domingo, 28 de junho de 2009

O Preço do Sossego

Tarde de sexta-feira, fim de férias. Esses últimos dias parecem passar tão rápido que são perfeitos para não se fazer nada. Tentar resolver tudo em um dia só apenas torna a sensação de tédio ainda mais forte.

Pegou a bicicleta para dar uma volta, lembrando que a ganhou de seu pai num aniversário qualquer há muitos anos. Talvez, nem tantos anos assim, mas parecia que por um longo tempo que não ganhava nada novo. Aquela bicicleta poderia ter sido o último presente que recebeu, mas ele não se recordaria.

Com um misto de saudade e senso de obrigação com sua consciência, foi visitar a casa do pai, como surpresa. Imaginou a sensação do velho de ver o filho ali, disposto a passar a tarde com ele. Por outro lado, viu a possibilidade de ele não estar ali. Nesse caso, poderia subir, assistir TV e acender um cigarro.

O caminho era curto, os pensamentos soltos, em poucas pedaladas, estava ali, em frente ao prédio. Não lembrava o número do apartamento. Sentiu vergonha. Como poderia não saber onde seu pai morava? Ligou para a irmã que afirmou: apartamento 25. Tocou. Sem resposta. Tocou novamente. Uma voz de mulher atendeu. Um susto. Ficou mudo, paralisado. “Alô, alô, quem ta aí?”, ela disse. Ele pegou a bicicleta e deu meia-volta, sem responder. Sempre soube que seu pai poderia estar com outra pessoa, mas não há nada como ouvir a voz que por tanto tempo imaginou. Era a voz da outra. Ela não era um demônio, um monstro ou algum tipo de vilã de desenho animado. Era alguém que atendia ao interfone, falando "alô" como qualquer um. Como sua mãe faria.

Desde o começo, ele se recusou a conhecê-la, por orgulho e por preservação. Não é um defensor da moral e dos bons costumes, mas se negava a aceitar como aquilo havia começado. Um caso que tinha que terminar, e ponto. Não sabia como lidar em ver seu pai com outra mulher, fazendo planos, trocando risos e olhares, coisa que ele não via há tanto tempo em sua própria casa.

Sentiu pena do pai, que não via sua nova vida aceita pelos filhos. Pena de sua mãe, que ainda tinha esperança que os dois pudessem voltar, para tentar, mais uma vez, ser o que nunca foram. Pena de si mesmo, por ter que aceitar que não havia como negar. Algo mudou, se não tudo. Quase tudo. Aquela bicicleta não mudou. Por mais que houvesse uma ferrugem ou outra que insistisse em corroer a estrutura, ela permanecia em pé, funcional, segura. Foi um presente de aniversário, há muitos anos. Mas ainda era um presente, por todos os aniversários.

Ele se lembrava, sim, de quando ganhou a bicicleta. Foi aos 12 anos, era uma noite de calor de julho, com toda a família em sua casa. A camiseta que vestia era vermelha, sua primeira calça jeans e all-star azul, desamarrado. Ele ia tropeçar, sua mãe disse. Não tropeçou. O cheiro de bolo de chocolate, de vela queimada, de bala de coco, de crianças alegres. Ah, ele lembrava, sim. Só fingia não lembrar para tornar mais fácil suportar a dor de saber que aquilo tudo não iria voltar.

Era melhor voltar para casa. Podia chegar ali e contar para sua mãe sobre o que tinha visto. Não há nada como a verdade para nos fazer acordar. Ela iria ouvir por alguns minutos, chorar por algumas horas e se entristecer por uma vida toda que não volta mais. Não parecia bom ter essa conversa. Calculou o preço da honestidade e viu que o resultado era negativo. O silêncio paga a prazo, a verdade é à vista. . Melhor, o silêncio, por hoje. Era o preço da bicicleta. Era o preço do sossego. Quanto vale o teu silêncio?

7 comentários:

  1. Lindo texto, me identifiquei bastante...
    Parabéns.
    bjo.

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  2. As lembranças de infância, que ficam flutuando por aí e que dá para serem seguradas entre os dedos e...

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  3. gostei muito do seu lado b, felipe. ( ou seria o outro lado, o b?).
    Já me vi algumas vezes nessa situação, e é bem confuso mesmo. Seria mais legal se os pais fossem herois como nos filmes, tipo aquele do lutador, do stallone. Qual mesmo o nome? esqueci. Rock? Falcao? Acho que Falcao.

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  4. O meu silêncio vale muito já que é uma rariadade em mim!!!

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  5. Foda demais. A sinceridade seria dolorosa e a mentira, como logo ela será ou foi descoberta, também dolorosa demais.

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  6. como eu já disse aqui antes, o silêncio anda cada vez mais raro. por isso mesmo é cada vez mais precioso.

    acho até que nem sempre o silêncio paga a prazo: às vezes é certeiro e afiado...

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  7. Eu lembro exatamente do dia em que perdi a última ilusão sobre o meu pai. E não houve silêncio. O grande vazio de se sentir completamente só.

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