sábado, 29 de janeiro de 2011

A história do grão-de-bico ou A cozinheira


Em fevereiro comemoro um ano de aventuras culinárias. Não, eu não sei cozinhar. Estou em fase (ainda) de aprendizagem. Árdua confesso, difícil admito, sofrida, louca e às vezes desesperada aventura de cozinhar. Nunca tive a sorte de aprender só de olhar a mãe fazer, no caso, como aconteceu com meu irmão. Impressionante como o puto cozinha bem. Ele pode fazer miojo ou virado a paulista, que simplesmente fica uma delícia. De lamber os beiços e as mãos. Meu irmão tem o dom. E não é mero acaso. Creio que herdou do pai ou dos tios ou tias ou mãe.

Meu pai foi de tudo um pouco. Dentre várias atribuições e experiências, chefe de cozinha. Trabalhou durante um bom tempo em restaurantes de Sampa, mas necessariamente na Liberdade e Centrão. Às vezes em dois, ou três de final de semana. Raramente ele cozinhava em casa, minha mãe achava injusto, a boa amélia, tinha por hábito não deixá-lo fazer absolutamente nada. Mesmo trabalhando em dois empregos, sentia prazer em cozinhar, relaxante, um pouco de Julie & Julia, no caso dela. Para o pai, era trabalho.

Raro mas acontecia de um e outro final de semana de folga, trocarem de cena. Ela simplesmente adorava vê-lo cozinhar. Primeiro porque cozinhava todos os dias e lhe quebrava a rotina, além de experimentar as receitas novas que ele aprendia no restaurante. Receitas deliciosas, como: lombo recheado; virado a paulista [aquele bem gostoso]; peixada [das boas,de toda natureza de peixe que possa sonhar]; bacalhau com batatas e rodelas de cebola; feijoada [encorpada e deliciosa], saladas de todo tipo, além de massas em geral. Ah, aquela lasanha maravilhosa! Enfim,varias receitas e pratos que não lembro nomes, citei o que me apetece.

Cheguei no ponto crucial. Meu irmão aprendeu por vontade e não necessidade. Nunca percebemos que rodeava minha mãe na cozinha, muito atento, fazendo perguntas e mexendo nas panelas,por interesse em cozinhar. Aprendeu assim, fácil, fácil. Na contramão eu, que detesto cheiro de alho, de cebola, verdadeiro asco. Estou na luta em aprender por necessidade, sobrevivência mesmo. O que dificulta e muito a aprendizagem.Sempre muito desastrada, como bem diz meu irmão "- não sabe nem pegar na colher de pau!" rsrs. Para minha raiva, estresse e "humilhação". Deixo cair os temperos, corto os legumes errado, acrescentando o sangue ao molho, carne , cansei de cortar o dedo. E maior de todos os males, queimar tudo!

No ano de 2010 foram incontáveis almoço e janta queimados. Porque viver de miojo e lanche ninguém aguenta. Haja grana para restaurante, o jeito é tentar. Tentei. Conto morrendo de vergonha, porque infelizmente não é invenção.Pois bem, foi assim...

Domingo de sol, acordando lá pelas 11 e tantas da manhã, sem vontade de tomar café, e olha que eu amo café, é vício maldito e desgraçado que me ataca a gastrite vezenquando. Continua... Acordei com vontade de comer grão-de-bico. Para aqueles que não conhecem, não sabem e nunca viram, grão-de-bico é um legume. Sim, legume! Não é comida de passarinho, mas poderia ser. É cheio de proteínas, sais minerais e vitaminas do complexo B, do ponto de vista nutricional é otimo a saúde. Além de ser bem gostoso. Pode ser cozido, ou feito como salada, ou misturado com arroz feito baião de dois, ou como bem queira, vai do gosto.

Eu particularmente gosto do jeito que minha mãe faz, assim: cozido em panela de pressão com bastante caldo, cheio de linguiça, batatas e bacon,[ hum adoro bacon ], e salsinha por cima por favor! E acompanhado apenas de arroz. A maioria frita costela e faz refogado de couve, eu gosto apenas com arroz. E como de baciada se deixar. É eu ando uma verdadeira Magali. pausa por favor [ hahahahahahahhahahahahahahhaha ].

Então, acordei com essa vontade louca que me dá agora ao escrever. Fui ao mercado e comprei tudo e quase morri quando passei no caixa e percebi como é caro grão-de-bico, mais que o feijão, comprei mesmo voltando dura para casa. Liguei pra mãe, pedi instruções, anotei no caderninho e bora pra cozinha. De bom humor, mamis diz: sempre bom estar bem para cozinhar [ ! ou ? ].Tomei banho, devido o calor infernal, coloquei musica, Tom Jobim e Elis e comecei. Fiz o arroz, e já comecei errado, se nem o grão estava cozido, porque diabos fiz o arroz-papa primeiro (?), essa nem eu entendi. Talvez, justifique a pressa, a fome, estômago grudado nas costas só beliscando alguma coisinha.

Para cozinhar o grão tem que deixar no minímo 1 hora e meia de molho, deixei. E coloquei na pressão. Quarenta minutos depois, abro panela e nada, 1 hora e 40 minutos depois..., abro a panela e nada. Mas lembrei na hora que minha mãe ressaltou que demora mesmo a cozinhar. Tá, então fazer o quê? Espero na sala, levo um biscoito e assisto alguma coisa. Até cozinhar...

Esse foi o erro, estava com tanta fome que dormi. Sim a louca aqui dormiu. Mas exatamente 3, eu disse três, helooo motorola três, 3 malditas horas depois eu acordo, em meio a nuvens. Pronto! Morri e cheguei ao céu! Não, para minha desgraça e desgosto, não! O cheiro de queimado era insuportável, quando dei por mim, pulei do sofá e corri desesperada pra cozinha tentando espalhar a fumaça com pernas tremulas e bambas chego na cozinha, a panela de pressão a ponto de explodir, mesmo em fogo baixo, capengando. De repente o pino sai e pá!!! Explodiu no teto, e por muito, muito, muito pouco, não aconteci uma desgraça. Desliguei o fogo e fiquei longe da panela, abrindo as janelas da cozinha, da sala, dos quartos, do banheiro, e a fumaça saindo...lentamente a desgraçada saia... Juro que não conseguia enxergar os moveis, de tanta fumaça! Nuvens de fumaça...

O cheiro pela casa era de borracha queimada. E pra limpar? E pra sair aquele cheiro? Meu Deus, eu nunca mais esqueço da fumaça. E quando eu penso - bom, eu estou sozinha, meu irmão trabalhando, minha mãe longe, menos mal. Ninguém ficará sabendo. Quando a desgraça aconteci, é por inteiro, nem dois minutos depois do ocorrido, toca a campainha.

"- oi dona Ana! tudo bem! " [ cara de preocupação, pavor,pasmo! ]
"- oi seu Damião, tudo bem?! e o senhor?" [ cara de cínica ]
"- tudo bem graças a Deus... então sabe o que é, percebemos no prédio o cheiro de fumaça, saindo pelos corredores, chegando até o 9º andar e ficamos preocupados...mais um pouco estávamos chamando o corpo de bombeiro, está tudo bem? A senhora está bem? Aconteceu alguma coisa? Problema na fiação e tal e tal...posso ajudar? "

Pensa em alguém com muita vontade de chorar. Eu mal tinha "chegado", nova no prédio e estava causando.Logo eu que prezo tanto pessoas discretas e até me julgo ser uma. Agora todo mundo ficará sabendo, fiquei com muita vontade de chorar...mesmo assim respondi:

"- ah, tá tudo bem seu Damião, é que eu queimei o grão-de-bico. [ ! ] é...mas assim, não conta pra ninguém não! "
silêncio de segundos, para meu desespero.
"- ah não se preocupe, isso aconteci ?! ok, tchau , desculpe incomodá-la."
"- foi nada, desculpas peço eu pelo transtorno..."

Tá, ele fez uma cara de interrogação e piada. Saiu com risadinha de canto. Mas juro que achei que nada sairia dali. No dia seguinte... às 08:00 da manhã, saio pra trabalhar, no elevador, uma senhora distinta e cheirosa de cabelos loiros me pergunta.

"- oi você não é a moça do apto 33? "
"- sou, sim e a senhora? "
"- do 42. não foi com você que aconteceu o acidente do grão-de-bico? ficamos tão preocupados menina, porque era tanta fumaça..."
"- é...foi comigo " [ cara de paisagem, choro, vergonha...]

A noite, quando chego em casa, meu irmão olha pra mim com cara de cretino e diz:
"- como você conseguiu fazer isso? Quase explodir a casa?" E riso, muitos risos. Não. Na verdade gargalhadas, dele claro! No dia seguinte... minha mãe, meus tios, minhas tias, meus primos, os colegas dele e até meu pai que mora lá no fiofó das parafuzetas. E semanas depois os vizinhos ainda me perguntavam, se estava bem. Do corredor? Não! Dos blocos.

É... eu fiquei conhecida no prédio, blocos, como "a moça que queimou, tostou o grão-de-bico". Para meu desgosto e desalento como "A cozinheira" na família, claro em tom de deboche, sarro, piada e eteceteras. Ok, aconteci. Não com qualquer pessoa, sempre comigo, sou premiada. Mas eu não desisto nunca!

E recentemente, obtive grande sucesso ao fazer costela, num domingo parecido ao grão-de-bico. Mas sem fumação e queimado. E desculpe a arrogância em dizer, mas ficou uma delícia!!! E ver a cara do meu irmão ao admitir que ficou gostoso e mais a namorada dele, não tem preço! Que prazer inenarrável ! Essa é outra história... admito alguns desastres. Claro ! Se não tiver unzinhos, não é eu.

[ :) ]

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A única pessoa livre, realmente livre, é a que não tem medo do ridículo.

Trabalho nisso a um tempão. Desde que essa frase saiu para mim naquela (por vezes bizarra) Sorte do Dia do Orkut. É sério! Não vejo isso sempre, mas, ó, esse dia me rendeu um novo olhar sobre tudo que se passa aqui.

Sou tímida. Sou mesmo. Tímida por natureza, não me relaciono bem a priori, mas vou melhorando ao longo do tempo (que por vezes não passa de 5 minutos). Tenho medo das pessoas que julgo serem mais “importantes” (oi?) e das que exercem algum tipo de poder sobre mim. Não consigo ser natural. Travo completamente.

Independente disso, em situações alheias a essas, nunca liguei pro bom senso do cidadão-do-bem. Nunquinha.

Já saí de pantufa na rua, andei descalça no colégio, fui de maria-chiquinha no campeonato de vôlei, saí à noite de pijama. Já dei risada alta no shopping, inventei apelido pros outros, espirrei muito alto (bem, isso sempre), ando cantando na rua e pronto. É logo que vem a pergunta “como você tem coragem?”. Coragem? Coragem do que? De não me privar das coisas que tenho vontade? E juro para você, nunca fiz isso para aparecer não (tá, talvez lá com meus 12 anos isso fosse - bastante – possível!). Mas eu não entendo o porquê dessa censura toda. Vergonha da aceitação dos outros, vergonha do que vão pensar. Nunca perdi amizade por isso, bem bem beeem pelo contrário, amigos.

Engraçado que esse veto autoral converge diversas outras situações. Umas das que tenho ojeriza é a tal da pedância. Não consigo fingir gostar de uma coisa para parecer legal. Troco facilmente um “bom” Jazz por um Backstreet Boys. E não tenho vergonha alguma de assumir isso! Troco, assim, tranquilamente, uma Piauí por uma, sei lá, Capricho?! Se for para me divertir, se é minha vontade, isso para mim basta. Não finjo ser legal. E isso não me afasta da galera cool.

Eu sei para que servem as máscaras, mas tento me libertar delas a cada dia que passa. Claro que não é assim a coisa mais fácil do mundo. Claro que eu não falo pra todo mundo que tem dia que eu “esqueço” do banho. A sociedade (que também “esquece” da chuveirada) esquece também que cada um tem seu nariz para cuidar e tirar catota quando quiser. E você, bonitão, pare de rir daquele cara todo esquisitão que anda na rua do seu bairro cantando alto enquanto estala os dedos. Ele está mais feliz que você. Ele está fazendo o que quer. E sem pudor.














Ilustradora: Ana Oliveira


twitter: @tabataaa


quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Sommelier de Cerveja


Entre as 10 tendências para 2011 citadas pela agência JWT está o Sommelier de Cerveja.

E vc, continua tomando as mesmas cervejas? Nunca pensou em experimentar cervejas especiais?

Isso está mudando! Há lugares especializados em cervejas do mundo todo e o que é melhor. Dá para conversar com o Beer Sommelier e fazer o pedido de uma grande cerveja harmonizando com o prato.

Um dos lugares que dá para fazer isso é no Melograno em São Paulo.
Dá para pedir as dicas para o Edú Passarelli que é um dos primeiros beer sommelier do Brasil.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O milagre da multiplicação

Ó, leitor, respeitável público! Vós que me observais nu! Transcendente é o gozo ao ser ouvido, lido, sentido – qual a diferença?, é tudo comunhão.

Multiplicar-se. Qual o sentido de um ser vivo, se não este? Para isso acordamos, caçamos, comemos, amamos, lutamos, fugimos, fingimos. Nada fazemos, nada queremos além de espalhar nosso pólen no ar, bem aventuradas as flores. Mas não temos pétala. Polinizamos no cortejo, na cópula, contando histórias, construindo, ensinando, deixando memórias de uma existência frívola.

Ausentes as pétalas, uso palavras. Multiplico-me em letras. Vossa leitura me pulsa o sangue, preenche o vazio que, pudera, fosse ocupado pelo filho do amor que jamais tive.

Deixo palavras, filhas de minha esterilidade, ainda que fértil.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Naquele Quilômetro

“Ônibus fantasma encontrado na Rodovia Norte”

Na manhã de terça-feira (18) foi encontrado um ônibus de viagem da empresa Nortur, no acostamento. Curiosamente não havia passageiros e nem motorista, mas todos os pertences ainda estavam no local. A polícia da região investiga e não descarta um seqüestro coletivo. As famílias apreensivas fazem vigília.

Folha de Araucária, capa – 19.03.08


“Abdução na rodovia”

Na ultima terça-feira (18), o ônibus da empresa de turismo Nortur foi encontrado abandonado na estrada, sem motorista e sem passageiros, a polícia investiga um suposto seqüestro, mas para os moradores do Vale de Araucária, não há duvida. Eles foram ABDUZIDOS. É o que confirma Seu Valdeir fazendeiro da região, que diz ter visto uma movimentação estranha no céu na mesma noite...

Trecho do jornal O Diário, pág. 04 - 20.03.08


“Caso: Nortur”

Texto encontrado em notebook de um dos passageiros desaparecidos pode ter a resposta do ocorrido.

A polícia de Araucária analisa um texto encontrado em um notebook que estava no banheiro do ônibus. Passageiros e motorista continuam desaparecidos. Leia na íntegra com exclusividade o texto encontrado:

Jornal da Cidade, Caderno Cotidiano pág. 02 - 20.03.08


NAQUELE QUILÔMETRO

por Fernando Ferric

Existem momentos estranhos na vida, nesses momentos alguns sinais indicam o que está por vir. O problema é que nem sempre prestamos atenção neles, ou quando notamos já é muito tarde. Se eu tivesse prestado atenção em algumas coisas não estaria aqui, preso no banheiro de um ônibus de viagem, resistindo o quanto posso com as pernas apoiadas sobre a porta, enquanto digito provavelmente minha ultima lauda, espero que alguém encontre isso e que todos saibam o terrível destino que tivemos, porque sei que não sairei vivo daqui. Minhas pernas já estão fracas e não sei por quanto tempo vou resistir as investidas contra a porta. Eu os ouço perfeitamente, ofegantes, grunhindo sons assustadores. Não existe escapatória, todos que estavam comigo estão mortos. E não estávamos em poucos, um ônibus lotado de passageiros, éramos pelo menos quarenta. Não, quarenta e um! Não posso me esquecer do motorista, e seu sorriso peculiar, ao conferir minha passagem no embarque, mostrando a falta de um dos seus dentes.

- Poltrona trinta e nove? Perto do banheiro, rapaz você nunca viajou tantas horas, não é? Serão dezesseis horas, com duas paradas. Boa sorte!

Eu apenas retribui o sorriso, muito animador, saber que viajaria horas sentindo o cheiro de fezes de toda aquela gente. Quarenta passageiros, o que quer dizer que se ao menos vinte por cento fosse uma vez ao banheiro, já seriam no mínimo oito vezes em que eu sentiria odores desagradáveis durante o trajeto. Numa viagem de dezesseis horas, se pegarmos essas oito vezes, pelo menos uma em cada duas horas, seria com alguém defecando bem atrás de mim. E isso não era nada satisfatório. Não estranhem minha mania por contas, sempre as fiz, costumava desde pequeno fazer de todo tipo, mas meu vício maior era pegar números inteiros, e multiplicar pelo ultimo, este não fazendo parte da somatória. Não me perguntem o porquê, não saberia dizer.

Fiz diversas contas pelo caminho, placas de carro, indicação de quilometragem. Onde tinha número eu calculava. A viagem realmente era cansativa, mas por um bom motivo. Sempre tive vontade de conhecer as Grutas do Diabo numa cidade chamada Calinéias no norte do país, um lugar ainda pouco explorado, pouco habitado e muito, muito precário. Então aproveitei o pacote promocional e me arrisquei. Se não fosse o passageiro algumas poltronas à frente, com seu ronco perturbador, não seria também tão estressante. Pense num motor de geladeira, multiplique por cem e terá o barulho que passei juntamente com os outros, ouvindo durante horas. Aquele sujeito me lembrava um personagem de um antigo desenho: o senhor Urso. O ronco era idêntico.

Aquilo só não era mais enlouquecedor que minha vontade de fumar, meu corpo pedia nicotina, e a primeira parada parecia estar longe. Então o jeito foi ligar o mp3 e ouvir o bom e velho rock, eu havia preparado uma trilha especial para viagem, de Janis Joplin a U2. Peguei no sono, na verdade pequenos cochilos, acordava de tempo em tempo e dava uma olhadela na janela, já era madrugada e a esplêndida paisagem me distraía, árvores alinhadas simetricamente deixavam frestas iluminadas pelo luar de prata. O céu limpo, repleto de estrelas, coisas que um paulistano como eu não está acostumado a ver. Foi admirando as estrelas que cochilei novamente.

Acordei com a luz do ônibus, era a primeira parada. Finalmente pude matar minha louca vontade de fumar, além do cigarro tomei um café expresso quase sem açúcar. Poucos passageiros se dispuseram a enfrentar a madrugada gelada, acredito que apenas os fumantes mesmo. Quinze minutos depois e já estávamos cortando estrada adentro, se tudo ocorresse dentro do previsto às dez da manhã já estaríamos na cidade. Não via a hora de tomar um bom banho, fazer o desjejum e me aventurar pela trilha até as grutas. Mas ainda faltavam oito horas - quem dera elas fossem completadas - Não consigo recordar o horário, mas uma ou duas horas depois que saímos do Rodoserv, o ônibus encostou. Era muito cedo para uma segunda parada, então, porque diabos parávamos? Foi o que perguntou a senhora que estava na poltrona ao meu lado. Eu não sabia responder, mas temia pelo pior - algum problema no ônibus. Isso se confirmou quando o motorista apareceu no corredor dizendo que havia algo errado no motor. Pouco a pouco foram descendo os homens, eu fui um deles, admito que não muito interessado em ajudar, queria mesmo era fumar mais um cigarro.

O frio no meio do nada é realmente imponente, e mesmo com blusa tremia feito uma vara verde. Apesar de nunca ter visto uma vara verde tremer. Mas o cigarro ao menos aquecia meus pulmões. Enquanto fumava, ouvia os mais diversos palpites sobre o que acontecera ao motor. Depois de algumas tentativas frustradas do motorista, a má notícia: teríamos que esperar um ônibus reserva.

Mas, como se já não bastasse isso, ele também disse que não conseguia contatar a garagem pelo celular, aliás, ninguém conseguiu, nenhum aparelho apresentava sinal. Estávamos realmente ferrados naquele fim de mundo.

Havia se passado trinta, talvez quarenta minutos que ali estávamos e nada de passar algum carro. Foi quando um tiozinho que ao meu lado estava teve a brilhante idéia de caminhar pra procurar um orelhão na beira da estrada. O motorista disse que havia, mas não sabia precisar em que altura. O homem teve a idéia, mas não quis executá-la sozinho e para quem sobrou acompanhá-lo? Inferno! Teria que caminhar por aquela merda de estrada atrás de um telefone.

Enquanto partimos em busca da “salvação”, puxei papo com o velho, perguntando se ele também viajava para conhecer as grutas. Ele me disse que não, na verdade estava indo visitar um filho que era médico em um hospital da cidade próxima. O frio realmente perturbava e eu já havia fumado três cigarros durante o percurso, e nada... Nada de orelhão, posto de serviço, ou serviço de emergência. Realmente algumas regiões do Norte são muito precárias. Quando já pensávamos em voltar avistamos um ônibus encostado na mesma situação que o nosso. Fomos aproximando, pensando na coincidência de também ter outro ônibus quebrado na maldita rodovia. E quanto mais perto estávamos, mais aquela paisagem era familiar, primeiro as cores do veículo e quando chegamos realmente perto, a surpresa, pasmem... Era o nosso ônibus! Sim, nosso maldito e inútil ônibus. Confirmei pela placa DRU5602, eu já havia observado a placa, e já inclusive satisfeito meu TOC. Quinhentos e sessenta vezes dois? Mil cento e vinte.

Talvez o número de vezes que me perguntei como estávamos ali novamente, saímos em linha reta, não pegamos nenhum atalho. Era como se tivéssemos andado em círculo. Seu Arnaldo – caminhar a procura de ajuda me fez saber muito mais que seu nome - praguejava coçando a cabeça, sem entender o que acontecera. Olhava para mim tentando encontrar a resposta, e eu retribuía da mesma forma. Não tinha ninguém fora do ônibus, o frio afugentara a todos.

- Como vamos contar isso? Vão achar que estamos loucos. – disse ele ao se aproximar da porta.

Eu apenas balancei a cabeça enquanto tragava meu cigarro. Ele entrou primeiro enquanto eu terminava de fumar. Soltando pequenos e tortuosos círculos de fumaça enfeitando o céu escuro.

- PUTA QUE O PARIU! – gritou me fazendo quase engolir a bituca do cigarro

Entrei atordoado pelo susto, e não pude acreditar no que via, havia sangue por todo assoalho do ônibus, meus companheiros de viagem, ou melhor, o que restou deles, jogados entre os assentos e corredor. Um rapaz que trajava uma camisa do Cruzeiro - lembro ter brincado com ele pelo banheiro do Rodoserv dizendo: Meus pêsames por 98! - estava com apenas metade do seu corpo enfiado no compartimento para bagagens, não havia sinal de suas pernas... Uma cena dantesca!

Enquanto Seu Arnaldo tentava evitar que suas tripas saíssem pela boca, eu, pasmo, buscava uma explicação para tudo aquilo. O senhor roncador silenciara! Estava estirado da mesma forma que ficou durante toda a viagem, com a cabeça reclinada para cima com a boca escancarada e uma baba grossa que escorria pelo queixo, ziguezagueando pelo pescoço e molhando lentamente sua camisa florida que para minha surpresa e nojo estava com um enorme buraco na altura do abdômen, como se tivesse acabado de passar por uma cirurgia – acho que retiraram o motor de geladeira - pensei sarcasticamente. Parecia até que o ônibus tinha sofrido um acidente, tudo revirado, bolsas, blusas, cobertores misturados a sangue e restos do que antes eram viajantes do ônibus.

- Mas o que é is...

Disse espantado o velho Arnaldo, eu também não saberia responder. No bebedouro que havia ao final do corredor, duas pequenas criaturas se estapeavam para colocar a boca na torneira. Aproximei-me com cuidado seguido pelo velho.

- Minha nossa são alienígenas! – disse ele em voz alta

Nunca havia visto algo parecido, talvez em filmes de ficção, criaturas pequenas, avermelhadas, os braços finos e alongados eram maiores que as pernas. Olhos amarelados como de um felino, iluminados e vidrados em nossa direção.

Sim! Seu Arnaldo conseguiu chamar a atenção das duas pequenas criaturas como um soldado raso assoviando em campo inimigo durante uma infiltração, uma das criaturas soltou um grunhido ameaçador, enquanto a outra deslizou lentamente do bebedouro até a poltrona – sem tirar os olhos de nós dois.

- Dr-Droga! Eles va-vão nos mata-tar! – sussurrou Seu Arnaldo com dificuldade

- Não se mexa, eles podem estar assustados também. – respondi

- Assus-sus-ta-tados? Esses mo-monstros aca-cabaram de tirar as tri-tripas de todo mundo aqui. – disse ele com toda razão, apesar de não parecer que criaturas tão pequenas pudessem fazer tamanho estrago.

O estranho ser se aproximava cada vez mais, às vezes parecia rastejar, numa dança hipnótica como de uma serpente enquanto o outro nos fitava sem hesitar.

Eu estava inerte estudando a melhor forma de fugir da investida deles. Mas Seu Arnaldo já morto de medo não se conteve e deu um passo para trás, virou-se e tentou correr, eu estava a sua frente, mas o monstro pulou velozmente na direção dele, e não deu o bote sozinho, outras criaturas talvez atraídas com aquele grito que o bicho deu ao nos ver, como se dissesse – Ei, rapazes não vamos deixar a sobremesa, a carne parece macia e suculenta... E mais saudável que a do Senhor Urso ali da poltrona vinte e dois.

Eu não consegui contar, mas era no mínimo uma dezena deles, amontoados sobre o pobre velho. O medo dele foi o sinal para o ataque e eu não tinha muito tempo, pois seria o próximo, enquanto o homem se debatia sem conseguir se livrar eu pensava em correr, mas para sair do ônibus teria que passar aquela bola monstruosa que se formou em cima dele naquela altura já imobilizado, provavelmente morto. Foi então que me ocorreu que a única chance seria me trancar no banheiro. Mas para isso teria que driblar meu observador, aquele demônio miniatura não tirou os olhos de mim em nenhum momento, nem sequer foi banquetear com os órgãos do meu colega de viagem. Eu tinha que desviar a atenção dele de alguma forma, e tinha apenas um isqueiro e um maço de cigarros no bolso, coloquei a mão no bolso lentamente, enquanto ouvia os NHEC – NHAC – GLUSH daqueles vermes se fartando com os restos do velho Arnaldo. Segurei o isqueiro com força, e mirei a criatura - me lembrando talvez da época em que era um ótimo derrubador de latinhas com bolas de meia nas quermesses da igreja – É a última bola filho, você vai conseguir o carrinho se derrubar aquela lata, vamos Dani, só resta uma! - gritava meu pai

Lancei meu braço com força, atirando o isqueiro como um lançador dos melhores times americano de baseball – Você conseguiu filho, conseguiu o carrinho! Papai está orgulhoso! – O isqueiro fora certeiro, na cabeça do bicho que caiu como um avião kamikaze.

Antes de entrar no banheiro me lembrei do notebook, que por sorte estava no meu assento, não tive duvidas de pegá-lo, celular não, mas talvez wirelless funcionasse naquele lugar, lembrei que durante a viagem algumas vezes o led indicava que havia sinal. E antes que pudesse entrar no banheiro senti um enorme beliscão na perna, uma dor aguda, um dos pequenos monstros se prendera nela com os dentes, e outros já se aproximavam com voracidade, fechei a porta na cabeça dele algumas vezes até que se soltasse, e pra minha sorte isso ocorreu antes que os outros alcançassem.

Enquanto eles golpeavam a porta, liguei o notebook e tentei por diversas vezes um sinal wi-fi, sem êxito. Aquela era a única chance de escapar, eles se amontoavam e provavelmente se revezavam nas tentativas de arrombar a pequena porta, outros socavam a parte de cima e também as laterais da cabine, um barulho ensurdecedor.

E aqui estou; fraco, perdendo muito sangue devido a ferida na altura da panturrilha, escrevendo essa que talvez seja minha derradeira carta. Mãe, pai, amo vocês, obrigado por tudo... Desculpem por todos os problemas, por não aceitar os conselhos, muitas vezes foi por pura rebeldia, ou por querer testar os limites. Parece que meu espírito aventureiro pregou uma enorme peça dessa vez. O pai sempre dizia, para parar com essas viagens exóticas não é?

Eu queria muito conhecer as Grutas do Diabo, mas acabei conhecendo seu quintal, sua morada. E fica bem aqui, na Rodovia Norte no quilometro 749. Setenta e quatro vezes no...



FIM

domingo, 23 de janeiro de 2011

Estou cansada

-Tudo bem?
-Tá, tudo ótimo, graças a Deus. (Na verdade ninguém quer saber e eu não quero contar que pedi demissão, que não terei o que comer no próximo mês - o que será ótimo para a dieta - que eu não sei como pagar o cartão de crédito, que não consigo me concentrar em nada, não lembrei o dia de postar no blog - hoje é dia 24, não acreditem no que diz o cabeçalho - nem parar de chorar todo dia útil).
O resto vai muito bem, obrigada, mas o trabalho faz tudo parecer uma grande bosta.

Com toda essa desgraça no mundo meu problema deveria ser ainda menor. Não estava no aeroporto de Moscou - infelizmente - não tive minha casa destruída pela lama, não fui sequestrada ou morta por nenhum ex-namorado e meu pai não me atirou pela janela - ainda não.

Estou desempregada. Desempregada. Desempregada. De-sem-pre-ga-da. Sem emprego.

Espero ter boas novas no próximo post. Até lá.

(Não poderia faltar o videozinho)

sábado, 22 de janeiro de 2011

E se, em vez de conversar, nós cantássemos?

Eu sou cinéfilo assumido. Adoro ver filmes, vejo-os sempre, acordo e durmo pensando nos filmes que eu vou ver ao longo do dia. Confesso: não há filme que eu não veja. Pode ser que eu torça o nariz a princípio, pode ser que eu definitivamente não queira vê-lo – mas o vejo mesmo assim. Sempre há algo para aprender com um filme, mesmo que ele seja ruim – ou muito ruim, às vezes.

Quero com esse texto expressar a minha simpatia por um gênero de filme: os musicais. Eu sei que muitos simplesmente não gostam de títulos como Cantando na Chuva, Minha Bela Dama, Hair, Moulin Rouge, Chicago e muitos outros, que não vou colocar aqui a fim de economizar espaço e deixar esse texto mais dinâmico. Eu sei também que as pessoas reclamam bastante desses filmes porque eles retratam uma realidade que, honestamente, em nada se parece com a realidade, a não ser que um de nós chega à padaria, pede três pães franceses e a atendente dá saltos e piruetas, embaladas por uma alegre canção, em vez de simplesmente atender o seu pedido, recolher o dinheiro e lhe entregar o produto.

Admito: os filmes musicais não são verossímeis. No entanto, refuto minha própria afirmação: eles trabalham com a verossimilhança, tanto quanto qualquer outro filme de qualquer outro gênero. Pode parecer paradoxal, mas não há engano – essa é a estrutura dos musicais, eles trabalham com uma constante estilização da realidade, transformam-na em um elemento muito artístico, cujo efeito estético é notável tanto nos espectadores que gostam quanto nos que não gostam de toda aquela cantoria e toda aquela dança em vez de um desenvolvimento “convencional” do roteiro. Mas eu insisto: a distorção da realidade é para o filme musical o que a escuridão é para os filmes de terror. Até porque, sejamos sinceros, ninguém vive na escuridão impositiva que os filmes de terror nos mostram. Aí me deparo com quem adora personagens que acordam e, assustados, andam no escuro absoluto pela casa, mas criticam ferozmente os personagens que, sentados à mesa de um restaurante, simplesmente cantam. Desculpem-me, para mim isso é incoerente!

Conheço uma pessoa, não citarei nomes, ela talvez nunca leia esse texto. Essa pessoa adora espetáculos de balé; entretém-se ao ver aquelas lindas bailarinas numa sequência ininterrupta de piruetes fuetés, admira quando os rapazes jogam seus corpos ao ar, criando um perfeito tour em l’air. Essa pessoa principalmente compreende a finalidade do balé: representar através de movimentos corporais toda a história daqueles personagens e captar a emoção deles, trazendo-a para os seus atos. O balé, então, é uma representação artística de uma realidade. Curiosamente, essa pessoa não gosta – detesta, na verdade – os filmes musicais. E eu honestamente não entendo, haja vista que os números de canto e dança em filmes como Rent e A Noviça Rebelde são apenas formas alternativas de representar as realidades desses filmes – tal como o balé faz.

Além disso, eu gosto de gênero de filme porque ele é capaz de me mostrar outro lado da vida, um lado mais bonito. Eu honestamente gostaria de abrir o portão de casa, sair à rua e ser acompanhado numa canção por um grupo alegre de vizinhos gentis. E devemos admitir que é facílimo ser acompanhado nesses filmes: todos sabem a canção, todos conhecem o refrão da música, todos dançam tango – o que pode haver de mais bonito? E os personagens – protagonistas ou figurantes – transformam-se numa massa dançante, da qual sai um som vibrante e contagioso; assim, alego que os filmes musicais são também bastante democráticos. Enfim, não vou me estender mais, mas quero que fique claro: ver Satine cantando Elton John, presenciar Velma no Cell Block Tango e acompanhar a marcha pela desigualdade de Hairspray são momentos incomparáveis. Ouso ainda mais: invejáveis. Só pra constar: também sou simpático à causa das comédias românticas, mas sobre essas eu falo numa próxima vez.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Poder das Palavras

Josenilson nasceu no sertão, numa região esquecida pelos políticos que apenas passavam por lá para angariar votos daquela gente sem esperança de que um dia aquilo ali iria melhorar. A cidadezinha de Picacu não tinha infra-estrutura e nem saneamento básico, por isso, era comum a população sofrer de vermes na barriga e serem acometidos por esquistossomose tais as péssimas condições de higiene locais.

O rapaz, o quinto de nove irmãos, sempre trabalhou no sítio em que nasceu de parteira. Ajudava o pai a criar algumas cabras. Plantar não dava certo, a terra era seca e esturricada demais. Só de olhar para o horizonte ardia a vista de tanto sol.

Josenilson andava descalço pelo campo, riscando o chão com um graveto, enquanto as cabras pastavam o pouco de planta rasteira que tinha pela área. Um dia acocorado sobre as pernas, revoltou-se: inconformado com o sofrimento de sua família, que tinha que andar quatro quilômetros a pé para trazer baldes de água lamacenta, começou a se lamentar:

"- Pur quê, meu sinhô? Pur que o sinhô nos castiga anssim? Num pudia mandá chuvê um cadinho nessas terra?"

De repente, lá no céu, nuvens pretas que o moleque nunca tinha visto na vida começaram a se formar. Raios começaram a pipocar e fizeram-no estremecer. Num estrondo mais forte, ele pegou-se tapando seus ouvidos de medo e assim, do nada, gotas de água começaram a molhar o seu rosto que via a tudo incrédulo.

A princípio Josenílson começou a gritar de tanta felicidade, pulava nas poças de água que logo se formaram pela terra que ficou encharcada. Mas o que era para ser algo bom, virou um tormento. Piracu não estava tão pouco preparada para tanta água e a chuva fez reavivar uma nascente que estava adormecida no subsolo.

Os nichos começaram a brotar do solo com tamanha fúria que em instantes começou a inundar tudo. E o menino sertanejo que brincava despreocupado não viu a enxurrada vindo em sua direção. Atingiu-o em cheio e o levou longe. Assustado, sem saber nadar e sem saber o que fazer, sumiu no meio do aguaceiro.

Dias depois foi encontrado segurando o crucifixo que levava em seu pescoço. Morto.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A Alomorfia e o medo

Há alguns anos atrás, eu trabalhava em uma empresa terceirizada de segurança, lá acontecia uma coisa assustadora comigo quase toda semana: a mudança.

Devido ao meu comportamento arisco e nada hiante às normas locais (que sempre eram diferentes), eu era constantemente transferido de um setor a outro. Isso causava em mim reações diversas: vontade de chorar, dor de barriga, desespero… tudo porque eu estava inseguro quanto ao desconhecido futuro, maior aspecto da mudança.

Nessa semana, uma coisa aconteceu com um prezado amigo meu, e a vida dele mudou completamente. Ele me confessou sentir um pouco de medo e falamos sobre esse sentimento diante das mudanças. O medo, aquele mesmo do slogan do meu blog “Não tenha medo, seja Bravus”, que agora, penso em adaptar para “Tudo bem, é natural ter um pouquinho de frio na barriga”.

Pois o mesmo medo que nos deixa longe de problemas, deve ser encarado para podermos nos mover adiante, por que o medo é um reflexo de que estamos saindo de uma zona de segurança para o desconhecido.

Mudanças não são fáceis, pelo contrário, mas sempre aprendemos algo com elas. Afinal, acho que eu sou o resultado da soma das minhas experiências (boas e ruins), e concordo com Shakespeare quando ele diz que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiências que se teve e o que você aprendeu com elas, do que com quantos aniversários você celebrou.

Pois é... estou movendo mais uma peça do jogo das decisões com as melhores intenções. Se estou certo ou errado, só o tempo vai dizer. Mas sei que é aquele negócio: só não erra que não faz nada.

No mais, proponho aqui um brinde as mudanças e ao medo que temos dela neste meu primeiro post do ano... e resta-nos continuar a caminhada com a cabeça erguida e a certeza de que a roda da vida continua a girar. Não cometerei os mesmos erros, mas isso não significa que não errarei nunca mais... e isso talvez também seja bom.

Grande abraço!


quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Mulheres...

Letícia tem 1 ano. Ontem encontrou no playground um de seus melhores amigos, João, de 1 ano e meio. Como qualquer criancinha curiosa, tentou brincar com a garrafinha de água e o mordedor que João trouxe para o parquinho, mas ele, muito ciumento, não deixou.

Nada não. Conversa de bebê vai, conversa de bebê vem, logo Letícia e João estavam brincando juntos e felizes. Perseguiram o rapaz que estava regando o jardim do condomínio, batucaram em algumas muretas, subiram nos brinquedos de plástico...

Arrependido de seu egoísmo inicial, João decidiu oferecer todos os seus pertences a Letícia, numa linda prova de amor e amizade. Trouxe primeiro a garrafinha de água e tentou ensiná-la a beber, mas Letícia não pareceu interessada. Trouxe, então, seu irresistível mordedor azul em forma de ursinho e fez questão que ela o segurasse em suas mãos.

Letícia, agora dona da atenção, do afeto, da garrafinha e do mordedor do amigo não titubeou. Assim que recebeu seu último pertence olhou para ele com uma expressão dócil e piedosa, acenou com a mãozinha e disse tão alto quanto poderia "TCHAAAAAAAAAAAAAAU". Caminhou serena em direção ao elevador, deixando João sozinho com seus brinquedos e lágrimas.

p.s.: História real. Aconteceu ontem enquanto eu e Letícia curtíamos nosso último passeio do dia.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Eu não sei

Esperar o melhor momento de você me contar o que aconteceu, e te irrito.
Espremer os picos de desespero que surgem e surgirão enquanto a distância for inevitável.
Aplacar as angústias e preocupações de todas as pessoas que amamos, e sofro junto.
Eu não sabia nem o que era efêmero, até ontem. 
Sei que te amo.
E isso me dá uma vontade grande de saber dessas e de todas as outras coisas, sabe?
 

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Embaraçosamente encadeados


Esfregar uma maçã na cara do outro, como reprovação de uma piadinha infame. Falar uma teoria boba sobre rodas e parafusos e receber um comentário de aprovação. Devorar coraçõezinhos (aqueles de galinha), na varanda. Adentrar quarto afora, encontrar alguém lá dentro. Ouvir a lembrança de uma briga feia, seguida de risadas. Entender o funcionamento da resistência (aquelas de chuveiro). Chorar por não ter 4 mil reais mensais pra dar pro pai, vida de merda. Rodoviária, sempre, maldita. Acordar cedo, meio de sobressalto, abrir um olho só, tamanho o sono, e querer acreditar que não, aquilo não tá acontecendo. Ter muita dor, no corpo todo, por dentro também. Gritar, bem menos, mas ainda assim achar que pode virar personagem de filme. Ou novela.

Você faz parte das minhas coisas não efêmeras.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Caderno B

O mistério e a incerteza podem até ser estimulantes, mas não me empurre para a entrada do labirinto se não tiver certeza que estará lá para me encontrar na saída.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Poesia imaginada

Ah, se o mundo pudesse ver dentro da minha cabeça
Saberia que eu sou inteligente, criativo
E tenho bom coração

Saberia que eu sou um escritor nato
Sem eu nem precisar escrever

Mas as palavras me enganam
As palavras me atrapalham
Ficam brincando de trocar
Quero escrever uma palavra e vem outra no lugar

Por isso já nem escrevo mais
O mundo pode achar que eu sou ruim
Mas se eles pudessem ver dentro da minha cabeça
Saberiam que eu não sou assim

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

PASSA-SE ESSE PONTO

ou Recado para o novo ocupante
ou Mensagem de despedida para os companheiros dos 30
ou Bye-bye erótico-saudoso
ou último post do Edu Araújo



Passo esse ponto.  Arejado, cheio de ideias novas e alguns lugares-comuns. Costuma ser bem frequentado. Às vezes espiam e comentam, mas é coisa da vizinhança, e vizinho a gente não escolhe. De um modo geral ninguém se mete na vida de ninguem, e a maioria gosta bastante de visita. No começo, ainda que menos frequentado, sempre escreviam recados os que por aqui passavam, não sei por que perderam o hábito. E as pessoas, que ocupam este espaço, fingem que não, mas gostam que falem delas, das coisas delas. Tem muita gente carente nesse mundo. Vezenquando aparece fotos familiares. Uns choram nos seus quadradinhos. Põem música, videozinho. Mandam recado. De dor de dente à dor de amor. Cabe tudo. Conto de fada, continho pornográfico, mulher nua, poesia que ninguém entende, dialogos-piadas, tramas policiais, cartas, reportagem especial de automobilismo. Entre e fique à vontade! Pode puxar aquela banqueta, àquela, criatura, no pé da página.

Ocupam o espaço uns tipos neo-hippies super hypes, viajantes, jovenzinhos na maioria (Mas nem se diz, pelo bonito que escrevem!). Andam meio melancólicos ultimamente. Desconfio que mais da metade fuma maconha, o que não chega a incomodar. São discretos. Se tem intriga, resolvem via email, coisas de gente moderna. Mas no fundo, eu acho que é tudo gente de família, respeitadora e temente a Deus. Adeus, foi o que eu disse. 

E digo de novo, olhinhos marejados de água como clichê de novela da Globo: "Foi bom estar aqui". É um espaço agradável, de gente comprometida/descomprometida/metida. Uns dias e outros ficam lacunas no espaço. Acontece, como quem falta ao serviço. Mas será que pesa tanto assim uma vez por mês? 

O certo é que foi bom, enquanto durou. É duro partir, e parto. Fiz um monte de coisa boa aqui, que me orgulho. Botei na vitrine, por um tempo, o melhor de mim. Mas com os dias, alguma coisa se perde, se desgasta, a gente olha em volta, dá um desânimo, um vazio de rotina. Sabe papai e mamãe todo dia? A gente quer que algo aconteça, espetacular, e nada. E antes de acabar todo o gás, ser mera obrigação, compromisso, a gente bate a mão no tapetão e pede pra sair. Feito agora. Razão para deixar a vaga, e dizer, feito fim de relação: o problema não é você, sou eu, baby.

Ponto passado, com exigência ao novo ocupante: Vê se respeita o dia 13 que é quase dia santo, de tão bonito número, de sorte e azar. Hasard. E não maltrate o Português, porque se é pra transgredir, faça com alguma razão e domínio do jogo: ideias e palavras friccionando no espaço, para gerar surpresa, encantamento. Textos longos enfadam, mas dane-se, se confiar bote, que há sempre alguém neste mar à deriva pra se atracar nele. E fuja ao piloto automático, ao post gambiarra. Ok, meu último foi assim, mas é por que brochei. Tesão é coisa divina, todo gozo é gozo santo. E eu digo a você: só faça o que tiver que fazer "com prazer". Muito prazer, seja bem vindo! A casa é sua. Já pus a mudança no meu caminhão. Deixo essas coisinhas aí no espaço, se não tiver que fazer, dê aos pobres, pois o que não falta é pobre nesta vida. Não se assuste com o eco do espaço vazio. Dê uma demão de tinta na parede. Decore o ambiente com seu estilo, imprima aqui sua personalidade. Seja bem vindo. 


Puxa, quase dois anos aqui! 21 postagens (contando com esta), dá para acreditar?! Pus tudo aqui pra no caso de sentirem saudades. Juro que volto em visitas surpresas para ver se não escangalharam a casa, que isto aqui é zona de respeito, de prestígio, doce de coco. É ísso! E desculpe pelo alongado do adeus, é que a gente faz isso nas despedidas, mesmo sendo da nossa vontade. Mudar é foda, despedir pior. Então vou. Deixo endereço, para caso de contato e dúvida. E um clipezinho, que boto depois, é de um show que fui, para encher por inteiro o espaço da saudade. Saudades.


Amor.

Edu

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

"Dentro do mar tem rio... Dentro de mim tem o quê?"

domingo, 9 de janeiro de 2011

Meu grande medo

PS, só que ao contrário: Prometi a mim mesma um post em janeiro com 60 fotos do meu ano de 2010 para provar pra todo mundo que meu 2010 tinha sido bom after all. Ia terminar de separar as fotos hoje (tenho umas 5.000 tiradas em umas 15 cidades diferentes), mas aí descobri que hoje é dia 9 e não dia 8. Como eu quero fazer uma seleção bem feita, adiei para 9 de fevereiro (ou seja, nunca). Para compensar a minha displicência, vou revelar um segredo dos que sempre guardei a sete chaves com um enigma que esconde a fechadura e um cão brabo e faminto de guarda.

Tenho medo de não ser amada. Pronto, é isso.
Cada um lida com o medo do seu jeito. O meu é mantendo todo mundo a uma distância segura. Escolho a prevenção porque sou inapta para a tarefa de remediar Não há nada mais doloroso do que se desentender com alguém que antes conhecia até a diferença de tonalidade dos seus sorrisos. Eu não consigo enfrentar brigas tolas, que pra mim surgem de duas fontes:
Uma é a ideia de que as brigas precisam acontecer para marcar um fim. Você espera o momento certo (que não existe nunca, geralmente é aquela palavra fora de lugar, coisa boba mesmo) para subir o tom, o outro aumenta ainda mais o volume e o resultado depende de cada um. No meu caso eu engulo todas as palavras que eu sei que possam magoar. Nem sempre sou atenciosa o suficiente para evitar a mágoa antes, mas quando eu me vejo em uma dessas discussões fujo para a colina mais próxima. Se eu queria ser do tipo de pessoa que joga gasolina e acende o fósforo? Não. Minha insônia me perseguiria para sempre.
Mais trágica ainda é a segunda fonte das brigas tolas: a mudança de perspectiva. A prova derradeira de que ali não há amor é o momento em que o outro deixa de esperar o melhor de você nas suas atitudes.(de novo, geralmente aquela palavra fora do lugar). O que antes seria catalogado como "inocência" ou "brincadeira" agora cai na categoria "ATAQUE" (eaquela scrita no nosso coração com letras vermelhas em arial black)  como se você nunca tivesse visto o "infrator" antes. A reação deve ser outra, mais séria, possivelmente envolvendo conceitos de "perdão" e "para sempre" (mais uma vez incluído sem qualquer cuidado). Quando um amor morre assim, tão tragicamente desfigurado de sua essência original, ele merece ser velado cuidadosamente, enterrado dignamente e lembrado eternamente. Sob a pena de você perder o respeito por todos os amores vindouros, ao acreditar na falsa sensação de que eles são negros por dentro e é apenas questão de tempo até que a máscara se desgaste.

Voltando ao meu caso, nesse tipo de briga tola também sempre levo a pior. Um dos meus princípios globais é sempre esperar o melhor de todas as pessoas. Isso já me custou algumas amizades e até a minha bolsa, quando eu fui assaltada num ônibus argentino pelo mesmo cara que estava me ensinando a chegar ao meu destino. Mas pensar na alternativa, que é desconfiar de gente que você nem conhece, achando que vão te passar a perna, pra mim não só é um jardim de rancor como também pode te levar a atacar antes para se defender, o que te transforma em uma pessoa indigna de confiança e olha só a insônia batendo na porta de novo.

O meu distanciamento não é provocado pela falta de amor. É resultado do excesso de amor. Não é um daqueles amores românticos cheios de babados, buquês, ciúmes e corações. Não é um molde no qual alguém precisa se encaixar, nem que seja à força. Amor pra mim é sinônimo de respeito e aceitação, e por isso pode ser menos intenso, mas não morre nunca. Daí que palavras ofensivas soam demasiado falsas e eu sou péssima mentirosa. Sou uma grande fracote.

Alegria


As coisas costumam dar errado com muita frequência.
Hoje de manhã passei em frente de duas lojas Magazine Luiza antes de abrirem. Filas quilométricas, gente que estava lá
desde a noite. As pessoas no ônibus comentavam: "ano passado fui e só consegui levar panela de pressão e ferro de
passar", "quem pega coisa grande, máquina de lavar, fogão tem que levar na hora, pegar e levar".

Chegando no trabalho, minha colega que entra as 10 pegou a bagunça também, contou que quase foi atropelada por uma geladeira no caminho. E que a panela de pressão estava 8 reais.

Essa semana quebrou meu único chuveiro. Quebrou quando eu estava com o cabelo ensaboado, claro, eram seis horas da manhã e ainda estava escuro. Tomei banho gelado. Fiquei com febre o dia seguinte. No dia seguinte saí dez minutos mais tarde de casa, meu ônibus já tinha passado, tive que correr, andei muito, cheguei em cima da hora, peguei trânsito.

Todas as coisas que eu disse são ruins, filas, quase ser atropelada, chuveiro queimado, mas coisas ruins que levam a coisas boas, que alegram meu dia, que são:

Chegar no ponto e passar o ônibus logo em seguida.
Achar algo que você realmente precisava em um promoção.
Tomar banho frio (no calor claro)
Tomar uma boa canja de galinha.

Outras coisas que me fazem feliz:
Banho quente.
Um dia com temperatura perfeita.( e sem chuva )
Encontar algo que achava ter perdido.
Acordar a noite e ver que pode dormir mais.
Planejar as férias ou um feriado.


E você, o que faz do seu leite uma alegria?

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Escolhas

Mesmo quando são simples, não são necessariamente fáceis.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Origamis transcendentais de guardanapo (Por Gilberto Amendola)

Por Gilberto Amendola

Noves fora, Carolina deixou um retrato.  Nada escrito do outro lado.  Nem marca de batom.
Procurei outra pista.
Alguma coisa escrita com creme de barbear no espelho do banheiro.  Ou papelzinho pendurado no ímã da geladeira.
Nada.  Nem cheiro.
Acho que só tem disso no cinema.  Vida real é outra esquema.
Carolina, dos olhos verdes da cor de um marca texto, já está fora deste contexto.  Há tempos.
Foi-se.
Feito brasa de cigarro quando chega ao fim.
No celular, a última mensagem tinha sido enviada ontem: " Atraso 30 mim, ok?  Bjs".
Lembro bem.
Sou eu, ali, entretido com guardanapos, fingindo origamis transcendentais na mesa do restaurante.  Meio que dividindo minha atenção entre as flores desmilinguidas ao redor da cesta de pães e o relógio démodé pregado na parede.
Ela atrasou duas horas.  Ou quase isso.  Não importa.
Mas quando Carolina chegou o que era irritação virou confete.  Ela estava lá - e meu tempo desperdiçado não tinha o menor valor.
Carolina riu dos meus origamis.
Foi ao banheiro antes de se sentar.  Voltou com os olhos vermelhos e agitada.  Pediu água com gás e aceitou minha sugestão de vinho sem muita empolgação.  Estava com pouca fome, mas iria tentar o salmão. Eu também.
Falamos do último disco da Suzanne Vega; dos velhos poemas de Paulo Leminski e do meu talento para origamis pós-modernos.  De resto, silêncios e comentários sobre a comida, o vinho e o desleixo do garçom.  Ela sugeriu terminar a noite ouvindo jazz no meu apartamento.  Eu disse sim - e agradeci a Deus pela graça alcançada.
O que aconteceu depois eu já contei.  De manhã, só me restou o retrato de Carolina - e a certeza imprecisa de que de nada adiantaria revirar a casa, o bairro, a cidade ou o planeta.
Ela tinha ido embora.
Me esforcei em fingir que tudo estava no seu devido lugar.
Banho, armário, café forte, carro, trabalho, reunião e um desejo de permanecer inconsciente durante um mês inteiro.
Era como se eu tivesse sido tocado pela bruxa mais agourenta.
Vai ver Carolina teve um apagão; vai ver bateu a cabeça no portão; vai ver morreu num acidente de caminhão; vai ver já não está nem mais aqui - e foi morar num país de rima boba, um Japão da vida.  Talvez ela nunca tenha existido.
Mas o retrato, que de agora em diante seria transformado em um valoroso porta-copo, era a prova cabal de que Carolina era real.  Fui eu quem, num momento de ousadia, soltei um 'psiu' e tirei a fotografia.
Eu captei num clique só.  Ela olhando pra trás - virando o pescoço num relance e olhando pra dentro da minha câmera.  Bati a foto e senti o chão do parque desaparecer debaixo do meu tênis de corrida.  Fiquei sem graça.
Mas ela riu.
"Manda essa foto pra mim? "
Com o e-mail da menina, que aquela altura já era Carolina, fiz o que me cabia.  Primeiro fomos correr no mesmo parque, depois um filme do Woody Allen e, por fim, o jantar.  Aquele em que fui surpreendido fazendo origamis transcendentais (fiz um cisne caolho e um girassol sem alma).
Éramos dois estranhos: mesmo quando sugeriu terminar a noite no meu apartamento; mesmo quando se interessou pela minha playlist de músicas tristes; mesmo quando se atirou na minha cama como quem mergulha em uma piscina de bolinhas.
Carolina era surreal.
Tentei o celular.  Só por desencargo de consciência.
Nada.
Voltei ao parque.
Tirei fotos.
Esperei sentado - fazendo origamis transcendentais.
Nada.  Nunca mais.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

2010

Como definir 2010? Sim, foi um grande ano. Muitos recomeços, do jeito que todo ano zero que se preze deve ser. O meu grande recomeço foi ter mudado de emprego. Eu nem ganho lá essas coisas e nem é pelas roupas sérias e sapatos que eu tenho que usar, mas eu me sinto uns 40% mais adulta. Com direito a joanete e depressão de domingo.

E comprei um carro. Eu andava nos carros dos meus pais, ou dos meu irmãos, o que podia ter tirado a importância do todo, mas não, comprar um carro, zero, o meu carro, lindo e perfumado, com meu dinheiro, foi muito legal. Muito mesmo. Valeu a pena não ser mimada o suficiente para ganhar um carro por ter passado no vestibular.

Ganhei um sobrinho. Quer dizer, ele nem nasceu ainda, mas já é o meu sobrinho. O João Vicente. Quem me conhece sabe o quanto eu queria um sobrinho. Sempre quis. Desde quando meu irmão arrumou a primeira namoradinha. Minha mãe implorando a Deus que uma “desgraça” acontecesse na vida do meu irmão, e eu torcendo pelo contrário. Acho que é síndrome de caçula, que não tem irmão mais novo para paparicar.

Falando do meu irmão, esse ano ele saiu de casa. Foi morar com a namorada. Eu sempre torrei o saco para que ele fizesse isso, mas quando aconteceu achei de uma tristeza sem fim, o guarda-roupa vazio, as conversas antes de dormir, até aquela coisa nojenta que ele fazia com o fio dental, tudo fez falta, mas ele está feliz lá com a mulher e com o monte de cachorros que eles adotaram.

Já minha irmã, tão logo soube que estava grávida, resolveu oficializar a união. E lá se foram dois meses de correria. Será que dá tempo? Será que vai aparecer a barriga? Mas e daí se aparecer a barriga? No fim tudo deu certo, com meu pai chorando, o noivo gaguejando, a cantora desafinando e os presentes que não chegavam. Nenhum. Mas foi tudo um erro de informação, agora já está tudo em seu lugar. Ou quase, mas a almoço de ano novo já foi no apartamento novo do casal, para estreiar.

E pimba, já estamos em 2011.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Começando 2011 com o pé... na jaca.

Dia 31/12/2009. 14:21.
Coloquei o meu Nintendo Wii numa mochila e fui à casa do meu primo. A ideia inicial era jogar videogame depois de tomar um banho de piscina, mas o tempo escureceu e a ideia foi abortada. Éramos três. Fulano também estava presente. Jogamos tênis, beisebol, boliche e mais alguns outros jogos. Nenhum deles despertou muito interesse.

Saímos para comprar alguns medicamentos para o gato do meu primo que estava doente e almoçar. Perto da casa dele, no Humaitá, existe uma quantidade inacreditável de lojas para animais domésticos. Pelo incrível que pareça, encontrar algum restaurante aberto foi muito mais difícil do que encontrar uma pet shop aberta. Tudo já estava fechado na Cobal do Humaitá, salvo um pequeno restaurante árabe. Os dois toparam, mas eu disse que o meu último almoço do ano não seria, nem por um decreto, quibe e esfirra. Fomos salvos pelo digníssimo Koni Store. Pedi um sunomono de entrada, um koni roast tuna, um poke roll e um Iced Tea de limão. Voltamos para medicar o gato e eu estava ansioso para jogar novamente o Wii, sobretudo o boliche, meu jogo preferido. Sabia que o jogo Pro Evolution Soccer 2011 era um concorrente ferrenho, então tratei logo de ligar o boliche para não dar sorte ao azar. Fulano jogava muito mal. Ele era mais irregular do que um bêbado tentando andar em linha reta. Mas ainda assim, o jogo fez sucesso. O meu primo tinha um rendimento bom, mas eu ganhava sempre todas as partidas. Até que com o andamento dos jogos, a coisa foi mudando de figura. Fulano teve uma melhora histórica que deveria inclusive ser registrada no livro dos recordes e eu comecei a perder algumas partidas. Fulano agora tinha técnica no seu lançamento e fazia um strike atrás do outro. Ele conseguiu a marca histórica de cinco strikes seguidos, o meu recorde eram quatro seguidos. Só para efeito de nota de rodapé, no dia seguinte eu consegui um “six-pack” ou seis strikes seguidos. Mas como o foco dessa história é o dia trinta e um de dezembro de 2010, não vou me ater ao dia seguinte.

Detonamos todas as cervejas da casa. Não eram muitas, mas também não eram poucas. Depois partimos para a vodka, misturando com um honesto suco de uva que o meu primo nos ofereceu. O suco de uva acabou e a gente teve que sacrificar a água de côco que tinha sido comprada exclusivamente para o gato, a pedido da veterinária. Ficamos de repor, sem falta, no dia seguinte. Era bem difícil parar de jogar aquele jogo viciante. Mas às dez da noite, a gente conseguiu. Tínhamos uma grande festa de réveillon na praia do Leblon. Aliás, um lugar muito importante na minha história de vida, recheada de “impulsos estranhos”. O efeito da bebida teve um efeito triplicado em mim devido ao empolgante jogo de boliche. A casa do meu prêmio é no início do Humaitá e a minha casa é no Jardim Botânico, quase na divisa com o bairro dele. Logo, foi fácil chegar em casa de carro para tomar banho e me trocar. Só precisei seguir uma curta linha reta e dobrar à direita. Tudo lindo e maravilhoso. Até eu ter a brilhante ideia de ir até o Leblon. E não foi só isso. Parei o carro em frente à casa do meu primo e liguei.

- Vocês estão prontos?

- Quase.

- Estou aqui embaixo. Vocês vão comigo de carro.

- O que é isso cara?

A gente tinha combinado de se encontrar na casa de Cicrano, na rua Almirante Pereira Guimarães, que ficava bem em frente à festa.

O trajeto foi tranqüilo. Nada de Lei Seca no caminho. Pegamos a Lagoa, entramos naquela rua da Cruzada, que dá para o Shopping Leblon e viramos na General San Martin. A rua Almirante Pereira Guimarães era a próxima, à esquerda, mas não dava mão. Além de entrar na contramão, eu fiz a curva dando um cavalo de pau, como se eu tivesse dezoito anos novamente. Foi uma atitude vergonhosa e patética. Tudo bem que foi um cavalo de pau brando, mas eu poderia ter perdido o controle do carro. Quando todos no carro respiravam aliviados, sobretudo o motorista, o meu primo disse:
- Tem um carro da PM vindo aí.

- Foge, foge – esbravejou Fulano.

- Vamos todos ficar calmos – eu disse – vou encostar o carro e vai dar tudo certo. Ninguém aqui fuma maconha ou usa drogas. Eles podem revistar o carro inteiro que não vão encontrar nada.

Dois policiais armados pediram para que os três saíssem do veículo. Ele perguntou se a gente havia usado drogas. Dissemos que não. Mostrei carteira de habilitação e documento do carro. Tudo ok. Conforme eu havia previsto, eles revistaram o carro inteiro e não encontraram nada. Eu achei que eu levaria uma multa pelo cavalo de pau e a contramão, mas nada aconteceu. Pelo menos por enquanto. Já passava das onze horas. Conseguimos parar o carro na garagem do prédio de Cicrano. Hoje é dia 2 de janeiro, já passa de duas da tarde. Meu carro continua lá.

Fomos até à casa dele para tomar o último drink antes da festa. Até então eu estava ótimo. Mas em questão de minutos, comecei a me sentir muito mal. Chegamos na festa e eu tratei logo de sentar numa cadeira. Passei a virada do ano vomitando as tripas, estava me sentindo realmente muito mal. Todos os meus amigos pensavam que a festa tinha acabado pra mim. Porém, às duas e meia da manhã eu tive forças para levantar e sobreviver na festa à base de água e Coca-Cola. Fiquei perambulando pela festa até encontrar outros dois grandes amigos que eu nem sabia que estariam lá. Ao som de músicas tenebrosas como “Eu to tranquilão”, do Mc Sapão e “Do Seu Lado” do Jota Quest e outras incríveis como “Mulher de Fases”, dos Raimundos e “Pelados em Santos” do Mamonas Assassinas, agüentei bem até às cinco horas da manhã. Devido ao meu estado vomitativo, tive a decência de não ter ficar com nenhuma menina do evento. Se não bastasse a falta de consideração que eu teria com a “felizarda”, devo confessar que eu estava com muito nojo de mim mesmo para uma operação desse tipo.