Ponto de Partida
Alana subiu no ônibus com o pé direito. Gostava de seguir preceitos de sorte, como se fosse um joguete, algo que não necessariamente fazia bem. Mas quem poderia afirmar com exatidão?
Era comum ela ser a terceira ou quarta passageira a entrar no ônibus 4010. Também era comum conseguir sentar no quinto banco, do lado direito, na janela. Infelizmente, era comum que, no ponto de saída do 4010, o ônibus já ficasse cheio e, em poucas paradas, lotado. O sacolejar do ônibus fazia com que o sono interrompido às 5h da manhã quisesse voltar ao corpo, contrastando com o brilho das telas de celulares, enviando os primeiros "bom dia" e dando início às conversas diárias.
Para Alana, o momento era de leitura. Embalava viagens nas horas de deslocamento até o trabalho e era tão precioso que a moça caminhava tranquilamente a distância de cinco pontos da parada mais próxima de sua casa, na necessidade de ler pela manhã e conseguir o almejado lugar sentado, que todos os passageiros sonham. Por algum tempo, ela leu de pé; as inviabilidades eram diversas, como segurar o livro e segurar-se, ler com os braços dos outros cortando o campo de visão e, principalmente, a agressividade ao passarem por ela, em um "com licença" mal-educado, como se ele estivesse comendo carne em um restaurante vegetariano.
Começou caminhando três pontos para trás no trajeto do ônibus, o que lhe possibilitou sentar em algum assento do corredor. Três pontos não eram assim tão absurdos; o dia já estava claro no verão, na primavera e em parte do outono, mas de todo modo o movimento no bairro já era seguro, o que mais importava. O problema é que nem sempre conseguia o seu desejado lugar sentada e tinha que disputar o corpo a corpo quando o ônibus chegava na parada. Mentalizava profundamente que o motorista a escolhesse e parasse com a porta aberta diante dela, uma honra. E assim foi por um tempo, até que um dia a insustentabilidade da empreitada chegou. Foi quando Alana, lendo um capítulo efusivo, daqueles que se precisa tomar fôlego, percebeu seus ombros pesados com o olhar de um homem, lendo suas linhas particulares. Deste dia em diante, estava decidida a sempre pegar o ônibus no seu ponto de partida e garantir um local mais discreto para suas leituras.
... continua