sexta-feira, 29 de abril de 2016

desconfiômetro







Esta em desuso e ameaçado de completa extinção.

Seja com oração, reza ou pensamentos mais positivos e cheios de elétrons é preciso pedir, na verdade, implorar pela volta do desconfiômetro.

Dúvida? Desacredita é?

Novamente menciono e se preciso for quatrocentas vezes à cena terrível e catastrófica de domingo 17, quando 357 senhores e pouquíssimas senhoras votaram a favor da saída da presidente Dilma e declararam seu apoio incondicional ao golpe institucional, judicial, político e midiático. Golpe atualmente em curso e quase legitimado.

Para além do que foi comentado exaustivamente nos últimos dias impressionou nos discursos o desdém com as demandas da população ou do eleitorado ou mesmo o entendimento do que é uma família.

Porque ao contrário do que disseram não acredito que ao defender o voto em nome de Deus, da minha família, igreja, cidade etc estavam representando quem votou neles. Ali continha apenas e somente interesse próprio e o descarado acordo e alinhamento do discurso político.

Enquanto assistia senti que estava lendo ou vivendo o golpe de 1964, quando sob a desculpa da ameaça comunista (que nunca teve nexo ou força ou sentido de ser) o golpe foi aceito pela população dando plenos poderes aos militares em prol da justificativa de proteger a nação.

E diferente de 1964 não temos militares nisso exceto através da bancada da bala, mas temos o velho discurso imbecilizado de sempre, de que os comunistas estão chegando, ou vão tomar suas terras, dizimar as famílias e as cortinas de ferro se estendera pela América Latina.

Diante da palhaçada de domingo 17/04/2016 que entra para história política do país como uma das cenas mais ridículas quando nos tornamos chacota para imprensa internacional e piada até mesmo para a direita decente de outros países, percebo ou vejo a necessidade de explicar algo.

Assim sendo, caros senhores e senhoras golpistas ou 357 que fizeram aquelas justificativas inomináveis, venho por meio deste explicar que os socialistas, os comunistas, os anarquistas, os militantes autônomos e independentes ou leiam-se orgânicos e que pertençam a partidos políticos, coletivos e movimentos sociais não nasceram de chocadeiras, de plantas ou mesmo por osmose.

Portanto, todos absolutamente todos e digo de novo, todos tem: mãe, pai, irmãos, esposas e esposos (ou como queiram companheiros) filhos, sobrinhos, netos, bisnetos, cunhados, cunhadas, amigos etc.

Ou seja, caros ignorantes ridículos, quer dizer senhores e senhoras golpistas compreendam de uma vez por todas:  todos têm uma família.

Seja ela bendita, maldita, tenebrosa, linda, vergonhosa, escandalosa, abençoada é uma família. Tenha sido formadas através de contrato (leiam vínculo em cartório) ou formalidades de igrejas, tabernáculos, capelas, ocas, cenas hippies em floresta, matagal, mar ou qualquer biboca que na época ou naquele momento queriam jurar amor ou sexo eterno ou por determinado tempo até que a vontade separe; ou jurar o amor a revolução, ao Marx, ao Foucault, a Rosa e assim por diante . 

Mas todos tem uma família, seja composta apenas pela mãe, pelos amigos, pelos bichos, todos tem uma família, ok?

Então, resta saber que merda é essa de justificar o golpe através deste discurso que possui nas entrelinhas ameaça comunista?

Ou quero perguntar se os senhores e senhoras golpistas não possuem seja em pouca ou larga escala o afamado e famigerado: desconfiômetro?

Pode ser um centímetro, 10 ou uns metros sabe? Não importa!
Aliás vocês sabem o que é desconfiômetro?

Gostaria de ter metade desta ilusão ou crença de que realmente existe ameaça da esquerda, dos comunistas tomarem o poder. Não entendo a crescente onda de querer pontuar a família e principalmente a religião como algo a ser ameaçado.

Não temos concordância nem entre nós sobre alguns assuntos no que diz respeito à religião.

E mesmo notando que a mídia, políticos e golpistas ultraconservadores estejam deitando e rolando na interesseira participação de religiosos na política não noto ou percebo interesse ou temos feito o papel de aproximação e cooptação e sedução de religiosos para ala da esquerda. 

Pelo menos ainda não.

Mas diante do ocorrido vejo que é não somente uma tentação divina, mas uma empreitada de base incrível. Explico.

Recentemente um pastor que desejo não mencionar o nome para não dar ibope disse para um jornal que antes às igrejas eram apolíticas e que não participavam da política porque não se reconheciam nela. E mediante a crescente ameaça (comunista) através de leis  a participação das igrejas na política tornou-se uma exigência. Estas foram mais ou menos as palavras do senhor não citado.

Diante desta declaração e outras tantas, tenho que tentar explicar ou alumiar algumas coisas. 

As igrejas evangélicas jamais foram apolíticas!

Pelo contrário o que houve de um tempo para cá é que ao invés de apenas apoiar candidatos sem vínculo com a igreja, oraram: por que não criarmos nossos próprios candidatos, partidos e termos com isso nossos representantes.

Grande negócio! 
De tão grande e glorioso tornou-se maior que dízimos e ofertas.

Aqueles de uma época não muito distante sabem disso, pois seja eleições para prefeitos, deputados, senadores e presidentes os pastores apresentam determinados candidatos que nunca foram à igreja como potencial "representante" ou pessoa que necessita de oração.

Então os pedidos de votos eram traduzidos em: “irmãos vamos orar para que sicraninho e fulaninho tenham “direção e discernimento e sabedoria” (aqui leia-se votos, muitos votos dos irmãos) na política”.

Ou por vezes os votos eram pedidos em voz branda ou “ameaças” proféticas de que temos que velar pelos nossos e tasca oração e pedidos de apoio.

Esse tipo de ação é tão velha e costumeira que praticamente funcionava como campanha política em tempos de veto do STE, às vezes ocorre um mês, dois meses ou semanas antes da votação.  

Afinal não é pecado pedir oração né.

A igreja Católica nesta atuação é mais antiga e tão próxima quanto, tendo em vista que é uma das instituições mais antigas.

No caso da igreja Evangélica, isso se tornou ainda mais forte com o crescente número de templos, modernização de pregações (daí entende-se vestes, discursos e literatura vinda na grande maioria dos EUA)  e alteração radical do discurso.

Agora crente não é mais miserável, é e tem que ser próspero e ainda mais importante se for empresário eis um potencial Salomão do século XXI. 

As reuniões e cultos bem como campanhas em torno da prosperidade se tornaram ainda mais intensas com pastores-políticos e ação de completa despolitização dos presentes nos cultos.

Noutras palavras, é disseminado que o "povo do mundo" (ou leia-se em especial a esquerda) não é de Deus, mas gente que precisa de oração e deve ter o distanciamento porque não quer a formação da família, crescimento da igreja.

A aproximação com empresariado local é quase que natural e dízimos e ofertas e campanhas para pagar programas de televisão tornou-se uma imensa forma de evangelizar em nome de Cristo ou  propagar políticos pois ao vê-los é: "olha lá o irmão, político, homem de Deus, tá representando a igreja"! (sic).

Mas poucos e pouquíssimas famílias são prósperos (as). A maioria visita as igrejas porque estão desempregadas, endividadas, em sofrimento (seja emocional, enfermidades) procura um alento, uma direção ou mesmo ajuda.

Não entro no mérito escandaloso de mencionar o que ocorre muitas vezes e é quase naturalizado nas igrejas. Porque seria leviano e desonesto citar outras tantas cenas de sujeira e enganação dentro das quatro paredes que dizem ser dos santos.

Prefiro e deixo aos porcos o sabor da sua colheita, me eximo do papel de acusadora, permito que fiquem no sepulcro caiado que caíram há muito tempo. Pois lhes cabem muito bem não é muitíssimos bem amados?

Agora em tempos de golpe e muita sujeira vemos atuação bem como o vai e vem de políticos próximos da bancada evangélica e notamos que o discurso de que a igreja, especialmente evangélica participou da política para ver suas pautas e demandas atendidas é totalmente mentiroso.

A maioria dos senhores que compõem a bancada são pastores-empresários aliados a demais empresários  que estão usando de forma desmedida e desonesta instituições públicas para interesses próprios.

Outra forma de perceber o que está em jogo na esfera de poder e dinheiro é o interesse apenas em pautas não apenas conservadoras, mas moralistas, além da imensa atenção no que refere a pequenos, médios e grandes empresários e leis trabalhistas.

Neste contexto não é o capitalismo como religião, mas a religião a serviço intenso e descarado do capital. Ou noutras palavras pouco interessa as famílias pobres ou empobrecidas e suas demandas ou pouco importa as leis que pretendem ferir os direitos trabalhistas dos trabalhadores de pouca fé, porque sim, se você sofre é porque tem pouca fé e não oferta e não dízima.

E pouquíssimo interessa privatizações e terceirizações em  larga escala pois quem dá o sustento para, somos nós,  o empresariado abençoado e engajado na política em nome de Deus.

Uma tentativa de re-evangelizar o impossível?

Não.

Absolutamente que não!

É apenas o desconfiômetro acionado em escala máxima de que precisamos dialogar com a religião ou religiosos, ou aqueles que creem em Deus, dai perceba é quase 70% ou parte considerável que fala "amém", "Deus proverá" para tudo mas não necessariamente está na igreja ou tem algum vínculo. 

Precisamos refletir se não quisermos perder em tempos de crise e acentuado desespero dos trabalhadores para o discurso descarado e mentiroso de que esta é a vontade de Deus, pior ao receber esta oração oferte e participe desta campanha da prosperidade e entregue seu dízimo que você será abençoado porque Deus está vendo sua dor.


Mas por que ele não enxergou antes?

sexta-feira, 22 de abril de 2016

O Segredo

Roberto acordou resoluto. Naquela manhã revelaria tudo. 

Aquele segredo já o incomodava e logo mais seus pais descobririam por outras fontes. E quem é que garante que já não desconfiavam? As provas estavam por todas as partes. Roberto nunca foi bom em esconder nada, muito menos uma coisas daquelas. 

Encontrou a mãe na mesa do café. Começaria por ela. O pai saberia pela noite quando Roberto já estivesse mais seguro. Supunha.

- Bom dia, mãe. - disse sentando-se em frente a uma xícara fumegante e de um pão com manteiga. A mãe estava de costas lavando louça.
- Bom dia, querido. O leite já está quente.
- Obrigado. - disse tentando controlar a ansiedade da voz - Mãe...
- Oi..
- Preciso falar com a senhora..
- Pode dizer.
- É... é... um pouco sério, mãe. A senhora pode se sentar aqui... aqui comigo.

A mãe olhou pra trás rapidamente e viu Roberto lívido, sem saber o que fazer com as mãos.

- Oxi, menino. O que aconteceu? Viu assombração, foi? - disse a mãe, enxugando as mãos e pondo-se sentada em frente ao filho.
- Preciso te contar uma coisa, mãe. Um segredo... um segredo que eu não consigo mais guardar...
- Desembucha, menino! Conta logo! Quer me matar do coração?!
- Eu tenho um pouco de medo de como a senhora vai reagir, mãe... eu não sei direito como isso começou... talvez desde sempre, não sei... mas somente agora eu percebi... eu percebi que eu não consigo ser de outro jeito...
- Meu Deus, menino! Desembucha logo! Meu coração está saindo pela boca! 
- Mãe... eu escrevo!
- O quê?!
- Sim, mãe. Eu escrevo. Contos, romances, novelas... e até poesia...
- Poesia?!
- Sim, mãe, poesia. Ontem mesmo eu escrevi um soneto antes de dormir.
- Não! Não! Não! 
- Tá vendo, mãe! Eu sabia que a senhora não ia receber bem a notícia!
- E tem como ser diferente? Você é meu único filho, Roberto! Meu único filho escrevendo sonetos! - disse a mãe, já sem conseguir esconder as lágrimas.
- Não tenho como controlar, mãe. Quando menos imagino, a vontade vem e lá estou eu escrevendo de novo...
- Justo agora que você arrumou aqueles amigos, aqueles que você encontra todo sábado pra ir ao clube...
- ...de leitura.
- O quê?! - exasperou-se a mãe.
- Clube de leitura. Nos reunimos aos sábados pra discutir literatura... em grupo - confessou Roberto baixando a cabeça.
- É bem pior do que eu pensava... mas domingo... domingo você falou que ia encontrá-los para ir a uma festa, não falou?
- Era um sarau, mãe. Eu menti. Fomos a um sarau... passamos a noite lendo poesia em voz alta...
- Fala isso baixo, menino! Eu exijo respeito!
- Mas mãe...
- Chega! Suma da minha frente! Vou ligar agora mesmo pro seu pai. E vá logo procurando outro lugar pra morar. Nós não sustentaremos um vagabundo metido a poeta!
- Mãe...
- Chega! Filho meu não...
- ...Eu menti!
- O que disse?
- Sim, é mentira essa história toda de ser escritor. A verdade é que matei um homem. Era esse o segredo que estava escondendo esse tempo todo.
- É mesmo?
- Sim, mãe. Sou um criminoso.

A mãe abraçou Roberto sorrindo.

- Que alivio, filho, que alivio. Seu pai conhece um advogado ótimo. Vamos, vamos terminar o café... você quase me matou do coração...

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Isso é hora para fotografia?

Para mim a fotografia é um hobby recente e intenso. Faz apenas seis anos que comprei uma câmera digital, três que comprei uma Canon semiprofissional e desde então costumo dizer que não vou viajar, mas levo minha câmera para novos lugares.

Fico dividido quando ouço alguém dizendo que as pessoas tiram tantas fotos que até se esquecem de aproveitar uma viagem. Por um lado concordo. Me aborreço quando vejo um mar de paus de selfie disparando a esmo, registrando os mesmos sorrisos dezenas de vezes, acumulando fotos que serão esquecidas no fundo de algum HD. Por outro lado, tenho que defender meu hobby.

Fotografar pode ser muito mais que apertar um botão. Registrar uma paisagem bonita em um pequeno retângulo implica em identificar exatamente o que faz com que essa paisagem seja agradável, quais os elementos protagonistas e quais os figurantes.

Principalmente quando estou em um lugar desconhecido e com a câmera por perto, busco instintivamente uma boa foto, que já está lá, parada, a espera de um clique. Na contramão da ideia de dar atenção à fotografia e esquecer da viagem, buscar uma foto me faz olhar com mais atenção ao que me cerca.

Ver algo que vale a pena fotografar me obriga a parar, pensar em qual o melhor ângulo, como deve ser o enquadramento, o que deve aparecer na foto e o que deve ser omitido. Muitas vezes inclinar a câmera alguns milímetros faz toda a diferença na hora de esconder uma placa de trânsito, um emaranhado de fios, um carro estacionado, etc.

Não é tão raro eu implicar com a iluminação natural do lugar. Isso me faz, quando possível, voltar em outro horário, em que o sol incida por outro ângulo e ressalte as cores que a primeira vista estavam ocultas por sombras. Isso é algo que só a fotografia pode me oferecer.

É evidente que com a facilidade das máquinas digitais, a quantidade de fotografias ruins aumentou. Se você tem apenas 24 fotos para fazer durante uma viagem vai selecionar bem o que quer registrar, porém a facilidade de registrar milhares de fotos em um pequeno cartão de memória também facilita bastante na hora de buscar uma boa imagem.

Temos o direito de errar ‘n’ vezes, testar o melhor ângulo, fazer montagens – que podem ser bem mais criativas do que fingir que segura a torre de Pisa –, aderir à moda de reencenar fotos antigas e ver a ação do tempo, fazer pequenos stop motions trabalhosos e divertidos, etc.

Para além da diversão, existe também uma relevância histórica para as fotografias. Várias cidades europeias foram reconstruídas após a guerra com base em registros fotográficos, o uso profissional faz com que a análise de uma foto possa substituir uma longa e desgastante viagem para uma análise presencial, além da junção de fotografias digitais com a internet, que facilitou absurdamente o contato com o que não podemos conferir pessoalmente.

O exagero existe sempre e não atinge somente as fotografias. Assim como ainda existem pessoas que atendem ao celular dentro do teatro ou enquanto dirigem, existem pessoas que insistem em tirar foto em local inapropriado, sem nem se dar conta de que estão atrapalhando muita gente para conseguir uma foto ruim e sem sentido. É um ônus superado pelo bônus.

Acho um grande privilégio poder andar com uma máquina fotográfica no bolso, com um filme infinito que é revelado no instante do clique. Alguns lamentam que não existem mais a expectativa pela foto revelada, a espera para ver o resultado, etc. Eu nunca entendi muito bem esse saudosismo pela angústia, mas de qualquer forma acho um preço muito baixo a pagar pelo benefício da fotografia disseminada com extrema facilidade.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Eu te amo... já??!

E daí que um amigo super querido que não tinha como um dos principais objetivos começar a namorar, foi arrebatado por uma inesperada (e talvez indesejada) paixão. Após um tempo se conhecendo decidiram começar o namoro e após duas semanas recebeu flores em casa com uma mensagem escrito "eu te amo". Compartilhando o acontecimento com os amigos em nosso grupo de mensagens, a primeira resposta foi: "Eu te amo... já?!"
E após todos terem se posicionado surpresos com a rapidez da declaração, eu apenas percebia que não vi absolutamente nada errado ou estranho nessa atitude. Porque é tão estranho assim dizer essa frase em "apenas" duas semanas? Alguém acredita de verdade que exista um período mínimo para se sentir algo? Quem nunca caiu de amores por alguém logo de cara, ou detestou alguma pessoa que nunca ao menos te cumprimentou? Quem nunca sentiu preguiça apesar do dia estar lindo lá fora ou decidiu sair pois se sentia feliz apesar da chuva?
Recentemente temos presenciado nosso país se dividir em duas opiniões distintas. Falta de respeito, intolerância, arrogância, egoísmo... todos esses sentimentos sendo disseminados só por alguém se dizer de direita ou esquerda. E dizer que se ama alguém é o que assusta e nos surpreende? É o amor que precisa ser experimentado e testado antes de se declarar? Os outros sentimentos não, mas o amor deve esperar um tempo?
"Eu não vejo precipitação nenhuma no "eu te amo". Não entendo porque as pessoas vêem nele um período de experiencia necessário para se declarar a certeza. O amor é um sentimento como os outros e um dos mais instantâneos de se identificar, só que as pessoas preferem dar um prazo de carência como se precisassem verificar a exatidão dele. Se você sentiu, ele é real. não interessa se foi no primeiro minuto ou só dez meses depois. Essa frase não devia nunca assustar, pelo contrário, já que se trata de algo que só traz o bem. Admiro e respeito muito as pessoas que verbalizam seus sentimentos independente dos pesos (inexistentes) que as pessoas põe neles."
Dito tudo isso meu amigo se "defendeu" dizendo não concordar e só o que ficou na minha memória foi ele afirmando não acreditar que o amor seja um sentimento tão puro assim. Bem... eu continuo amando meu migo do mesmo jeito, mas perceber que vivo em um mundo onde o racional sufoca nossas emoções e desacredita o que eu creio ter o poder de curar esse mundo doente vai certamente me render algumas sessões de terapia.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

"Papai, sonhei que eu estava de muletas"


Estranhamente risonha e agitada ao acordar bem cedo naquele dia, a filha deixou de lado sua costumeira manha e sonolência de quase todas as manhãs pra bater um papo gostoso com o pai, daqueles papos de dar até vontade de atrasar os compromissos do dia só pra continuar a conversa. Mas o que mais chamou a atenção do pai foi a empolgação dela por algo inusitado, contar pro pai o sonho que ela teve, com um sorriso no rosto e com a seguinte chamada: "Papai, sonhei que eu estava de muletas!" O pai de pronto indagou "mas filha, por que felicidade em contar que você estava de muletas?" e ela respondeu "Porque foi só um sonho, pai. Não foi verdade".
Horas após aquela inusitada conversa em meio a uma manhã corrida, porém muito agradável, o pai recebe uma ligação da escola e o primeiro pensamento antes da "tia" começar a falar, foi: "que não tenha acontecido algo e que ela não precise de muletas!", e de fato não aconteceu nada grave, era "só" uma febre.
Pouco depois, ao buscar a filha na escola, ela apareceu no portão, cabisbaixa e meio triste, sem aquela disposição e empolgação que mostrara durante a manhã, mas o pai disse a ela "a febre é igual ao sonho ruim, aconteceu e vai passar" e mesmo logo no começo deste novo sonho ruim, porém real, ela segurou a ternura, se apoiou na coragem e sorriu de novo, encarando os sonhos bons e ruins que viriam a diante.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Homem-Morcegol


Vou falar logo de cara, assim você nem precisa continuar lendo se não quiser. É uma declaração controversa sobre o filme “Batman vs Superman: A Origem da Justiça”: eu não achei o Ben Affleck ruim como Batman. Ouso dizer até que gostei do Ben Affleck como Batman. Sério mesmo. Achei o filme meio chato, mas não por culpa da atuação dele.

Mas peraí, você pergunta. Gostou mesmo do Ben Affleck interpretando o Batman, você pergunta. Sim! Eu disse que era um assunto polêmico (mamilos!). E eu nem estou me referindo àquele fatídico uniforme do filme do Joel Schumacher. 

Não prefere o Christian Bale na trilogia do Christopher Nolan, você pergunta. Bom, não vou entrar no mérito dos filmes. Ele é um ótimo ator. Mas confesso que tenho um problema sério com Christian Bale interpretando o Batman. 

Por um motivo muito simples. 

Christian Bale sibila. 

Sibila. 

Si-bi-la.

O cara é um super-herói que usa uma máscara de morcego para esconder a sua identidade secreta, usa uniforme e capa, tem todo um aparato que o protege, mas quando ele abre a boca... sibila. 

Vamos lá. Batman é do sexo masculino. Batman é caucasiano. Batman não é novo nem velho. Não sei ao certo a população de Gotham, mas quantos homens brancos na faixa dos 30/40 anos têm a língua presa nessa cidade?

Mas isso não é um exagero, você pergunta. E eu te respondo lançando o seguinte desafio: imagina o Romário de Batman. O Romário usando aquela máscara preta, aquele uniforme, chegando no meio da noite e dizendo com a voz grave: “I’m Batman, peixe”. 

Então. É mais ou menos isso. 

Ben Affleck acabou de entrar no ônibus mas, por mim, já pode sentar na janela.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Do imperativo: beijar


Em dias tão ásperos
Em tempos conturbados
Em tristes cenas de dramas reais,
Em que a boca é usada para tanto maldizer.

Na estética do absurdo:
praguejar, detratar,
infamar, vituperar.
Sejamos revolucionários, pois.
Beijemo-nos.

Na boca, na face
Na fronte, no momento do entrelace.
Beijemo-nos

Com lascívia, por amizade
Com amor, transbordantes de afetuosidade.
Beijemo-nos, pois.

Entre irmãos, por protesto,
 sê amantes;
 - não como Judas -
 nunca obstantes.

Beijemo-nos





terça-feira, 12 de abril de 2016

O significado perdido

Em uma aula de português, na quinta-série, minha professora insistia que palavras, verbos, adjetivos e substantivos eram importantes porque definiam as coisas e assim todos poderiam entender o que foi dito.

Por alguma estranha razão acreditei naquilo e fui mais longe, pensei que o significado das palavras era o mesmo para todos.

Em alguma ocasião resolvi comprar um tecido para fazer um vestido, na minha mente estava resolvido, queria que fosse de cor violeta. Entrei na loja e pedi, logo a vendedora me disse:

-Violeta tipo lavanda, puxando para o roxo ou perto do azul marinho?

Não, apenas violeta.

Então ela me trouxe vários tecidos, um de cada tonalidade de violeta.

Não entendi na hora, mas hoje me dou conta que a nossa percepção da vida e das coisas, é individual e mesmo que usemos palavras para tentar definir, mesmo assim as pessoas entendem do jeito delas. Palavras têm um significado no dicionário, mas parece que cada ser humano faz suas leituras pessoais e passa por cima de definições acadêmicas.

E me vejo cada vez mais enrolada nessa teia de interpretações alheias, já me peguei na minha vida pessoal dizendo ''eu não quis dizer isso'', apenas porque eu disse azul e a pessoa entendeu azul-bebê, já recebi emails reclamando do que escrevi, eu tinha escrito branco e alguém leu ''branco-neve''. 
E não há nada que eu possa fazer a respeito, palavras dançam e cada um faz o que quiser, as interpreta da maneira que tiver vontade.

Percebo que não existe mais nenhuma corda amarrando o significado, tudo parece se adaptar a modernidade e sua rapidez que beira a demência.

Durante um ensaio um diretor me disse ''faça tal coisa'' e eu fiquei meia hora ali perguntando ''mas tal coisa é isso ou aquilo?''  e depois desse tempo respondendo, tentando me explicar, ele se cansou e disse ''faça o que tiver entendido, não posso te explicar mais nada porque sou responsável pelo que digo, não pelo o que você escuta''.

É, chegamos nesse ponto, não somos mais responsáveis pelo significado das palavras, cada um entende o que quiser, apesar das nossas explicações. 
A vida é assim, às vezes nem as palavras têm mais o significado que tinham.



Iara De Dupont



segunda-feira, 11 de abril de 2016

Poesias & Poemas de Outrem

Me admiro quando vejo que outros poetas escrevam tão bem aquilo que eu gostaria de ter escrito. Descrevem nas mesmas palavras que conheço, mas com um significado único que me parece ser impossível ser escrito por mim.
Como assim? Como podem ser tão bons? Escrevem com tanta alma, com tanto peso de sentimento que me espanta!
Parece prepotência e despeito, pode até ser que seja um pouco. Talvez um pouco de ousadia e desrespeito blasfemar em silêncio:
"Queria eu ter te escrito, caro poema, mas quem lhe escreveu foi outro. Me orgulho por ele tê-lo feito, ainda melhor do que eu seria capaz... Será?"
Mas por fim, até que todo esse pensamento chulo e parco se finalize, já reli teus desabafos e virtudes mais de quinze vezes.

domingo, 10 de abril de 2016

Então, quem foi?

Eu ainda acho muito esquisito essas pessoas que acham que a culpa é sempre de alguém.
Basta algo dar errado e pronto já está ali o dedo apontado quase que imediatamente ao culpado.
Aprendi que em grande maioria das vezes ninguém erra sozinho...
A dificuldade de se assumir errado vem do orgulho e da mágoa causada pelo erro. 
Há de se ter maturidade para entender a culpa de ambos lados.
Há de se ter maturidade para entender quando o erro é só seu.
Enquanto tem os que não assumem de jeito nenhum o erro cometido, tem os que assumem um comboio de erros sozinhos aguentam o que vier, olhos, falas, risos, críticas e tudo que um erro trás consigo.
Antes eu achava que esses também eram imaturos até ouvir:
"Deixei que pensassem assim primeiro por que não importa o que eu fale serei sempre a errada, segundo é que assumindo toda a culpa eu não preciso ter o cansaço de brigar, assumindo toda culpa tenho paz."
Sempre pensei que as pessoas deveriam sim se defender com isso, nunca havia pensado na canseira que na maioria das vezes é...  Logo conclui que sim, há uma paz em ser culpada.
Reparem, quando a pessoa se acha certa ela explica e justifica milhares de vezes o que aconteceu para que as outras pessoas acreditem ou concordem.
Já a culpada só diz: Eu tenho culpa!
E isso, geralmente já é o suficiente para quem esta ouvindo, geralmente a pessoa já sabe todos os motivos da culpa e a culpada nem precisa explicar.
Escrevendo sobre isso, pensei em quantas vezes achei um culpado e um inocente, quantas vezes fui eu , quantas vezes eu falei não ser e quantas outras me justifiquei e de nada adiantou.
Agora entendo que, quando as pessoas estão determinadas em apontar um culpado ou um inocente você tem sim mais opções além da opção de se defender.



sexta-feira, 8 de abril de 2016

Chefes, Gerentes e outras coisas.


  Como já comentei algumas vezes trabalho em um CAPS, é parecido com uma UBS, um posto de saúde, só que lá é exclusivo para tratar usuários de álcool e drogas.

  A gente não tem pronto atendimento, não atende urgência, nem emergência, só com hora marcada.

  E embora os pacientes sejam muito gente boa, os familiares normalmente não são.
  
  Essa semana chegou uma mãe com o filho usuário e queria na base do berro, que o filho fosse atendido na hora.

  Hildete, doce senhora de 60 e poucos anos, cabelos vermelhos, antiga auxiliar de dentista readaptada para a recepção, foi premiada com a doce familiar e tentava explicar a longos minutos para a mãe que o filho não seria atendido hoje.

  A mãe esgotando argumentos disse a ela:
  - Vão atender meu filho hoje, nem que eu tenha que falar com o capeta!
  Após uma breve pausa, rapidamente Hildete se levantou e foi chamar a gerente.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Caio não era uma pessoa

Caio não era uma pessoa. Depois de uma manhã repleta de sonhos, a tarde veio como um soco na cara. Não, as coisas não iam tão bem como os dados laboratoriais mostravam em seus resultados. Mal tivemos tempo de comemorar aquela pequena grande vitória, parte integrante de uma batalha colossal e imprevisível. 

Imprevisível. Havíamos desconsiderado este elemento surpresa depois de trinta dias de mar calmo. Mas, como diz o ditado, um bom marinheiro só se faz com tempestade e, sendo assim, Oyá na frente, Eparrei, mãezinha! E nos empresta a sua força nesta travessia.

A noite foi longa. Sua face estava pálida, os olhos vacilavam. Ela perguntava durante os quilômetros que nos alargavam a chegada: “Você está comigo?”. E Ele respondia que sim. A ideia do ponto de chegada representar o fim da tormenta e início da boa nova foi se dissolvendo ao poucos, até desaguar por completo sobre nossas cabeças. Não havia muito o que ser feito ali. A noite passou lentamente, acompanhada por cigarros e um café ruim, fundamentais para atravessar aquele final de junho e os ecos de passos apressados que preenchiam o corredor.

Voltamos ao ponto de saída do dia anterior. Enquanto tentava descansar e esquecer aquela noite, chegou até a mim vestígios de uma conversa: “Vamos ao Caio?”. Caio? Quem seria ele? “Acredito que será melhor. Vamos arrumar uma muda de roupa e seguir viagem”. Caio? Eu não o conhecia. Nos receberia em sua casa por alguns dias? Teria ele a cura? Seria ele a cura?

Caio não era uma pessoa. Isso eu só descobriria exatos 400 quilômetros depois. O trajeto, longo por sua condição geográfica, não foi tão lento como a ansiedade havia, copiosamente, sugerido. Apesar de, tudo ia bem, em breve estaríamos no Caio, o que parecia uma grande solução ou, ao menos, um grande motivo de fé. Um pouco mais de três horas depois começamos a avistar grandes edifícios e pontinhos alaranjados iluminando dezenas, centenas, milhares de ruas. Caio morava em uma capital. Seria divertido passear por ali alguns dias em um contexto diferente, pensei.

Caio morava em uma avenida importante, chamada Dr. Arnaldo. Isto ninguém me falou, observei pela imponência de algumas construções e pelo movimento naquele horário da noite. Já passava das nove horas. Em frente ao edifício do Caio havia bancas de flores. Era possível observar flores de todas as cores e espécies, e, atrás das bancas, o topo de alguns monumentos antigos, resguardados por um longo muro. Ao olhar estes monumentos um frio visceral percorreu meu corpo. Que piada de mau gosto haver um cemitério logo ali, tão perto do nosso destino. Respirei fundo e o carro estacionou em frente ao edifício.

Havia, no piso baixo, três amplas salas. Todas elas superlotadas. Em algumas partes era possível encontrar famílias inteiras, com olhos marejados de tristeza e cansaço. Ele e Ela já sabiam qual dessas salas levavam até o Caio e me limitei a segui-los, sem fazer perguntas. Estávamos todos apreensivos, cada um com seus sigilosos motivos que não deveriam ser compartilhados.

Caio não era uma pessoa. Na terceira sala, ali estava ele: C.A.I.O. Uma sigla. Não era um curandeiro, não era um amigo. Era o Centro de Atendimento de Intercorrências Oncológicas. 
C.A.I.O.
Havia neste centro muita coisa: pessoas, medo, dor. Havia muita espera(nça).


quarta-feira, 6 de abril de 2016

Acordares: 10h13


No ano de 2015 criei a série de poemas "Acordares". São oito poemas sobre as primeiras impressões do dia.

Agora em 2016 fui convidada a participar da série #aoamor, na qual poetizas e poetas foram convidados a recitar um poema de amor e ganharam uma música de sua escolha interpretada pelo cantor Fabricio Zazanella. 

Segue o vídeo "Acordares: 10h13". 



segunda-feira, 4 de abril de 2016

O dia em que eu chorei em frente à TV

São Paulo, 26 de julho de 2013.


Querido diário, hoje eu chorei em frente à TV, mesmo tão acostumado com as más notícias, com as injustiças e desenganos mundanos que passam diariamente, chorei. Chorei, pois vi um pai de família sendo comunicado não por um amigo, um familiar, mas pela polícia de um incidente com sua amada esposa, que havia concebido seu único filho há pelo menos um ano. Uma esposa que estava voltando para casa no meio da tarde, do seu emprego de doméstica do outro lado da cidade e de repente é assassinada por alguém que a ameaçou através de um bilhetinho uma semana antes do assassinato. Chorei pela mulher, pelo bebê, mas principalmente pelo marido que estava trabalhando no momento, esperando chegar em casa e ser recebido pela família após um dia cansativo que todos nós temos que aguentar. Chorei por não existir consolo algum, além do tempo, imaginando quanto tempo é preciso pra cicatrizar aquela ferida. Não a ferida no meio da cabeça da mulher que estava a sangrar e estiraçada no chão da sua própria rua - tão breve e tão cruel forma de morrer - e sim da ferida no coração dos familiares e amigos que a conheciam e hoje não podem lhe dar um abraço, um beijo, um simples bom dia, boa tarde ou boa noite. O marido disse: “_Gostaria pelo menos de dizer Adeus pra ela, deixa-la ver mais uma vez nossa bebê, e dizer que a amava.” Refleti que a morte nem sempre lhe dá o direito de se despedir, mas a vida sim. Hoje no almoço só teve saudade e solidão, todos reunidos numa sala, com a nossa senhora embrulhada, entregue numa caixa grande e amadeirada sem laço de cetim e o presente parece que não tinha destinatário além do céu - para os cristãos de boa fé. Tirando isso, só restou uma enxurrada de lágrimas e lamentações, alguns causos e recordações que provavelmente se estenderão entre o circulo de entes queridos e conhecidos da moribunda nos dias seguinte. Então, imaginei por algum instante, um leão saindo pra caçar e quando voltou encontrou a leoa morta, e o pequeno leãozinho desamparado. Enfurecido, pensou em sair pelo mundo em busca do assassino, destruindo tudo e todos a fim de encontra-lo e se vingar, subitamente lhe incorreu que se não mantivesse a calma deixaria o pobre filho sozinho na selva, sem sustento, sem alimentação sem proteção. Por instinto, resolveu proteger os que ainda estão vivos e dependem dele para sobreviver. Logo ele, o tão admirado e idolatrado leão, se viu impotente e frágil como todos os outros. Muitos se encontram na pele desse leão diariamente, fazendo o possível para manter a casa, para progredir, para oferecer o melhor, pelo outro e por si mesmo. E em um belo dia quando chegarmos em nossa casa pode ocorrer de um animal qualquer tirar nossas crias, nossos parceiros e nossos sonhos. E nós não temos o direito de enlouquecer, a escola da vida não permite faltar um dia se quer, se não cumprirmos nossos deveres, fazermos nossas tarefas e mantermos a disciplina, seremos tristemente reprovados. O mundo é esse manicômio a céu aberto onde muitas vezes a criança chora e a mãe não vê. Certamente é preciso olhar para frente e colocar os pés no chão. Se hoje quando esse homem colocou os pés para fora de casa soubesse que sua esposa iria falecer, tudo seria diferente. Todos seus esforços e dedicação estariam pautados para impedir que isso acontecesse, qualquer segundo ao seu lado aproveitaria como se fosse o último instante. E o pior de tudo, é que já sabemos que uma hora ou outra alguém vai morrer, ou nós vamos morrer, a ciência já comprovou que para nos manter vivos o próprio cérebro ignora a morte, assim como nosso cérebro ignora o nosso nariz mesmo ele estando diante dos nossos olhos o tempo inteiro. Muitos de nós temos essa capacidade de conviver com um destino pré-determinado sem enlouquecer, outros simplesmente enlouquecem de vez. E imaginar isso é triste, assim como é triste não fazer valer a pena viver. O que me remeteu à seguinte frase, do filme Escola da vida: “É preciso menos que a morte para matar um homem”. Ao final da reportagem, olhei pros lados e vi que na maioria das situações dessa vida, ou seguramos nossas próprias lágrimas, lavamos o rosto e seguimos em frente, ou simplesmente nos afogamos em prantos e nos torturamos com a melancolia cotidiana de “amorrecer” dia após dia, vida após vida. Então, desliguei a Tv, e mesmo com todos esses animais soltos lá fora, sai de casa e fui fazer valer a pena estar aqui. Em um adesivo colado na janela do vagão do metrô, seguindo pela linha verde, eu li: Ainda há tempo.  



domingo, 3 de abril de 2016

Jogando o corpo no mundo

            A estrada vicia. Ela tem o surpreendente sabor do inusitado. As cores, os aromas, as texturas, os temperos, a temperatura, os animais, as pessoas e todos os detalhes que marcam cada lugar que passo. Percebo as pessoas me olhando enquanto ando despojadamente pelas ruas, com o chinelo que carrega marcas de tantos outros lugares. Sigo em passos soltos, sem pressa, sem roteiro.
Ninguém sabe se estou indo ou voltando, nem onde finco minhas raízes. Tudo bem, às vezes, nem eu tenho essas respostas. Não traço rotas. Esqueço de olhar as horas. Não sei ao certo qual meu ponto no trajeto. Não importa de onde eu vim e para onde vou. É me perdendo pelas ruas que eu me encontro comigo mesma.
É tanta vida acontecendo simultaneamente! O que fica é a troca que surge no meio do caminho. São as pegadas que deixo na areia, que logo serão apagadas para sempre. É essa mesma areia que irei carregar no meu caderno, em que eternizei tudo o que aqui senti. Não é a distância percorrida, mas as histórias vividas que ficarão para sempre. É na poesia que surge em cada esquina, na mistura de pessoas e músicas distintas, na cerveja barata de cada boemia, vendo a noite virar dia, que eu sei que estou exatamente aonde deveria estar: jogando o meu corpo no mundo, criando poesia.


E que tudo sempre vire poesia...

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Primeiro de Abril- 2025


“Caminhando pela rua, observo um pedaço de pano vermelho. Difícil imaginar se está manchado de sangue vivo, ou se é apenas um resto da vestimenta de alguém do “Movimento pela Liberdade Cromática”. Já fazem sete anos que eu queimei todas as minhas roupas de tom escarlate. Chego ao meu emprego, 10 minutos atrasado. O segurança me olha torto, como se procurasse alguma razão para me denunciar. Depois de um minuto de inspeção, ele me deixa entrar. Entro durante o hino nacional. Abro e fecho a boca no ritmo e espero acabar.
O trabalho é o mesmo tédio de sempre. Preencho documentos, alimento planilhas e ouço o mesmo papo de sempre dos chefes e colegas. Alguns comentam que o segundo mandato do Mito está indo bem. Eu apenas sorrio e concordo. Fim de expediente e eu volto rpa casa. Ainda não são 19h00, mas eu vejo as pessoas voltando para casa assustadas, e os cadetes da PM olhando com atenção. Dois universitários vem andando, um deles carrega um livro com “O manifesto comunista” escrito na capa. Eu percebo o que vai acontecer e olho para o outro lado. O som do impacto da borracha em carne me dá náuseas. Foco meu olhar no chão e continuo andando.  O sangue que espirra no meu sapato parece molho de tomate. Os gritos já são rotina

Em casa, eu me sento e assisto na TV as retrospectivas dos anos de 2016 e 2017. A queda do partido que ficou conhecido como “ A encarnação da corrupção” , a ascenção do grupo que iria Endireitar o país. Em seguida as “Jornadas do Pato Amarelo”, como ficou conhecido o  momento em que uma coalizão de empresas e partidos (de todas as “posições” políticas”, inclusive aquele “da corrupção” e aqueles outros dois que se opunham a esse também) apoiaram o fim da CLT e as normas terceirizadoras. Pra mim isso é tão abstrato, eu nem sei bem como era quando as pessoas conheciam o patrão de verdade. Comecei a trabalhar em 2018, aos 15 anos. Tarde para os padrões atuais, eu sei.

Durmo e acordo desesperado, pensando que estou muito atrasado. Penso um segundo e me lembro que é sábado. Eu poderia ir ver algum desfile, ou ir ao cinema, mas a maior parte dos filmes que eu gostaria de ver foram barrados pelo Comitê Moral e Cívico. Bem, dormir é sempre bom. Acordo às 16h00 , e vejo um pronunciamente do presidente Mitológico na tv. Ele informa que a partir de hoje  os atos de “pederastia” como ele chama o comportamento homossexual são considerados válidos para demissão por justa causa, puníveis com pagamento de multa e, em caso de reincidência, com prisão temporária. Engasgo-me com a água que estava bebendo. O programa nem acabou e meu celular pisca com uma mensagem no Bra-Zap. Bernardo informa que está fugindo para o Chile.  Diz que não pode se arriscar a me levar junto.

Sento-me , pego um pedaço de papel reciclado e um lápis 2b. Escrevo: “Motivos para continuar vivo - “ e penso. Começo a escrever Bernar… Risco. Penso em meu emprego. Penso em minha família, que eu não sei se está viva. Abro a gaveta e pego a faca.
Cortar o papel é o primeiro passo. A carótida não deve ser muito mais difícil.”

Meus sinceros desejos para que isso seja, para sempre, uma mentira de primeiro de Abril.