quarta-feira, 21 de março de 2018

A SEGUNDA OPÇÃO

Dias atrás, na nonagésima edição do Oscar, uma frase de um ator me chamou bastante a atenção. Trata-se do que Willen Dafoe disse, quando perguntado sobre o seu "não protagonismo" nos filmes. 

Quem acompanha a carreira do ator norte-americano sabe que, a grande maioria dos papéis que lhe são oferecidos, são os de coadjuvante. 

Que legal quando ele falou que nunca esquentou a cabeça com isso, pois sempre preferiu se submeter às vontades de quem o dirigiu/dirige. 

Ele é feliz assim! 

Gosto dos filmes que não são clichês. Mas também dos que contém isso neles.  
Na vida, aprendemos, quase sempre, na maioria das vezes, que nem todos nascemos para ser protagonistas nas histórias daqueles(as) que admiramos. Nem todos somos os "saradões" por quem as meninas suspiram! Nem todas são as gatas que arrancam suspiros de nós, homens. 

Por quê trato disso hoje, aqui no meu blog, e no blog das 30 pessoas, no próximo dia 21? 

Porque quero deixar bem claro pra mim que não há problema nenhum em ser preterido pelas ocasiões. "Because of reasons"!  
Enquanto escrevo esse texto, sei que pode denotar ser o discurso de um perdedor, pois poucos são os que admitem que nem tudo precisa ser como a sociedade praticamente impõe. Sim. É verdade que, dependendo de suas escolhas, muitas consequências virão. Mas isso não foi, não é e nunca será o fim do mundo.  
Existe alguém que não o/a verá como segunda opção um dia. Se você ainda não encontrou esse alguém, tenha certeza de que um dia ele(a) virá. 
Todos nós, de uma maneira ou de outra, já fomos protagonistas na vida de alguém.  
Quer por erros nossos, quer por decisões que tomamos, ou continuamos a ser, ou deixamos o posto. Outro(a) ocupou nosso lugar.  
Olhar no espelho e repetir para você mesmo aquela máxima que diz "Não trate como prioridade quem te trata como opção" dói. Ninguém quer ser uma segunda opção na vida de alguém. Principalmente na vida daqueles que tanto amamos. Mas olhando por um lado realista, não agradamos a todos como gostaríamos. E não digo isso no sentido de fazermos para ter um retorno. Digo isso no sentido de completarmos a lacuna que falta na(o) amada(o). 
A bem da verdade, as pessoas nem esperam isso da gente. É a expectativa que criamos que nos força a vivermos assim. 
E é fato que não adianta alguém dizer isso pra gente. Não adianta alguém chegar e dizer "Pô, a pessoa te trata como estepe, e você ainda lambe?" 
Só o tempo vai ensinar que, para amar, primeiro é necessário se amar. Ninguém dá aquilo que não tem. E se não tomarmos cuidado, acabamos projetando no outro a felicidade que lá no fundo, nós é que gostaríamos de desfrutar. 
Se (e quando) você perceber que está sendo o nº 2 na vida de alguém, não se rebaixe. Dê o carinho que você acha necessário dar. Um dia, a ficha cai. A sua, no caso. E toda a energia que você gasta amando essa pessoa, será canalizada à alguém que te amará da mesma forma. 
Lembra: As pessoas só dão valor para aquilo que tinham, depois que perdem. 
Precisamos atentar aos que nos valorizam. Não só como segundo plano, mas também àqueles(as) que já nos olham com o olhar de admiração, e que tantas vezes não vemos, pelo motivo de estarmos cegos por quem nos pisa. 
Como diz a canção, "a vida é mesmo assim". Se você, como eu, nunca foi um Gianechini, ou você, garota, nunca foi uma Bruna Lombardi, não se preocupe! Todos temos nossos atrativos! Todos temos algo de bom que salta aos olhos de quem vê o invisível, que é o essencial. 
à quem acha que isso é discurso de um perdedor, espero que um dia enxergue também aquilo que os santos e os poetas talvez notem: a riqueza individual, única, e própria, que cada ser humano tem. Não espere perder para valorizar. Cultive, para que algo bonito ao seu lado não seque, e procure água em outro lugar. A sombra que lhe é proporcionada, e que agora você não nota, poderia, quem sabe, ser essencial em sua vida, em algum ponto de sua existência. Alguém é feliz pelo fato de você existir. Não mate essa felicidade. Ninguém merece que a admiração que tem seja pisoteada por quem não vê a grandeza desse sentimento.

terça-feira, 20 de março de 2018

Em luto, lutamos

Quando ela nasceu disseram que ela era bonitinha, apesar do cabelo. Ela não entendeu. Tinha o cabelo igual ao de quase todo mundo que morava por ali, por que o cabelo seria feio? Contrariando muitos conselhos, preferiu não alisar os cabelos. Deixou os cachos, tingiu, prendeu, armou. Não achava seus cabelos feios.

Quando ela fez 11 anos disseram que era melhor parar de estudar e começar a trabalhar. Ela também não entendeu. Conhecia um monte de gente que havia parado de estudar para trabalhar. Estavam todos trabalhando há anos. Trabalho pesado, todos os dias, o dia inteiro. Ela não parou de estudar. Arrumou um trabalho e batalhou para não largar os estudos.

Quando ela engravidou, aos 19 anos, disseram que precisava casar. Mãe solteira era mal falada, não conseguiria criar a filha. Era melhor cuidar do marido e deixar os sonhos de lado. Ela não deu ouvidos. Teve a filha e no mesmo ano começou a estudar para o vestibular.

Quando ela começou a namorar uma mulher disseram que ela era uma sem vergonha, vagabunda, puta, que daria mau exemplo para a filha pequena. Ela, que sempre aguentou as provocações sozinha, não se renderia agora que tinha uma companhia.

Quando ela passou no vestibular da universidade particular, disseram que ela deveria desistir. Isso era coisa de rico e ela não conseguiria pagar o curso até o fim, ainda mais ciências sociais, que ninguém sabia o que era e ninguém dava emprego. Pois ela arrumou uma bolsa de estudos, através do tal do Prouni.

Quando ela se formou acharam que finalmente havia terminado. Agora ela encontraria um emprego e seguiria o destino que haviam imposto desde que ela nasceu. Mas ela começou a fazer mestrado em uma Universidade Federal.

Quando ela entrou para a política disseram que seria mais uma a mamar nas tetas do governo, desviar dinheiro e enriquecer sem fazer nada. Mas ela foi assessora parlamentar por dez anos, construindo um trabalho competente ao ponto de ser eleita vereadora com 46 mil votos.

Quando ela entrou na Câmara como a quinta vereadora mais votada, muitos torceram o nariz. Mal sabiam quem era aquela mulher, negra, lésbica, favelada e detentora de tantos outros adjetivos que ela ostentava com orgulho quando utilizavam para ofendê-la.

Quando ela, com apenas dois anos de mandato, mostrou ser mais competente e atuante do que muitos poderiam imaginar, ela foi ameaçada. Não deu ouvidos. Havia passado 38 anos de sua vida sendo ameaçada de tantas formas, não seria agora que conseguiriam calar sua voz.

Quando ela foi assassinada, acharam que finalmente ela se calaria. Acreditaram mesmo que haviam silenciado aquela voz destoante, que haviam colocado aquela atrevida em seu devido lugar.

Quando ela foi sepultada surgiu um grito. Menos de dor que de revolta. Um grito que finalmente ecoou pelo país inteiro. Que rompeu fronteiras e chamou a atenção do mundo. A luta, que muitos acreditaram estar acabada, estava apenas começando. Sua voz ganhou força, ganhou apoio, ganhou respeito.

Quando ela virou símbolo de luta dos oprimidos, tentaram, covardemente, sujar sua imagem. Não pouparam esforços. Na ausência de argumentos, inventaram as mais criativas barbaridades. Foram desmentidos.

Quando ela morreu não se calou, não desistiu, não sumiu. Está, mais do que nunca, presente.



segunda-feira, 12 de março de 2018

Morar no mesmo prédio que a minha empregada? Nem morta!

Um episódio lamentável aconteceu com uma amiga. Ela é corretora de imóveis e no seu catálogo tem vários prédios, coisa normal, porque clientes pedem apartamentos em zonas diferentes e o corretor tem que ter diferentes alternativas.

Um casal a procurou e pediu um apartamento de três dormitórios na Mooca, um bairro classe média em São Paulo. Ela encontrou um que parecia ter tudo o que o casal procurava, ao preço de 400 mil reais.
São Paulo é um dos lugares mais caros do planeta para se comprar uma propriedade, levando em conta a zero qualidade de vida que se tem na cidade. Mas a faixa de preços mais ''acessíveis'' para a classe média é essa, entre 400 e 700 mil reais.
Ela ofereceu o apartamento, mas o casal disse que não tinha os 400 mil reais. Caso eles pedissem crédito ao banco, pela sua renda não poderia ser acima de 200 mil reais, teriam então que colocar outros 200 mil de sua parte.

Mas a mulher está grávida e minha amiga se preocupou com isso, sabia que ela precisa se mudar antes do bebê nascer, então procurou e achou um apartamento de 190 mil, um pouco afastado de onde eles queriam, mas fácil de financiar porque faz parte do projeto ''Minha casa, minha vida''. O apartamento tem os três dormitórios, vaga na garagem e área de lazer, então ela ligou para o casal e contou sobre o lugar. O marido disse ao telefone que passaria mais tarde na imobiliária para conversar com ela e ficou combinado assim.

De tarde o casal chegou ao lugar, a mulher um pouco nervosa e o marido soltando fogo pela boca, exigindo falar com o gerente, quando este se aproximou o marido disse:

-Eu exijo que você coloque na rua está sua funcionária (apontando o dedo para minha amiga), porque é uma incompetente, infeliz e ofendeu a minha esposa e a mim.

O gerente perguntou o que tinha acontecido e ele continuou:

-Nós viemos comprar um apartamento, mas não temos os 400 mil agora, somos classe média, não somos pobres, nem miseráveis e não precisamos do favor de ninguém e essa sua funcionária ordinária nos ligou e ofereceu um prédio do projeto  ''Minha casa, minha vida'', ora quem essa cretina pensa que é?  Esta estúpida nos ofereceu um apartamento que fica quase a periferia!  Não sou favelado, tenho diploma superior e minha mulher também.

Entendendo a confusão o gerente explicou que o prédio não era do governo, era de uma construtora particular, mas como os apartamentos estavam abaixo de 200 mil reais, entram  no programa  ''Minha casa, minha vida'', ou seja, a pessoa pode pedir o financiamento na Caixa Econômica, que financia 90% do valor do apartamento e os outros 10% a pessoa pode pagar em suaves prestações. É apenas isso, não é um prédio construído pelo governo.

Mas o marido não parecia entender, continuava dizendo que  foi ofendido pela funcionária da imobiliária. No meio dos gritos disse:
-Vocês acham que eu estudei, melhorei na vida, para ser vizinho da minha empregada? Porque ela comprou um apartamento pelo programa ''Minha casa, minha vida''! Querem que eu divida a vaga na garagem com meu porteiro? Passar o fim de semana escutando pagode e sentindo cheiro de carne barata sendo assada? E acham que eu vou em uma reunião de condomínio cheia de peão discutir problemas que só favelados geram? E meu filho vai brincar com que tipo de criança? Os filhos da faxineira?

O gerente conseguiu contornar a situação dando razão ao cliente, percebeu que o marido não estava escutando nada e não era culpa de ninguém se ele não tinha 400 mil reais para o apartamento que queria.

Minha amiga que me contou que isso é mais comum do que parece, as pessoas não têm noção de preços, não investigam antes e chegam a uma imobiliária pedindo um apartamento em região nobre por um determinado preço e quando são informadas que com essa quantidade conseguem comprar apenas algum apartamento um pouco afastado, surtam, ofendem os corretores e dizem que não são  ''tão fudidos para morar na periferia''.

A história acabou do mesmo jeito de sempre, a corretora foi humilhada e agredida verbalmente, o casal se acalmou, na verdade o marido, e disseram que iriam procurar outra imobiliária de mais nível, como se todas não trabalhassem os mesmos preços.
Ah, se queria tanto esse apartamento de 400 mil, que tivesse trabalhado mais, paciência, a pessoa mora onde dá para morar. Não é culpa do cidadão que a cidade não teve planejamento para crescer e as construtoras cobram o que querem, trabalham com tabelas que não existem em nenhuma parte do mundo, todos roubam o cliente e carregam em custos que não existem. Mas o ponto é aquele mesmo, se a pessoa quer um apartamento de 400 mil reais, então que junte o dinheiro.

O que assusta no Brasil é a mentalidade separatista, o horror que pode ser para uma pessoa de classe média morar no mesmo prédio que sua ''empregada''.
Brasileiro não têm noção dos seus direitos nem conhecem uma sociedade igual, pensam ainda que ser bem sucedido é viver afastado de tudo e todos, longe do resto. Não conseguem ver o país como um todo, caso vissem perceberiam a maravilha que pode ser que todos tenham aceso a uma vida mais digna.

Cada país tem seus limites mentais, os americanos têm um que me incomoda demais, são um povo bélico, paranóico, adoram armas, guerras, se sentem perseguidos por todos e veem inimigos em todos os lugares. Mas nós, brasileiros, destilamos nosso ódio internamente, os americanos brigam com as pessoas de outros países, nós lutamos dentro pela questão social. 

Enquanto o mundo batalha pela igualdade e para que todos tenham as mesmas oportunidades, os brasileiros querem distância uns dos outros, separados pela condição econômica.

Com um pouco de esforço posso entender a loucura americana, apesar de ter horror as armas, mas não consigo, por mais que tente, compreender a lógica brasileira, ou paulista, de considerar humilhante morar no mesmo prédio que sua empregada.

Na maioria do tempo sou como todo mundo e jogo a culpa no governo, mas quando acontecem situações assim percebo que nosso atraso social corresponde a um atraso ético e moral.

Talvez não estamos preparados ainda para viver em um país igual e justo, ainda estamos construindo muros e procurando nos afastar do que não é da mesma  ''condição social''.

Fiquei surpresa com a tranquilidade que minha amiga me contou a história, ela garantiu que isso acontece pelo menos uma vez por semana, mas agora tinha se assustado porque o marido entrou gritando e ela achou que ia apanhar.

Me parece tão provinciano ficar vendo o que os outros compram ou deixam de comprar, não entendo como alguém se preocupa com isso. Ora, se vou comprar um apartamento estou me lixando para quem mora nele, não me interessa se é o rei da Arábia ou uma diarista, eu quero é saber da minha casa.

Nosso problema como país não é apenas a corrupção, os desvios, mas sim a maneira como muitos brasileiros veem a sociedade, como encaram a melhora econômica como um passaporte para tratar os outros como leprosos. 

Talvez não somos tão humanos e generosos como gostamos de dizer, no fundo somos mesquinhos, egoístas e estamos nos lixando para todos, desde que o nosso prédio classe média não tenha nenhuma moradora que seja ''empregada''. Talvez aqueles políticos em Brasília que roubam, desviam, mentem, parecem ter nojo de todos e vazios de conceitos éticos são o nosso mais puro reflexo. Talvez.

Iara De Dupont

sexta-feira, 9 de março de 2018

Dona Lazinha mora na praia


Alugo um guarda-sol na praia, pago.
Pergunto à dona do negócio, muito queimada de sol:
- Quantos anos a senhora tem?
Ela responde:
- Já pagou o guarda-sol?
Nublou. Tem o mesmo nome (e temperamento) da minha avó.

Praia de Itamambuca, 2018.

quinta-feira, 8 de março de 2018

Todo mundo tem um ponto fraco...

O meu é carreira, caiu a ficha, estou começando a aceitar.

Para ilustrar, desenhei três momentos da minha vida profissional: a utopia é o primeiro, mas na verdade fico sempre ou no segundo ou no terceiro momento.




terça-feira, 6 de março de 2018

A Louca


Tua vibração pulsa, percorre o chão é absorvida pelas papilas das plantas dos pés. Os tambores temperam a carne, amaciam no balanço.

Não é perfume de butique é nosso cheiro de suor movimento.

Desfila. Desfila sim. Olha nos olhos estranhos que te encontram.

Canta com a boca dos outros, a saliva coletiva derrete os pudores.

No balance dos jogos de ritmo improvisado, é calor, meu corpo derretendo em gostos, tua língua refrescando os desejos.

Nas voltas das bundas, dos nossos braços, no meio da multidão de olhos sorrisos, a gente.

Ao som do surdo, do toque crescendo embalando corações, teu compasso firmando minha composição.

Não é procura é encontro, boca sem dizeres. Achamo-nos.

domingo, 4 de março de 2018

Diário dos ventos #02

Se eu tivesse ficado
Abandonado o resto
Abraçado o duvidoso 
Destruído o concreto

Só mais uma vez
Quem me dera
Meu calor do verão
Seu frescor primavera

Roubaria aquela rosa
Me feria com seu espinho 
Viveria com o frio  
Desse inverno todinho

Me faria presente 
Sem prometer futuro 
Um dia de cada vez 
Até manhã, eu juro

Daquele breve encontro 
Naquela mesma estação  
Após o último outono  
Só restou minha solidão.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

A prodigiosa sorte de Fortunato Dias de Ventura

Desde muito pequeno, Fortunato Dias de Ventura descobriu que tinha uma relação bastante estreita com a sorte. Foi logo em seu primeiro verão, na pequena cidade de Quimera, quando sua mãe lhe deixara desfrutar de seu primeiro picolé, que tal intimidade com as coisas do destino se revelou pela primeira vez. O menino refestelava-se com aquele bloco róseo de gelo, corante e açúcar (sobretudo açúcar, muito açúcar) quando sua mãe, a atordoada Sra. Lenora Dias, pôde ler no palito de madeira que o rebento tinha direito a outro sorvete igual aquele, numa daquelas promoções que existem desde sempre, que todo mundo conhece, mas que de fato, de verdade mesmo, ninguém nunca ganhou nada. A mãe, que aos trinta e tantos anos já se considerava pessoa bastante azarada, sobretudo quando se lembrava de suas escolhas matrimoniais (o que não vem ao caso neste relato) nunca tinha ganho nada nesta vida, além de maridos infames e contas para pagar. Enquanto pegava o menino lambuzado pelo braço e caminhava de volta à sorveteria para retirar o grande prêmio, lembrou-se da vez, muito parecida com aquela, em que era menina, cercada de outras tantas meninas, suas amigas, e dera um pulo de alegria ao perceber que tinha uma mensagem escrita no palito de sorvete. As meninas logo se acercaram e começaram a rir às gargalhadas, ao lerem que aquilo não dava direito a nada, a não ser a alguma sensação de consciência tranquila, já que o que estava escrito no pequeno palito lambuzado não era nada mais benfazejo do que um "Este palito foi feito com madeira de reflorestamento. Preserve a natureza: não o jogue em vias públicas". A pobre Lenora, depois de meses sem ter coragem de botar a cara na rua, nunca mais dera bola para promoções e palitos. Até o dia em que nasceu o pequeno Fortunato Dias de Ventura.
 
O mais curioso, e o que talvez aqui ninguém acredite, é que o sorvete que Fortunato Dias de Ventura ganhou naquela manhã, também havia sido moldado em torno de um palito premiado, para grande azar do sorveteiro, que viu seu faturamento sensivelmente atingido por aquele acontecimento apoteótico. O fato é que a partir daquele dia todos os sorvetes que o menino ganhava vinham afortunadamente com o palito premiado (e olha que Fortunato gostava muito de sorvetes!). O dono da sorveteria, muito desconfiado, sensivelmente temeroso de sua falência iminente, teve como ideia abrir uma ou outra embalagem de sorvete, de modo aleatório, para ver se aquilo era mesmo sorte ou erro do fabricante, algum lote que viera desgraçadamente mais sortudo que os outros, quem sabe. Logo se viu, no entanto, que esta hipótese poderia ser facilmente descartada. O sorveteiro, a  esposa do sorveteiro e os netos do sorveteiro entupiram-se por dias e mais dias de sorvetes e de decepções, e nada mais liam ao final de cada uma daquelas guloseimas geladas, do que a decepcionante inscrição "tente outra vez" nos palitos de madeira. A tristeza estava estampada em seus rostos melados, sobretudo quando entre um fracasso e outro, viam entrar pela sorveteria aquela figura cada vez mais rechonchuda e rosada que apontava do colo da mãe para qualquer um dos picolés da geladeira que, invariavelmente, vinham premiados.
 
O sorveteiro, resignado, resolveu tirar proveito daquilo e apostou numa estratégia de marketing, palavra até então desconhecida entre os habitantes de Quimera. Botou na fachada da sorveteria, em letras vermelhas e garrafais, uma faixa com a seguinte inscrição "Sorvete premiado. O prêmio já saiu aqui 47 vezes!". No começo até que deu certo. Os moradores de Quimera, sensivelmente atraídos por aquele dado expressivo e profundamente incomodados pelo forte calor que fazia naquele triste e tenebroso verão, fizeram filas na porta da sorveteria para adquirirem também o seu tão sonhado palito premiado. Só que todos os outros habitantes da cidade eram pessoas de sorte apenas mediana e, portanto, jamais conseguiam o direito a outro sorvete. Alguns saiam cabisbaixos, lamentando a pouca sorte, outros saiam furiosos, muito irritados, xingando o sorveteiro e toda sua família de embusteiros de uma figa, que não deviam brincar assim com a esperança das crianças. E foi assim que começou a guerra fria, a verdadeira, assim chamada pelo gelo com que os moradores de Quimera passaram a tratar toda a família do vendedor de gelados. Uma injustiça, é preciso que se diga, um comportamento realmente deplorável dessa gente, já que como se sabe, o sorveteiro não tinha poderes sobrenaturais que o permitisse conhecer de antemão onde estavam os palitos premiados. O único aspecto sobrenatural dessa história toda era realmente a prodigiosa sorte de Fortunato Dias de Ventura.

Chegou a hora, como haveria de chegar, que o menino cansou de tomar tanto sorvete e passou a recusar até mesmo os sabores mais extravagantes e açucarados, aqueles que sempre o atraiam. Seus pais resolveram então guardar como um troféu o último dos palitos premiados para se lembrarem no futuro daquela fase áurea do garoto. A sorveteria, no entanto, não resistiu ao verdadeiro boicote exercido por seus antigos clientes e fechou suas portas. O sorveteiro e sua família fizeram as malas e se mudaram para a Sibéria, de onde eram seus parentes mais próximos, e nunca mais voltaram para Quimera, de modo que nunca souberam que seu antigo estabelecimento havia se transformado numa espelunqueira lanchonete, dessas que mais parecem um botequim, com banquinhos no balcão e vitrine de coxinhas, torresmos e ovos azulados na entrada. O que distinguia o recente estabelecimento dos demais de sua espécie era a presença, um tanto sorrateira e disfarçada, nos fundilhos mesmo do recinto, já próximo aos banheiros, de uma bancada para o jogo do bicho, a nova tendência no submundo do entretenimento da cidade.

A viúva Noêmia nunca fora mulher de grandes vícios (e tampouco de grandes virtudes) mas apaixonou-se perdidamente pelo bicheiro, o atarracado Sr. Osório, desde a primeira vez que, saindo distraída do banheiro do bar, dera de cara com aquele sujeito que acabava de atender um cliente (um senhor que arriscou uma bolada no burro). Dona Noêmia, que era muito inteligente, decidiu apostar naquela relação e passou a frequentar o bar regularmente, nunca se esquecendo de fazer sua fezinha, nunca sem ver Osório. Isso seria apenas mais uma história, como tantas outras histórias, de alguém apaixonado que se vê cometendo insanidades nunca antes imaginadas, apenas pelo simples deleite de passar um tempo a mais ao lado da pessoa amada, não fosse a viúva Noêmia avó de um menino tão sortudo, o ditoso Fortunato Dias de Ventura, protagonista desta história.

Ciente das alvissareiras conquistas que o neto já realizara no mercado das guloseimas geladas, a viúva Noêmia resolveu contar com o garoto para suas ótimas intenções no mercado matrimonial. Todo sábado levava ao neto a cartela colorida do jogo de bicho e pedia ao menino rechonchudo que apontasse com os dedos para a imagem do animal que mais lhe apetecesse no momento, que fizesse uma escolha aleatória como outrora já fizera com os picolés. Não há quem não conheça a máxima que diz que um raio não cai mais de uma vez no mesmo lugar, mas como todos aqui já sabemos, essas coisas só funcionam para pessoas de fortúnio medíocre, como a grande maioria de nós. Para pessoas magistrais como Fortunato Dias de Ventura, o raio cai exatamente no local em que ele quiser e no momento em que ele quiser. Assim, como é fácil de se supor, a viúva Noêmia passou a ganhar no bicho absolutamente todos os sábados. E só não jogava todos os dias porque tinha pudores, tinha receio de que a boca pequena melasse o clandestino negócio de Osório, como já tinham feito antes com os açucarados sorvetes.

De tanto ganhar no bicho, a viúva Noêmia comprou uma modesta fazenda e chamou Osório para morar com ela. O atarracado Osório gostava muito de sua vida clandestina, sempre conhecendo gente nova, conversando com os apostadores de saída de banheiro, aquela gente aliviada que nunca fazia sua vida cair na rotina. Entretanto, a possibilidade de se unir a uma pessoa tão bem aventurada, tão primorosamente afortunada, fez com que Osório pesasse bem e decidisse pela vida no campo, longe dos bichos, ou melhor, longe do jogo do bicho e perto dos bichos de carne, osso e úberes e também perto da sorte da viúva Noêmia. Mas como a sorte de Noêmia não era de Noêmia, mas sim de seu neto, e como o seu neto não era algo que se pudesse carregar por aí, o interesseiro Osório acabou se desinteressando por Noêmia, que nunca mais ganhou nada fácil nessa vida, e viu o seu negócio agrário se desmoronando tão fácil quanto veio. Numa tarde de sábado, quando tudo parecia que não podia piorar, Osório caiu do burro. Era um burrinho pedrês, último bicho que sobrara na fazenda, já velho, sem dentes e que não aguentou o peso do atarracado Osório e o lançou longe. Osório morreu na hora e a viúva Noêmia ficou viúva de novo.

Enquanto isso, Fortunato Dias de Ventura crescia. Sua avó Noêmia foi morar com ele e com seus pais. A velhinha já não saia de casa, temerosa de se apaixonar de novo e de contrair uma nova viúves. Estava, digamos, um pouco confusa das ideias e passava o dia repetindo sequências de números e bichos e anotando obscuros hieróglifos em seu bloquinho cor de abóbora. Fortunato Dias de Ventura, agora um rapaz de pelos emergentes, olhava tudo aquilo muito assustado, mas buscava não contrariá-la. Deixava a velha senhora em paz - avestruz, águia, burro, borboleta - e saia todo dia para cuidar de sua própria sorte, sempre ao lado do pai, o agitado Sr. Eduardo de Ventura, porque a mãe, muito religiosa, não gostava de se envolver naqueles assuntos escusos, que já haviam levado à falência uma família de pessoas tão honestas, como era a do sorveteiro, além de ter deixado louca sua sogra, antes pessoa de ideias tão razoáveis, salvo pelo fato não desprezível de ter educado seu ignaro marido.

Se antes o menino Fortunato Dias de Ventura apenas se refestelava com inocentes picolés de palitos premiados ou gostava de apontar seu dedo roliço e rosado para uma cartela colorida cheia de animais - como teria gostado de fazer qualquer criança de dedos menos roliços e de sorte menos promissora - agora a coisa estava um pouco mais séria, um tanto mais profissional. O Sr. Eduardo de Ventura havia se tornado uma espécie de empresário, manipulando a sorte do filho em casas de apostas, em corridas de cavalos e até mesmo, por que não, no bingo da paróquia de nossa senhora de Monte Serrat, frequentado desde sempre pela Sra. Lenora (que se enchia de vergonha toda vez que via o marido, aquele desqualificado, chegando com o menino naquelas sagradas tertúlias dominicais). A estratégia do pai era bastante clara e sagaz. Por mais sorte que Fortunato tivesse, por mais certo que fosse que ele poderia ganhar o que quisesse e quantas vezes quisesse, isso não poderia acontecer sempre. A estupenda sorte chamaria muita atenção e poderia pôr a perder aquele negócio tão auspicioso. Então o segredo era manipular os palpites do rapaz e perder de vez em quando, às vezes até mesmo um dia inteiro, tudo para não causar suspeitas. Nesses dias inglórios, se Fortunato escolhia uma cartela, o pai logo tratava de substituí-la. Se o rapaz apostava num puro sangue lusitano, o pai declarava apoio a um quarto de milha qualquer. O segredo era sempre fazer apostas miúdas nestes casos de derrota certa e deixar os palpites polpudos para quando Fortunato tivesse a liberdade de escolha. Nessas horas eles quebravam a banca, como dizem nesses meios, e imediatamente voltavam pra casa, para grande desgosto de Fortunato, que não gostava de se ver tão castrado em suas venturas com o destino.
Nos primeiros meses do negócio a economia doméstica foi sensivelmente progredindo. A casa ganhou uma reforma de arquitetura primorosa, com três andares e um mirante com vista para as montanhas mais distantes. Até mesmo a viúva Noêmia saiu beneficiada dessa história toda. Construíram para ela um altar em um quartinho nos fundos da casa, onde ela adorava imagens em tamanho real dos vinte e cinco animais do jogo de bicho, inclusive o elefante que sozinho já ocupava quase a metade do ambiente. A velha senhora, cada vez mais enrugada e com olhar progressivamente mais sombrio, caminhava em círculos pelo recinto, carregando um castiçal de velas coloridas com nauseante odor de flores mortas. Repetia palavras impronunciáveis e quase não se alimentava mais. O prato de comida que a Sra. Lenora deixava todo dia na porta de seu quartinho, quase sempre voltava intocado. A mãe de Fortunato, aliás, a despeito do vertiginoso progresso econômico pelo qual passava sua família, não conseguia concordar com a origem sibilina daquela fortuna toda e se mantinha ainda mais afastada daquele ser abjeto que era seu marido, conforme ela fazia questão de lembrar. Aproveitando-se das grandes proporções que havia atingido sua residência e das grandes distâncias de corpos que isso proporcionava, certa vez mandou colocar os pertences de seu abominável cônjuge para fora do quarto e mandou a criatura se instalar em um dos novos dormitórios do terceiro andar, bem longe dela, que desde sempre havia se recusado a sair do térreo. Nem acreditava que depois de tantos anos conseguiria passar uma noite sem ter que ouvir aqueles barulhos - e os consequentes odores - que vinham dos mais recônditos buracos do marido.

Fortunato Dias de Ventura, por sua vez, a despeito de sua sorte tão prodigiosa, andava pela casa taciturno e cabisbaixo, tropeçando em trevos de quatro folhas que somente ele conseguia enxergar no jardim. Não tinha amigos e não ia para escola, já que o pai não queria que suas energias fossem desperdiçadas em expressões de álgebra e no estudo de línguas pouco úteis para os negócios do destino. O Sr. Eduardo de Ventura passava o dia longe do casarão, envolto em atividades nunca bem esclarecidas, sabido que sempre foi para todos que ele não trabalhava desde antes do nascimento do menino. A economia doméstica sempre fora capitaneada pela mãe, que mesmo agora com o advento dos prodigiosos desígnios do filho, continuava a produzir mandalas e filtros dos sonhos que vendia nas feiras de artesanato da cidade. O casarão passou tempos assim, da mais modorrenta rotina, com cada um de seus ocupantes suficientemente distantes uns dos outros, a ponto de mal se cumprimentarem quando, por ventura ou descuido, calhavam de se trombar em algum corredor. Com a vizinhança, tampouco, exerciam qualquer tipo de relacionamento desde os tempos já saudosos dos palitos de sorvete. A casa era uma ilha na cidade de Quimera e passaria despercebida pelos vizinhos, não fosse o quadradinho sempre iluminado do quarto da mãe no térreo, os estranhos ruídos que vinham do quartinho da viúva Noêmia nos fundos e as saídas furtivas do menino com o pai, sempre que este aparecia, vindo sabe-se lá de onde, mal a noite começava a se pronunciar, para buscar o menino e levá-lo cidade afora a fim de explorar sua estrondosa sorte.

Certa vez, no entanto, o Sr. Eduardo de Ventura não apareceu para buscá-lo. A lua aparecia no céu de Quimera e Fortunato já se mortificava ante a perspectiva de mais uma noite perdida em casas de apostas e mesas de pôquer. Chegou até mesmo a dormir no banco de cimento diante do portão do casarão, onde sempre esperava seu pai. Mas naquela noite ele não apareceu. E tampouco apareceu na noite seguinte e sequer mandou algum recado para explicar suas ausências nas noites e noites seguintes. Fortunato, sempre obediente, não deixou de esperá-lo, noite após noite, diante do casarão. Sua mãe, compadecida e sempre em silêncio, aparecia de tempos em tempos com um prato de comida, um cobertor para as noites frias e depois de algumas semanas, quando percebera que o filho passara a dormir a madrugada toda ao relento, trouxera-lhe um de seus filtros dos sonhos, para lhe proteger a noite.

Passados três ou quatro meses de espera ininterrupta, certa noite o menino foi novamente surpreendido pela figura da mãe, que de camisola branca e com uma vela na mão, apareceu diante dele, que já dormitava no banco de pedra, ao relento, e pronunciou solene "Já não se ouve mais nada. Ela também se foi". Fortunato olhou para mãe confuso, sem saber se estava acordado ou ainda dormindo, mas logo deu-se conta de que tudo estava num absoluto silêncio, um silêncio inaudito, como há anos não se fazia. Já não se escutava mais os incompreensíveis murmúrios da viúva Noêmia. No quartinho dos fundos, apenas as chamas de velas pela metade e o olhar penetrante de vinte e cinco animais que agora poderiam dormir tranquilos.

Muito se especulou sobre o sumiço repentino da viúva Noêmia. A reinauguração do silêncio não poderia passar incólume na pequena Quimera, já que os murmurosos lamentos da velha senhora podiam ser escutados até mesmo das cidades vizinhas, assim como se podia sentir de longe o cheiro nauseabundo de suas velas coloridas. Alguns afirmavam, e juravam certeza, de que tinham avistado a viúva Noêmia se esvanecendo como fumaça, pela chaminé nos fundos do casarão, até se perder entre as nuvens mais distantes do céu noturno. Outros juravam que tinham visto Noêmia em uma praia do Marrocos, comprando tapetes e outras quinquilharias junto a um bem apessoado senhor, que muito parecia ser o pai de Fortunato Dias de Ventura. Nada disso, porém, conseguiu alterar a rotina de Fortunato, que noite após noite, sempre no mesmo horário, se punha diligente diante do portão de ferro para esperar atento o seu tão demoroso pai.

O tempo fizera do casarão um prédio decrépito e cinzento. A despeito da imensidão da casa e do pó que se acumulava nos móveis, a ponto de não ser mais possível vê-los, a mãe se recusara a ceder às pressões da especulação imobiliária. Em todos aqueles anos, após o sumiço do marido e da viúva Noêmia, sempre a atormentavam com milionárias propostas de compra do antigo imóvel, para construir em seu lugar um gigantesco shopping center, o arauto da modernidade que teimava  em contaminar a pequena Quimera. Os anos haviam passado e a sorte de Fortunato Dias de Ventura há tempos que não dava mostra de sua portentosa presença.  Há anos que ele não entrava em casa, temeroso de que o pai podia aparecer em algum momento de descuido, para se valer uma vez mais de sua prodigiosa sorte. A Sra. Lenora, mesmo com o alivio que sentia pela ausência do marido, passou a dormir ela também todas as noites ao relento, ao lado de Fortunato, o acompanhando naquela espera, revezando com o filho os momentos de sono e vigília. Certa vez, enquanto Fortunato dormia com a cabeça em seu colo, reparou que pela primeira vez na vida se sentia cansada. Olhou para as mãos, com a atenção que nunca costumava olhar, e notou que tinham lhe aparecido manchas marrons e veias calibrosas, que a vida sempre tão agitada e envolta no mais rigoroso trabalho, a tinha impedido de perceber. Ela envelhecera. Olhou também para as mãos do filho, para seus dedos magros de unhas encravadas e lembrou-se do menino de dedos roliços que apontavam certeiros para sorvetes de palitos premiados. Ele também envelhecera. Estavam velhos e sós, em uma cidade que não mais lhes pertencia. Eram somente os dois naquele imenso casarão abandonado, cercado por filtros dos sonhos e lembranças. Foi quando Lenora recordou-se da única boa ideia que seu desprezível marido um dia já teve na vida, que foi a de guardar como lembrança o último dos palitos premiados, na época em que o pequeno Fortunato Dias de Ventura passou a se desinteressar por sorvetes.

Na manhã seguinte, ainda antes do sol aparecer por inteiro no céu de Quimera, Fortunato Dias de Ventura despertou com o toque suave de sua mãe em seus cabelos ralos e grisalhos. Nem bem Fortunato a olhou e já compreendeu tudo. A Sra. Lenora lhe disse de forma terminante, sem margem para contestações "Vamos, venha comigo. Ele já não voltará mais". Fortunato a olhou sério, tão fundo como jamais a tinha olhado, e nem por um segundo pôs em dúvida as palavras da mãe. Reparou que ela trazia o velho palito premiado nas mãos. A sorte é que essa era uma daquelas promoções que existem desde sempre, que todo mundo conhece e que nunca, absolutamente nunca acabam. E foi por isso, que mesmo quarenta e tantos anos depois, que Fortunato Dias de Ventura pôde entrar novamente em uma sorveteria, ao lado de sua mãe, para trocar um palito premiado por um sorvete. O já alquebrado Sr. Fortunato  hesitou um pouco diante da geladeira de picolés, com sabores ainda mais açucarados que os de sua infância, e resolveu não titubear muito, dando apenas vazão a sua antiga intuição. Escolheu o seu favorito, o de groselha, e saiu com sua velha mãe em direção à praça, onde sentaram no mais absoluto silêncio para tomar sorvete e mais nada, destreinados que estavam da prática do diálogo. Foi então, passadas algumas bocadas, dadas com cautela já que os dentes de Fortunato já não suportavam mais aquelas baixas temperaturas, que ele pôde ver incrédulo, que nenhuma letra havia impressa naquele palito totalmente desprovido de sorte, adornado apenas pelo logotipo da centenária fábrica de sorvetes de Quimera. A mãe não se assombrou. Pelo contrário, sem dizer uma só palavra, mas com o olhar que tudo evidencia, parecia já saber desde sempre que nada daquilo importava. Foi então que Fortunato Dias de Ventura olhou fundo nos olhos da mãe e se lembrou de tudo, de sua presença muda, porém tenaz, absolutamente eterna, até mesmo nos atos menos venturosos de sua vida. Foi quando teve a certeza, como jamais tivera antes, de que tinha realmente uma sorte prodigiosa.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Quando o ano começa

Poucas coisas deixavam Edivaldo mais irritado do que dizer que o ano só começa depois do carnaval. E o que ele fazia desde o começo do ano, era o que?

Sua vida era entre Corinthians e Palmeiras. Da estação Itaquera para a Barra Funda e vice-versa, inúmeras vezes. Aprendeu e desenvolveu técnicas que compartilhava com os companheiros de trabalho.

“Olha a bala docinha, que de amarga já basta a vida! Minha nossa, uma atriz de cinema resolveu pegar o metrô hoje; vai uma bala, princesa? Pessoal, eu estou desempregado, preciso sustentar meus filhos, pagar o aluguel, estou aqui vendendo bala com toda dignidade.” Às vezes cansava e apenas distribuía os pacotinhos de bala pelos colos fatigados e voltava recolhendo.

Todos os dias aparecia algum inocente querendo ajudar. “Tem que ir na linha amarela, lá o pessoal é cheio da grana!”. Isso. Cheio da grana e cheio de urubu, doidos para confiscar a mercadoria.

Isso era outra coisa que deixava Edivaldo puto. Se conformava com os olhares de censura, desprezo, até nojo que algumas pessoas lançavam, mas precisava denunciar seu trabalho para os urubus? Vira e mexe tinha que fugir para não perder a mercadoria, que dava um lucro tão pequeno.

Um fim de semana antes do carnaval resolveu que nem ia trabalhar. Não valia a pena. Melhor pegar o metrô só para comprar mais balas do fornecedor e sair para vender só durante a semana, que era mais lucrativo.

Ficou surpreso. Quanto mais se aproximava do centro, mais o metrô enchia. Festa estranha, gente esquisita, gliter, tiara de unicórnio, homens com roupa de mulher e uma gritaria danada nas estações. Bando de hipócritas que não têm o que fazer, pensou. Se ele gritava para vender as balas todo mundo denunciava, agora ficavam lá gritando por nada.

Na volta foi ainda pior. Com a mochila pesada, carregada com mercadoria para vender durante a semana, tinha que driblar toda a playboyzada festejando sabe-se lá o quê. Achou que tivesse tirado a sorte grande ao entrar no vagão e ver um banco vazio. A viagem era longa e a carga que carregava era bem pesada.

Doce ilusão. O banco não estava vazio, mas ocupado por uma poça de vômito. Contra isso não havia denúncia. Não era crime emporcalhar o metrô, o que não podia era trabalhar dentro do vagão.

De repente Edivaldo teve a grande ideia, que brotou daquela poça de vômito amarelado, com grumos vermelhos, de uma daquelas pessoas descentes que denunciavam seu trabalho. Aproveitou a mochila lotada, pegou um pacote e começou.

“Olha a bala docinha pra tirar o gosto ruim da boca! Aqui tem glicose para evitar a ressaca! Olha a bala pra dar um beijo docinho na gata!”

Edivaldo nunca vendeu tanto em tão pouco tempo. Nem os urubus, preocupados com as brigas dos bêbados, incomodaram. Exagero dizer que o ano só começa depois do carnaval, mas no fim até que deu uma boa ajuda.

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Diário dos ventos #1

Sabe, estamos sempre por um triz... 

Quando andamos pelas trilhas do mundo real notamos que a estabilidade é uma mentira contada pelos nossos pais, por isso tenho aprendido a me equilibrar, cair e levantar. Esse jeito de encarar a vida também abriu um caminho rumo à própria liberdade.

Então, por hoje esqueci aqueles planos de ser feliz pra vida inteira, o que a vida oferece é o agora, real, intenso e finito. É foda, não está fácil, às vezes eu acordo como se tivesse levado uma surra e pergunto aos ventos: E agora, o que mais? Torço para me levantar e não ser surpreendido com uma arma na cabeça como naquele inverno do ano passado, ou aquele súbito desmaio no penhasco em que um desconhecido me salvou de rolar morro abaixo rumo ao mar. 
As coisas saem do nosso controle, não sei como podemos lidar com tudo isso, sei que o único remédio pra encarar a vida e a morte ainda é viver. Pequenos prazeres me fazem perceber que ainda há muita coisa boa pra pensar do que só na dor, na derrota, nos obstáculos, no amor... É, foda-se o amor! Pessoas que um dia disseram me amar passam do meu lado e fingem nem me conhecer. Antes isso me magoava, agora sei que realmente não nos conhecemos mais. Hoje ao invés de dizer te amo, eu amo mais, pronto!
Choices 

É estranho mas aquele medo de falhar, de não ter dito e feito as coisas certas foi sumindo aos poucos quando percebi que a vida era um amontoado de erros e alguns acertos, a vitória é só uma exceção. Vivemos em um mundo que para um vencer outros cem tem de perder, é uma merda. Apesar de tudo, continuo me aventurando pelas trilhas do universo, incertas, difíceis, e misteriosas. Não sei tudo que ainda vou passar, sei que tudo vai passar.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

a insustentável dureza (ops - leveza) do ser

Acabei de assistir no youtube o pronunciamento sobre a reforma da previdência do qual o Silvio Santos e presidente interino se esforçam para convencer o público de que a reforma da previdência é imprescindível.

O discurso está numa linguagem popular e os bons velhinhos capitalistas fazem uso de jargões religiosos (pensamento maléfico, pensamento positivo) e domésticos (colocar azeitona na empada) para convencer-nos da necessidade para eles de reformar a previdência.

O argumento principal do discurso se não aprovar a reforma da previdência não existirá dinheiro para pagar os aposentados. E assim ocorrerá como noutros países de não ter dinheiro para os aposentados.



Fico com dúvidas sobre essas afirmações dos bons velhinhos capitalistas Silvio, Temer, Marinhos e etc, nunca sei se o estado burguês está prestes a ruir ou quer deixar de existir ou deseja promover a guerra civil entre povo e instituições.

O que aconteceria se de repente o estado deixasse de pagar os aposentados? Qual seria a reação dessas pessoas? Como foi e está sendo a reação das pessoas de outros países quando aconteceu de acordar e não ter dinheiro para comprar comida, pagar contas e etc?

Quando calamidades orçamentárias batem a porta qual é a melhor opção para que guerras civis não aconteçam?

 1-Exigir que empresas devedoras da previdência paguem/quitem as contas com estado.

 2- Cortar recursos para empresas que não conseguem se manter/fechar as contas sem dívidas. E daí entender se o setor privado não consegue lidar com fechamento das suas contas porque então privatizar o que é público?

3-Não fazer a reforma da previdência.

E se porventura em último caso se necessária de fato que tal fazer a reforma para todos, então que sejam incluídos (militares, políticos e judiciário) pois assim todos entram na guerra e o estado burguês e canalha sucumbe de uma vez.

Depositar essa conta nas costas dos trabalhadores usando os bons velhinhos ricos dentre eles donos de emissoras e empresas que devem a previdência está fácil quero ver apresentar a conta para todos pagar e ainda sim sair ileso da situação.

Perdemos o fôlego do Fora Temer. O Fora Temer tinha muitos significados tanto para direita quanto esquerda. A parte que mais interessou foi da possibilidade de desarticular as reformas com Fora Temer e Greve Geral. Não aconteceu.

Desde ano passado as atenções se voltaram para eleições entre defender candidatura do Lula e decidir eleição entre PSDB e PT com espaços para MDB sigla na ditadura civil militar/PMDB se articular e ficar na sombra das negociações do estado.

Os movimentos sociais estão apoiando o que resta da esquerda e infelizmente não é uma escolha. Porque não temos um movimento autônomo e de auto-gestão que possa contemplar todas as pautas, moradia, saúde, mobilidade, cultura, educação e etc. Mas isso seria a revolução.

E revolução é desobediência civil.

E infelizmente a desobediência é para quando há interesses difusos e individuais. 

O resultado disso chega no dia a dia. Hoje foi com esta declaração da ministra aqui , uma amostra do que é o fortalecimento de uma classe logo após aprovada uma reforma, neste caso trabalhista.

Ah falta um mês para aprovar a reforma da previdência.

Também poucos dias para o carnaval, pra mim está sempre bom é melhor dançar do que sofrer por antecedência.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

O vão entre o trem e a plataforma

Eram só ele e ela no último dos trens noturnos com destino à Luz. Subiram no Butantã. Ele e ela no mesmo vagão. Ambos só desceriam no final. Ele perguntaria as horas, ela responderia. Ela perguntaria o nome, ele responderia. Para emendar, ele perguntaria o dela. Falariam da lentidão do veículo, do frio do ar condicionado, da sorte que tinham por terem conseguido pegar o último trem. Antes de chegar na Paulista, já saberiam onde um e outro moravam e o que gostavam de fazer nas tardes de domingo. Quando estivessem na República e o auto-falante anunciasse que a próxima era a última estação e que por gentileza desembarcassem todos, já teriam trocado os telefones e combinado algo para o fim de semana seguinte. Na Luz, se despediriam com um beijo no rosto e com a promessa de mais conversas como aquela. Próximo domingo, ela diria. Próximo domingo, ele diria. Formariam um belo casal, desses que a gente não imagina separado. Teriam filhos. Dois. Um casal de gêmeos lindos. Teriam feito tudo e talvez até um pouco mais, mas antes mesmo de Pinheiros, ela tombou a cabeça sobre o vidro e se perdeu distraída lendo as placas de publicidade. Teriam feito tudo e talvez até um pouco mais, mas assim que sentou no banco e ajeitou as pernas, ele levou mecanicamente a mão ao bolso e pegou seu telefone. Foi jogando cartas no aparelho durante todo o trajeto para não sentir o tempo passar. Ao chegar na Luz, cada um saiu por uma porta. Ela virou para a direita. Ele virou para a esquerda. Nunca se lembrarão de nada disso.

domingo, 21 de janeiro de 2018

À DERIVA

Queria falar das cores alegres, as mais vivas que lhe vinham à mente, mas de nada adiantava.
O cinza e as cores mais escuras predominavam.
Queria falar da alegria dos raios solares, do canto dos pássaros ao longe, do som das ondas batendo no casco. Mas de nada adiantava.
O vento frio que vinha do Sul ainda o fazia tilintar os dentes.
Queria falar de tanta coisa, mas as coisas é que falavam dele.
Meses já haviam passado, mas era como se tivesse sido ontem.  E não tinha com quem compartilhar tamanha frustração. O rádio havia muito não funcionava. Nem pombo-correio poderia se dar ao luxo de usar. Não. Eles não chegavam ali.

Sensação horrível de se estar à deriva, sem sinal de terra firme, de não ter onde se agarrar.
Pensava que, àquela altura, já deveria ter chegado. Já deveria estar com ela, mas não.
E agora, nem certeza de que era esperado tinha mais. Tudo sumiu como fumaça.

Resolveu então escrever.

Aquela caligrafia horrível.
Por causa da digitação que era super rápida, segurar numa caneta já não era mais o seu forte. Mesmo assim, ousou tentar.

O quê dizer? Com quem falar?

Ninguém iria ler. Provavelmente, ninguém veria aquele escrito.

Mesmo assim, ousou escrever.

“Errei o caminho. Tentei acertar. Não consegui. Não sei se vou chegar. Mas se chegar, tudo estará diferente. Já não estarão mais esperando. Não posso culpa-los. Uma pena. Tudo poderia ter sido diferente se chegasse no tempo certo. Mas não foi assim que aconteceu. Espero que estejam bem. Em mim, dói a saudade. Que pretendo matar quando chegar. Mesmo estando diferente, e encontrando não mais as pessoas que deixei, mas as pessoas nas quais vocês se tornaram. A vida é assim. Somos como as estrelas. Muitas vezes, o brilho que vemos, é o passado. O presente pode ser bem diferente. Mas ainda assim, não podemos esquecer de olhar para o horizonte. Onde as estrelas brilham. Lá, bem longe, enquanto umas morrem, outras nascem. Nascem para ocupar o lugar daquelas que se foram. Mas que jamais serão esquecidas.”

sábado, 20 de janeiro de 2018

Feliz 2018?

  • Bom dia, seu Agenor! Feliz ano novo! Muita saúde, paz, prosperidade para o senhor e para sua família, que 2018 traga muitas realizações, muito dinheiro e muitas alegrias!
  • Hum. Igualmente.
  • Mais um ano de trabalho, né, seu Agenor. Esse promete!
  • Que nada. Começou mal.
  • Por que, seu Agenor?
  • Já viu o tanto de feriado que tem nesse ano? Sem contar a tal da Copa, que acaba virando folga coletiva.
  • Ainda bem!
  • Como?
  • Ah, eh... "o que é que tem", seu Agenor?
  • Tem que a produção despenca, a economia encolhe, os números baixam! OS NÚMEROS!
  • Verdade. Mas pelo menos dá para viajar um pouquinho, encontrar os amigos pra ver os jogos em algum barzinho, né, seu Agenor.
  • E isso aqui é agência de viagens? Você vende cerveja pra ganhar a vida?
  • Não, seu Agenor, é que eu pensei que...
  • Pensando, de novo? Você não é pago para pensar. Vai, para de enrolar.
  • Seu Agenor?
  • Que é?
  • Nada, vai...

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

É melhor investir em imóveis do que em relacionamentos

Desde pequena sou observadora, mas tudo na vida que é uma benção também é uma maldição. Observo tanto que acabo vendo coisas que não gosto e me deixam triste. E além disso tenho uma memória excelente, lembro de tudo, de datas, nomes, momentos.

De repente cismo com alguma coisa e começo a observar. Já faz muito tempo que venho reparando algumas coisas em casais amigos. Instintivamente, mesmo novinha, sempre achei que isso de casamento, de dividir vida, era uma coisa meio sufocante, eu sentia isso, mas não conseguia explicar o porquê.


Tenho lido muito sobre a questão do papel da mulher em uma sociedade machista e percebo como muitas das minhas crenças eram errôneas e talvez eu sentisse isso no fundo da alma, que alguma parte discurso estava errada, e eu  tentava reagir. Lembro muito de sempre ter escutado uma frase ''para os homens o amor é um capítulo, para as mulheres o livro inteiro''.


Em um patriarcado o que se espera das mulheres era que se jogassem no relacionamento, se entreguem por completo e vivam em função do homem. Mesmo no século 21 vejo em algumas amigas mais disposição para viver a história de amor do que os homens. Eles juram mais, mas na prática quem compra a questão inteira é a mulher, ela vira uma parceira automaticamente, enquanto eles vão encostando.


O tempo passa e amigos que eu vi casar há alguns anos começam a dar sinais de desgaste. Tudo na vida um dia acaba, o problema é quando essa coisa se arrasta meses e faz todos sofrerem.


De tanto observar comecei a perceber o seguinte, vale muito a pena investir em si mesmo, seja estudando, seja fazendo alguma coisa que traga prazer. Também vale a pena investir em imóveis e nos filhos, tem alguma coisa ali de amor incondicional. Mas fora isso, investir em um relacionamento é a maior roubada que a pessoa pode fazer, é como guardar dinheiro embaixo do colchão, depois de anos resolvem usar o dinheiro e ele não vale mais nada, porque são notas antigas.


O outro, a outra, são areias movediças e o que se pode construir em terrenos assim? Nada. O ser humano não é confiável e não é mais tão seguro quanto um dia pareceu ser. Hoje as coisas se movimentam diferente e as pessoas se sentem livres para procurar o que tem vontade de fazer, sem amarras. Isso é muito bom, mas quem investe em um relacionamento tem todas as chances de se dar mal, porque não pode prever as reações alheias.


Vi amigas que investiram pesado em relacionamentos se esfolando vivas. Quantas coisas a gente investe em nós mesmos e não dá em nada? Imagina no outro, esse ser que não conhecemos.


Bom mesmo seria viver o amor, a paixão livremente, sem investir nada além do mínimo, sem sacrifícios e discussões que não levam a nada, deu certo, então vai em frente, emperrou, sai fora, mas não invista.


Não só amigas vi morrer na praia, também as mulheres da minha família. De geração anterior se dedicaram a trabalhar, cuidar dos filhos e incentivar o benhê, esse amor que com o tempo vira encosto. Não receberam nada por isso, pelo investimento no seu amor, pelo contrário, foram abusadas e exploradas até a última gota.


Quando estamos com alguém não damos só nosso amor, também vai a energia, o tempo, muitas vezes o dinheiro, e outras coisas, tudo isso deve ser colocado em um papel e se perguntar se vale a pena investir tanto em alguém e qual será o retorno.


Sempre que escrevo isso alguém vem me dizer que eu sou fria, porque pessoas quando se apaixonam são felizes, a vida é sobre isso. Ah, é mesmo? Bom saber, porque pior do que o amor é o tempo, esse sim devasta tudo e te joga na cara todas as bobagens que você fez. Se eu sei que não vale a pena investir em um relacionamento é porque já perdi alguma coisa e me vi obrigada a fazer as contas e perceber que investir em pessoas sempre dá prejuízo.


Acho ótimo amar, beijar, ficar, se apaixonar, tudo isso é bom demais, mas conheço o prejuízo do dia seguinte, que pode custar anos para a pessoa se recuperar. Por isso quem quiser investir no seu amor tem que ter espírito de monge tibetano, uma coisa desapegada mesmo, então a pessoa investe e não sofre ao perder tudo. Mas eu não sou monge, nem tibetana, sou virginiana e pão dura, não me interessam investimentos que não vão me dar retorno e ainda por cima dão prejuízo.


Meu avô no seu machismo sempre dizia:


-As mulheres nem todo o ouro, nem todo o amor.

Em uma versão atualizada gosto mais de pensar -''As pessoas nem todo o ouro, nem todo o amor''. Precaver não mata ninguém. E tudo que pensamos ser digno da nossa atenção e amor, pode não ser. Mas quem vai cuidar dos nossos investimentos? Nós. E se não prestamos atenção nisso quem vai pagar o erro somos nós.

Iara De Dupont

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Do alto de minha ignorância assisto a documentários

Sabe, não tinha com quem comentar, então te pedi para conversarmos sobre. Tudo bem, você não assistiu, mas, em minha cabeça, você é uma das únicas pessoas capazes de entender minhas reflexões, que não servem de nada na vida prática. Então eu te peço que assista a três horas sobre a vida de uma escritora americana da década de 1970, mesmo sabendo que nunca vai ler porcaria nenhuma da obra dela. Quando me chama para conversar e pergunta o que achei, não sei responder. Você precisa de alguém com quem conversar sobre documentários, e não sou eu.

P.S.: não deixem de assistir a "Joan Didion: the center will not hold", um primor, apesar de nossa ignorância.

Photograph by Julian Wasser.