansada

E não é pelos afazeres ou pela rotina. Estou cansada mesmo de ver mulherões sofrerem por amores meio bosta. Sei que em um relacionamento existe um equilíbrio, que às vezes um ensina tanto o outro que bobeira é pensar que se começa numa disputa. Mas eu tô mesmo cansada e triste em ver um monte de mulheres que eu admiro pra caramba se doando bem mais que recebendo. E quando a recíproca não é verdadeira, meus amigos, eu tô falando é de um monte de homens babacas. Não é colocá-las em posição de vítima, nunquinha. Até porque, como mulherões, sabe-se que mais que tudo elas são bem inteligentes. Elas batalham, elas se desdobram nas jornadas e, óbvio, triunfam.


Não estou falando de mulheres enganadas, coitadinhas. Estou falando de mulheres que conquistam tudo que querem e ainda estão em falta nos relacionamentos por se envolverem com caras que estão em Dans bem – eu disse bem – menores. O que é meu cansaço então? É de saber que a gente está sempre numa posição de querer saber mais, de querer evoluir, de se cobrar, de ir além. E às vezes caminhar ao lado – ou pior, amar! – uns caras bem nada a ver. E não pense você que estou falando só das mulheres solteiras, porque estou cansada também de ver mulher bem sucedida escondendo do marido que comprou roupa nova. Com o dinheiro dela, sublinhe-se. Porque mulher é isso mesmo, né? Não para de comprar roupa.

Não.

Vi uma palestra esses dias de uma economista citando um estudo que dizia que o índice de miséria entre mulheres na terceira idade era muito alto. Uma das justificativas é que, no casamento, a mulher desembolsa durante a vida bem mais em prol do relacionamento. A mulher compra o presente de aniversário da sogra, banca aqueles gastos a mais do filho na escola, compra coisas para casa. Às vezes a mulher faz o supermercado toda a vida. E não divide a conta.
No final das contas, o marido poupa. O marido tem dinheiro sobrando. E à mulher, que sempre teve a fama de consumista, vejam só, é a altruísta. Uma amiga minha disse que, no seu divórcio, o marido teve contabilizado uma poupança bem maior que a dela. Que quase não foi dividida, porque ela se sentiu culpada de não ter guardado dinheiro no tempo em que estiveram juntos. Só aí ela lembrou de todas as contas do dia a dia, assumidas integralmente por ela. A poupança foi pro bolo.
Quantas não se lembram, ou quantas não têm a chance de dividir, é mais uma das pontas do meu cansaço. Poderia escrever um tratado sobre essas disparidades, sobre o que vai muito mal na sociedade para serem cometidas essas injustiças, que fazem um monte de mulherões terem homens muito aquém delas, por diferentes motivos, em várias escalas do relacionamento. Prefiro dizer apenas que estou cansada em ver tudo isso. Bem cansada.

P.S. Fiquei chateada de terminar esse texto tão pessimista, então resolvi concluí-lo com uma frase que acredito sempre, independentemente dos cansaços.




quarta-feira, 12 de julho de 2017

Um passo atrás


Muitas coisas acontecem em ensaios de peças de teatro. Em geral são horas e horas fechados em uma sala, lendo textos, fazendo exercícios, falando a respeito. Tudo isso gera um ambiente que se parece a uma montanha russa, tanto pode descer, quanto subir ou se estabilizar. Mas é normal que pelo cansaço alguns atores se irritam uns com outros, principalmente os de memória mais lenta. Sempre existem aqueles atores que decoram rápido os textos e ficam impacientes com os mais lentos, isso gera atrito e os diretores são obrigados a contornar  a situação.

Um diretor era muito educado e sempre pedia aos atores mais exaltados que dessem um passo atrás, uma maneira elegante de dizer que esfriassem a cabeça. Então ele pedia para analisar a situação, ficou como uma marcação dele, qualquer dúvida dávamos um passo atrás, uma maneira de sinalizar que não estávamos entendendo a situação e tentávamos  ter outra perspectiva.

Nunca apliquei isso na minha vida, mas já escutei sobre a importância de fazer isso em todas as decisões, dar um passo atrás e ter um panorama neutro, avaliar de maneira fria o que está acontecendo.

A primeira indicação desse diretor era sempre dar um passo atrás para avaliar as coisas, sem agir impulsivamente e depois antes de criticar o colega, o ator ou atriz a nossa frente, deveríamos nos colocar nos sapatos deles e nos perguntar ''eu faria a mesma coisa?''. Isso simplificaria tudo e evitaria desgastes, caso a pessoa fosse honesta e reconhecesse o que pensava fazer.

Por exemplo: em um ensaio uma atriz se irritou comigo, ela mudou o texto e eu me perdi, caso estivesse mais concentrada teria percebido que ela deve ter esquecido as linhas e deu uma improvisada, mas eu estava focada no texto e não a alcancei. Isso fez ela perder a paciência e aquilo acabou em uma discussão. Se ela tivesse se afastado da situação e se colocado nos meus sapatos, teria entendido que eu estava mentalmente fechada no texto e não fui rápida para perceber a improvisação dela.

Quando nos afastamos da situação e pensamos com os sapatos dos outros podemos perceber ou ter uma noção mais clara das atitudes da outra pessoa, podemos analisar com mais calma as decisões alheias.

E nunca pensei nessas indicações teatrais como algo que poderia me ajudar na minha vida amorosa, mas foi assim que aconteceu.

Como todas as mulheres fui educada para receber migalhas de amor e achar isso ótimo, pensar que eu era amada, quando estava sendo usada e que eu era querida, quando estavam comigo apenas por conveniência.

E a primeira pessoa que me deu o alerta foi a mãe do Romeu, que não gostava de mim. Um dia ela conversava comigo, me disse que eu era meiga, muito preocupada com seu filho. Eu confirmei e disse que ele também era legal, eu tinha sorte dele estar comigo e ela respondeu:

-E por que não estaria? Você é um doce, cuida bem dele e ele é inteligente, sabe o que lhe convém.

Não entendi a mensagem na hora, mas registrei. Mais tarde corri para conversar com uma amiga mais velha, tentando decifrar o que a mãe dele tinha dito e minha amiga respondeu:

-Olha, não duvido que goste de você, mas fica no lugar dele, uma mulher como você é super conveniente, você ajuda ele em um monte de coisas, ele pode ficar para dormir na tua casa e ainda por cima tem sexo, não pode ficar melhor!

Mas ele gosta de mim.......

-Não duvido que goste, mas quando alguém facilita nossa vida, nos convém, a gente aprende a gostar.....

Em algum momento deixou de ser vantajoso porque ele terminou o namoro, mas eu não esqueci desse episódio.

E agora vejo essa situação com uma amiga. Ela se casou e o marido parece uma pessoa legal, mas de repente comecei a perceber alguns detalhes estranhos. Ele grudou nela, fica difícil ter acesso, cortou as linhas e dá a impressão de ser possessivo.

Consegui conversar a respeito disso com ela, mas ela me garantiu que ele é carente, é seu jeito de amar, apenas isso.

Analisando a situação com calma me parece um pouco pior. O rapaz veio do interior, conheceu a moça no trabalho, mas o pai dela é dono da empresa. Namorar a herdeira da empresa, ainda por cima bonita e boa pessoa, seria o mais conveniente a se fazer para alguém que chegou na cidade com a roupa do corpo.

Gosto da ideia do amor eterno, das almas que se encontram e se reconhecem, mas a vida real é mais dura do que isso. Minha amiga pensa que é amor e quem sou eu para dizer o contrário? Pode ser, por que não?

Mas tentar ver a situação por outro ângulo não mata ninguém. E pra quê mentir, mulheres temos essa mania de facilitar a vida dos homens, para eles somos convenientes.

Penso de outra maneira hoje, sempre me pergunto ''que tanto ele gosta de mim, que tanto é conveniência?''. Analiso com calma e penso como seria se eu tirasse uma por uma das facilidades que coloco em sua vida, ele ainda ficaria comigo? 
Não é sair batendo portas, mas reconhecendo se estamos recebendo migalhas enquanto Romeu fica porque para ele é conveniente.

Homens encostam, não é segredo de estado isso e nós, mulheres, somos educadas para pensar que um homem encostado é um gesto de amor, poxa, ele quis ficar comigo! E valemos tão pouco assim?

É claro que se responder algumas perguntas tem um custo, é necessário coragem para pensar se Romeu está conosco por amor ou porque sua vida é mais fácil, ninguém quer pensar isso, todas negamos a verdade e nos escondemos dela, mas um dia ela vem à tona.

Amor é matemática e os números precisam fechar, não é um problema em aberto em todas as equações, precisamos dos números que combinam e fecham.

Em um dos últimos relacionamentos que tive fiz essa conta depois que tudo terminou e percebi como era bom para Romeu me ter em sua vida, eu era a roda que fazia tudo girar, estar comigo era deitar na sombra. Doeu muito perceber isso, mas ao mesmo tempo foi uma revelação, me fez acordar e entender que eu mereço amor, não migalhas em troca de tudo o que dou.

É uma conta simples, a gente dá um passo atrás, analisa a situação, se coloca nos sapatos do outro e nos perguntamos ''eu sou ele, então o que me convém ao estar com ela ou é amor?''.

O pior? É que sabemos a resposta. O melhor? É que ela liberta.
Nós mulheres merecemos ser amadas de maneira completa, integral, sem migalhas, não merecemos ser tratadas como seres que facilitam a vida dos homens. Não somos bonecas, nem brinquedos vivos, merecemos o amor que respeita.


É hora de analisar o amor com a frieza que se precisa, é necessário dar um passo atrás e se colocar nos sapatos do outro, porque a vida não é sobre ser conveniente a alguém, mas ser respeitada e amada por quem amamos.



Iara De Dupont

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Talvez

Talvez a vida seja simples.
Talvez a gente que se atropela demais em nome da rotina.
Talvez a vida vire de cabeça para baixo para mostrar o caminho certo.
Talvez a felicidade seja andar no contra-fluxo.
Talvez a vida seja sempre um risco.
Talvez seja pela necessidade de ser.
Talvez a vida seja só essência.
Talvez sossego tenha prazo de validade.
Talvez seja uma brisa que virou um furação.
Talvez a vida seja um turbilhão.
Talvez a gente esteja entorpecido com tanta informação.
Talvez a vida exija uma pausa para meditar.
Talvez seja necessário reavaliar os nossos valores.
Talvez a vida seja uma transformação diária.
Talvez a gente esqueça que o tempo passa para todos nós. 
Talvez a vida puxe o freio de mão quando estamos em alta velocidade.
Talvez seja difícil lidar com as pedras no caminho.
Talvez a vida queira mostrar todos somos frágeis.
Talvez o medo seja uma forma de nos conectarmos com nossas prioridades.
Talvez a vida esteja clamando por momentos mais contemplativos.
Talvez o universo sempre atue de forma misteriosa.
Talvez a vida seja encantadoramente travessa, mostrando que sempre há um motivo para sorrir.
Talvez seja hora de só olhar para dentro e organizar as emoções.
Talvez a vida seja sentir.
Talvez seja amor demais pra guardar em um peito.
Talvez a vida seja transbordar.
Talvez o eterno dure alguns segundos.
Talvez a vida seja ultrapassar dimensões.
Talvez um dia a gente tenha mais respostas do que perguntas.
Talvez a vida seja um sopro, tão breve e intenso, como o vento gelado deste inverno.
Talvez o segredo seja apenas se concentrar em como a vida se apresenta hoje.
Talvez a vida seja mais serena se priorizarmos somente o que transcende.
Talvez a plenitude se apresente em pequenos fragmentos de cotidiano.

Talvez a vida seja comer, rezar, amar e criar

Talvez, entre tantos “talvez”, a única certeza é que a busca pela felicidade deve ser neste exato instante. 


sábado, 1 de julho de 2017

Sobrevivendo no abismo

Há momentos na vida em que nos vemos afundados em espaços mais escuros de nós mesmos.  Todos vamos à fossa, aos nossos piores lugares, com alguma frequência.
Quanto mais acreditamos ter superado certos defeitos infantis, mesquinhezas, bobeiras, imaturidades, rancorezinhos; mais nos deixamos abertos a tropeçar novamente. 
Estar num momento de escuridão é natural, isso acontece com uma frequência assustadora. Meus últimos meses tem sido estranhos. Estou no escuro, tateando.
Pensei em abandonar esse espaço, em largar outros projetos, em me isolar e focar a vida em trabalhar e aguardar uma mudança que não sei se terei forças para projetar. 
Mas as coisas seguem e não se fica no fundo do abismo para sempre. Bora voltar a escalar e ferir as mãos no processo. Mês que vem venho com algo mais significativo e menos biográfico. Obrigado pela paciência =)

quinta-feira, 29 de junho de 2017

greve geral


Recebi esse cartaz na saída do Terminal Parque Dom Pedro para o mercado da Vovó com as seguintes 4/5 pautas:

- Contra a Reforma Trabalhista;
- Contra a Reforma da Previdência;
- Contra a Terceirização;
- Pelo Fora Temer e Diretas Já.

Do curto trajeto até o mercado os burburinhos para quem entregava os panfletos eram os mesmos:

- sabe dizer se ônibus e motoristas também vão parar? (transeuntes)
- os motoristas não aderiram à greve. Já os metroviários ainda vão decidir. (militantes)

Sigo o caminho e ainda escuto mais gente questionando a mesma coisa enquanto segura o panfleto. Atravesso a rua. Entro no mercado e os cochichos continuam entre filas e corredores.

Passo no caixa o biscoito e o queijo, pago a conta, atravesso a rua e os moços continuam entregando os panfletos sendo questionados por outros se o transporte vai parar.

Ando até o quarto corredor de ônibus, viro a esquerda até o anti-penúltimo ponto, entro naquele ônibus e pago a passagem $3,80 para ser mais precisa, rodo a catraca e me sento.

Não existe outro pensamento além da revolta na (des)crença de que as pessoas ainda não absorveram totalmente a gravidade das reformas anti-trabalhadores.

Ainda mais grave neste contexto quando o presidente temerário é denunciado por corrupção passiva.

Mas o pior saber que a população condiciona à participação na greve a paralisação do transporte público.

Quando comentei sobre a Greve Geral do dia 28/04/2017 fiz questão de não mencionar a participação do transporte público na greve.

Outros comentaram muitíssimo bem sobre a participação essencial dos trabalhadores do transporte na greve. 

Todos sabem o quanto é importante quando o transporte público participa, no entanto, assumir a responsabilidade seria essencial para nos fortalecer enquanto trabalhadores. Jogar a responsabilidade de nossas ações/decisões para outros é covardia.


Hoje ao ler rapidamente os jornais saltaram os olhos nos argumentos dos trabalhadores e sindicatos do transporte justamente sobre a dependência do povo em aderir a greve condicionado a greve do transporte público.

O resultado desta dependência está na criminalização da luta através de multas altíssimas aplicadas aos sindicatos pela justiça sob a justificativa de que a greve do transporte público está ferindo o direito de ir e vir de quem não aderiu à greve.


Mas a greve decidida por categoria profissional e /ou profissional é direito garantido na constituição. Constituição esta que está em pleno processo de destruição. 

Aderir a greve é um  exercício do seu direito, e o ter vetado através do impedimento de articulação dos sindicatos por multas da justiça significa o que?


As palavras que me vêem a mente são: censura e criminalização. E se por acaso você está com medo de aderir à greve por receio de ser desligado, dispensado, demitido tem algo errado, significa que você não vive o seu direito e infelizmente não sabe o que é e não vivência o mínimo da democracia.


Já que decidi não encher lingüiça e sem trema por favor mas o computador não aceitou retirar, aqui vai um relato simplista de uma grevista plenamente convicta de seus direitos.


Eu tenho direito à greve. Ponto final.

Não tenho medo, porque não devo tê-lo.

Os motivos são fortíssimos e justificam à adesão a greve:


REFORMA TRABALHISTA
.


REFORMA DA PREVIDÊNCIA
.


TERCEIRIZAÇÃO
.

FORA TEMER
.

E SE O POVO QUISER:
DIRETAS JÁ
.
E/OU
.
ELEIÇÕES GERAIS
.


NENHUM DIREITOS  A MENOS
.

Por aqui não vai ter barganha ou troca de favores. Aqui hoje e amanhã não vai ter peleguice. Não sujeitar a golpistas o seu direito à greve e direito à vida digna é resistir. Por hoje e pelo amanhã: resistência. 
Só a luta muda a vida.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

O Ouvinte de si mesmo

Infelizmente esse texto não se refere ao exercício autoconsciencial de se analisar através da fala, ele se trata daqueles que filtram o que o outro diz apenas para aquilo que lhes causam identificação. Tentarei ser mais clara: você já reparou que em conversas simples, até memso aquelas isentas de grande teor afetivo ou relevância, você emite um discurso e a resposta é quase que unânime sobre o ponto de vista alheio? Eu não sei bem como isso começou mas sinto falta de conversar sem precisar que a minha fala seja distorcida para a necessidade do outro falar sobre si, e o pior, falar ilusões sobre si. Porque ele fala aquilo que ele acredita ser ele e infelizmente ele só está dizendo sobre como ele gostaria que enxergássemos a sua história. As pessoas usam as conversas para a autopromoção. Talvez falando em voz alta para mais alguém, ele próprio possa acreditar nas mentiras que conta para si. Não sei.

O ouvir verdadeiro tem que estar disponível para o outro. O outro é o iluminado e a minha escuta o holofote que emite essa luz. Pense então como se a cada vez que essa pessoa falasse, o holofote desviasse a luz dela e direcionasse para si mesmo. Qual o sentido? Para dialogar você não precisa roubar a fala alheia. Quando estou falando de mim ou de qualquer assunto banal, não necessariamente estou querendo ouvir sua opinião sobre isso, como você agiria em tal situação, sua crítica sociopoliticaeconomicaexistencial que é melhor que a de especialistas no assunto, como você se vê mais promissor diante dos problemas que são meus. É difícil conversar nos tempos de hoje. Você fala mas não é ouvido. O outro só ouve o que diz respeito a ele, funciona por identificação e a identificação é uma busca por si mesmo. Você despretensiosamente comenta "Meus pais agiram assim assado em minha infância" e o outro responde "os meus não, os meus foram ótimos, nunca tive que passar por isso". Ou até em questões negativas: "eu tive uma doença muito séria", "eu já quase morri, tive coma, vi a luz  e ressuscitei". Pois é, os diálogos hoje se tratam de competições narcísicas onde não importa o que o outro diz, desde que você sobressaia de alguma maneira.. É triste. Preciso ser ouvida, sinto falta. Estou cansada de entrar em disputas para poder expressar o que quero, mesmo constatando que não estou sendo ouvida.  Afinal, o que você ouve nem sempre diz respeito a você. Sei que alguns podem estar em choque com essa afirmativa, mas é a verdade. 

Conversar  não é se apropriar da fala do outro para em fração de segundos encontrar um jeito de inseri-la na sua experiência e pintá-la de uma forma que aparente ser mais atrativa. No final, quem começou a conversa já parou de falar e o outro ganhou a cena. O movimento tem sido esse, escutar de uma forma que possa ser utilizada para chamar a atenção para si e ser ouvido. As pessoas não querem ouvir, só querem falar.
O ser humano está incapaz de emitir uma resposta que não seja a do reflexo do seu narciso. Pena que ele escolhe ver só o que lhe convém nessa imagem, a sombra, a parte que ele negligencia em si, ele deixa para que os outros se virem para conviver. 
Concluo que a escuta do ego é incapaz de escutar o outro. Enquanto o ego finge escutar, é o narciso quem fala. O alerta é para não se afogar na própria fala, como Narciso se afogou na própria imagem. Deem conta de si mesmos pra não terem que usar os outros como alvo de projeções. Eu só quero conversar em paz. Sem competições, por favor.

terça-feira, 20 de junho de 2017

As paredes nuas

Quando o velho abriu a porta para entrar em casa já estava escuro. Não dava para enxergar um palmo adiante, mas não precisou tatear o caminho. Depois de tanto tempo esticou a mão direita, que pousou de forma certeira sobre o interruptor.

A sensação foi de que a luz, inundando a casa, esvaziou seu peito. Já haviam levado quase tudo. Não fazia ideia de onde poderia encontrar novas memórias para remobiliar aqueles cômodos. Ele hesitou em seguir adiante, mas não havia para onde voltar.

Nunca tivera um gato, apesar de simpatizar com os bichanos, mas lembrou de que costumam associar os felinos com um apego à casa, mais que aos donos. Não faz sentido. Analisando o que sentia, considerou que talvez os gatos se apeguem às lembranças. Os cheiros, os sons, as histórias vividas. Não havia sobrado quase nada.

Não queria que sua vida passasse por essa metamorfose. Pensou em Gregor Samsa, personagem de Franz Kafka que acorda metamorfoseado em um inseto. A relação era válida. Era assim que se sentia. Um bicho repulsivo, asqueroso, talvez até nojento, e completamente incapaz de mudar a própria condição.

Gregor. Gregório. Soava bem, principalmente por soar péssimo. Um nome antigo, anacrônico, nada atraente e sem graça. O velho achou que poderia se chamar Gregório ou ao menos passar a se apresentar assim.

Consciente de sua condição, assim como a personagem do livro, sabia que na impossibilidade de alterar a própria imagem, o melhor a fazer era permanecer recluso. Trancado no quarto. Longe dos olhares que denunciariam a repugnância que ele causava.

Essa atitude não era nada confortável, porém era a que gerava menos problemas. Mas um imóvel vazio era demais. Quando sozinho podia reviver as lembranças guardadas nos móveis. Agora nem isso seria possível. As paredes nuas repetiam cada barulho, com um eco que martelava seus ouvidos.

Kafka foi mais bondoso com seu personagem. Ao antever a retirada da mobília o inseto pode assumir os riscos de sair de seu esconderijo e tentar agir. Sabia que o preço seria alto, mas não tinha alternativa, a não ser expor sua desagradável imagem. O velho Gregório estava em dúvida. Não sabia se havia demorado para agir ou se mais uma vez era um velho impotente diante de um destino inevitável.

Um banho. Por mais vazia que a casa estivesse ainda havia a possibilidade de tomar um banho. Nem muito curto, nem muito longo. O suficiente para ter certeza de que a sujeira que sentia no corpo não sairia com água e sabão.

Ao terminar percebeu que o banho era mesmo sua única alternativa ali e que não havia adiantado nada. Não tinha para onde ir, mas ficar na casa vazia não fazia sentido. Voltou a entrar na mesma roupa que vestia, trancou a porta por hábito, já não havia nada de valor ali dentro, e saiu sem rumo.

Voltou a pensar na sorte do personagem de Kafka e andou pelas ruas do bairro esperando, em vão, aquela maçã redentora do livro. Isso o faria sofrer profundamente. Gragor Samsa deve ter sentido uma dor lancinante até perder os sentidos e finalmente romper os laços que o mantinham às convenções sociais.

Gregório não teria a mesma sorte. Sua dor seria crônica. Nenhuma maçã nem nada do tipo o libertaria daquela prisão psicológica. Levou toda uma vida colocando tijolos sobre tijolos em um muro que o protegesse do mundo. Agora o jeito era permanecer ali, rodeado por um muro e mais nada. Andando pelas ruas e ouvindo seus pensamentos ecoarem no vazio de seu muro interior.

sábado, 17 de junho de 2017

As plantas e os relacionamentos

Minha alfavaca estava linda e radiante, até que um dia reparei que suas folhas começavam a murchar. Ainda estou começando nesse negócio de plantas, apesar de ter 23 vasos em casa. Exagerada, eu sei. Fato é que não consegui identificar o que a alfavaca sentia (acho que é mais fácil com um bebê chorão). Continuei com os cuidados e regas habituais. Ela, então piorou. Mas não foi de uma hora para a outra. Depois das folhas murchas, caídas, foi a vez do caule, que de marrom ficou seco. Muita água, talvez? Pouca água, pouca luz? A coitadinha foi fenecendo, até que entregou os pontos.
Fiquei pensando no quanto difere esse processo de um relacionamento entre duas pessoas. Pouco. Muitos que chegaram ao fim, inclusive os meus próprios, seguiram o mesmo ciclo. Folhas encolhiam-se anunciando a falta de nutrientes, de mais luz. Ou de regas. Acontece. Até sucumbir de vez são vários os sinais que no caso da planta, fui incapaz de reverter. Com as pessoas já vi de jardineiros atentos – magos no renascimento – remexerem a terra e encontrarem um novo caminho.
A reinvenção pode existir nos vasos, na vida. Sábia natureza. É só saber observar. E agir.


quinta-feira, 8 de junho de 2017

Já começou errado...

  Estou numa pausa, num vão. Não sei se pequeno ou grande, mas aqui não tem histórias nem contos.

  Estudando novamente atrás de outra carreira e talvez mais dinheiro, tempo, ou felicidade. 

  Carreira sempre foi meu calcanhar. Tendo aulas com pessoas, dessas que "deram certo" na vida, entre um ou outro artigo escuto barbaridades, machismo, sexismo, racismo, preconceito. 

  Fico pensando aqui, se não seria melhor, se além de direito, atualidades, português e matemática pedissem também um pouquinho de noção, social, humana, política... Porque quem chega lá, quem consegue, quem manda, não tem nem o mínimo. 

  Não é de todo culpa deles não, ficaram lá estudando Pitágoras e colocação pronominal, e lá vou eu tentando chegar lá, fazendo outro caminho. 
  Talvez não dê.

quarta-feira, 7 de junho de 2017

mais um caso de poesia

não sei se por onde me traço
é deveras
o locus
de minha sina.

transito.
me escapo entre trapos
farrapos
de quem já fui
(ou sou?)

ao final
do que me vale essa luta
de que me vale a exaustão
por fogos de artifício?

efêmeros
fugazes
ditando o rumo da lua.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Mafalda

Então perdi alguém
Alguém querido, alguém tão próximo
Mas sei que jamais a perderei
Confuso?
Pois estes tempos também o são...

Perdi sim sua companhia
Sua presença
E até mesmo sua voz
Voz já carregada pela melodia do tempo

Mas não perdi sua sabedoria
Esta, me recuso a perder
Não há como perder suas memórias
Agora que também são minhas
Tantas histórias

Não perderei seus ensinamentos
Sua prosa e seu tricotar
Não perderei nenhum momento
Como naquelas tardes de chá em sua mesa

A casa já não era a mesma
Nem mesmo o ar o foi
O amor também não era o mesmo,
Porque amor verdadeiro cresce
Não se importa com distância ou barreiras

Tantas coisas descem da minha mente
Buscam os meus dedos
Querem ser relatadas
Revividas...

Uma história muito grande
Não cabe em uma madrugada
E nem em um punhado de papeis
Porém cabe no coração.
Cabe na memória.

É lá que a cultivarei
A honrarei
E principalmente
A brindarei com minha saudade.

Fábio Fonseca

sábado, 3 de junho de 2017

Pura essência

Sou pura essência quando sinto a textura do papel. Despida dos moldes, é simplesmente minha alma fluindo pela tinta da caneta nesse infinito de possibilidades. Tudo esta em calma enquanto a melodia da madrugada conduz minhas palavras livremente. Talvez minhas palavras fossem mais frágeis há três meses atrás, mas nessa madrugada sinto como tudo esta diferente. 

Sentindo a textura do papel, sendo pura essência, nada mais importa. Nem você, nem o que o tempo dissolve, nem a hora que preciso acordar amanhã, mas, mesmo quando nada mais importa, sempre existe algo que importa. Minhas lembranças me fazem ver isso nitidamente e, nessa fração de vida, lembrei de tanta coisa. Sim, coisas! No mais amplo sentido que essa pequena palavra carrega. Vi recortes de cenas compondo um filme com diversos fragmentos do meu cotidiano. Alguns desses recortes me transportaram no tempo e espaço, me guiando para uma dimensão nostalgicamente feliz, fazendo com que eu me sinta ainda mais viva quando sinto a textura do papel, quando sou pura essência.

Sou grata por cada coisa, no seu mais amplo sentido, vivida. Cada história, cada momento, cada saudade, cada tombo. Esse amontoado de coisas me fez ver o quanto a vida é feliz em seus detalhes e deve ser por isso que amo tanto os detalhes, pois eles nascem das circunstancias e, hoje, as circunstancias me fazem sentir a textura do papel, me fazem ser pura essência.