quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Sobre patotas

Desde muito antes de existirem grupos de Whatsapp e antes mesmo de qualquer comunidade do Orkut, eu já gostava de me associar em grupos, formar as minhas turmas. Acho que muito disso tem a ver com o legado televisivo e com o idílio das casas na árvore dos filmes da sessão da tarde. 

O primeiro destes grupos foi o Rockfoi, quando eu estava na segunda série. Éramos apenas eu e Rodrigo, meu melhor amigo na época. Presidente ele (auto-intitulado) e "chefe" eu (porque era o que me parecia ser o mais importante depois de um presidente). Não sabíamos muito bem qual era a função da nossa "turma" mas sempre gostávamos de tentar inventar uma e nisso investíamos 98% do nosso "expediente". Com o tempo resolvemos que tínhamos vocação para editores e publicamos um livro de poesias intitulado "Poesias inventadas por Rodrigo Alves de Sousa e Felipe de Souza Monteiro", que no caso éramos nós mesmo. O livro era de poesias, mas também de entrevistas, de charadas e o que mais desse na telha, algo que poderíamos muito bem ter chamado de Fanzine, se soubéssemos o que era um Fanzine na ocasião. 

No ano seguinte, o Rodrigo mudou de horário e a amizade deu uma minguada e as atividades do Rockfoi também, até sumirem de vez. Mas demorou muito para eu criar uma nova "turma". Foi na quarta série e se chamava Spiter & Piter, algo como uma sociedade de dois irmãos gringos, mas era só eu e o Zé Luiz mesmo. Pobre Zé Luiz. Ele claramente não queria estar metido naquilo, mas eu não lhe dava escolhas. Motivado pela vocação editorial de minha investida coletiva anterior, decidi que mais uma vez escreveria livros, só que dessa vez seria algo mais sério, com muitos títulos (todos de terror) e teria até um selo com nossa marca colado na quarta capa (eu desenhava numa folha de caderno um círculo escrito "Spiter & Piter" em volta, recortava e colava nos livros. A maioria dos livros era escrita, ilustrada, diagramada e lida só por mim mesmo (algo como este blog é hoje), mas de vez em quando eu assinava como Zé Luiz para eu não pensar que fazia tudo sozinho. O Zé nunca se importou (pensando bem, eu nem sei de verdade se ele sabia que fazia parte da turma). 

Na quinta série eu mudei de ramo. Agora eu era compositor de paródias de um grupo chamado "Los espanholes", assim com H no meio mesmo, e não me pergunte o porquê do espanholismo. Agora éramos um grupo de verdade, umas 4 pessoas contando comigo e com minha irmã. Na verdade, eu continuava como único autor, já que era eu quem compunha todas as letras, mas ao menos os outros me ajudavam nas melodias e na cantoria. Acho que aquela coisa de ter muitos professores num ano só me desnorteou tanto que eu precisava me expressar de alguma maneira, nem que fosse para achincalhar os professores, nem que fosse somente para mim mesmo, para minha irmã, para o Tonhão e para a Bruna (ok, preciso ser franco, estes dois últimos eram só participações especiais) (bem raras) (ok, eu nem se eles existiam).

Depois disso foi um grande hiato sem turmas, ao menos sem nenhuma "institucionalizada", acho que eu fui ficando mais habilidoso na arte de fazer amigos e as turmas foram se diluindo umas nas outras e eu não via mais necessidade de dar nomes a cada nova ramificação que surgia. Mas não por muito tempo. Já passados dos vinte vieram a Pipoca Verborrágica, os Tertuliadores e mesmo, por que não, este resistente Blog das 30 Pessoas. 

Não sei porque me lembrei disso. Talvez seja só saudosismo, talvez seja uma crise da meia idade (absurdamente precoce, é preciso que se diga) ou talvez tenha sido porque me dei conta, que nos tristes dias em que vivemos, não há forma segura de sobreviver se não nos unirmos em boas patotas...

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Feijão em pote de sorvete

De todos os perigos que nos cercam em pleno século 21, o que mais me aflige é a possibilidade de pegar o pote de um delicioso sorvete e dar de cara com aquele feijão congelado há meses.

Não menosprezo o feijão. Talvez a culpa seja do pote. Falta transparência, mas sobretudo tecnologia para solucionar um problema tão antigo. Pior, ao invés de resolvermos a confusão, estendemos essa possibilidade para as pessoas.

Percebi isso observando o tio Alcínio, que como bom piadista adorava dizer às crianças que havia sorvete no congelador, mesmo sabendo que era feijão, somente para ver a frustração dos pequenos.

Tio Alcínio afirmava ser um democrata. Rechaçava os males do nazismo e não abria mão de escolher um governante – por isso mesmo se recusava a aceitar qualquer resultado eleitoral que não estivesse de acordo com sua escolha.

Quase sempre bem-humorado, aquele senhor que seria incapaz de fazer mal a uma mosca defendia a liberdade de andar despreocupado pela cidade. Por isso mesmo, dizia, era a favor de uma polícia que atirasse para matar quem quer que ameaçasse essa paz tibetana.

Em meio a gargalhadas, tio Alcínio se orgulhava em tolerar as diferenças. Cada um que fosse como quisesse, desde que bem longe daqui, afirmava cada vez mais vermelho, de preferência do outro lado do Atlântico, ofegava já sem fôlego pela crise de riso.

Para suas piadas sempre buscava a concordância da secretária do lar. A senhora, cujo vocabulário se restringia ao ‘sim, senhor’, trabalhava lá desde os 14 anos. Era praticamente da família, faltando para isso somente o direito à herança.

Tio Alcínio. Um democrata cristão. Como toda metáfora, compará-lo com o feijão no pote de sorvete é limitado. A pobre leguminosa pode decepcionar, mas tem seu valor. Qualquer nutricionista afirmaria ser melhor para a saúde o que um sorvete rico em açúcares e gorduras. Mas a decepção...

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Meu Pé de Abacate.

  Comi um abacate e guardei a semente. Coloquei num copo com água até crescer raiz e ganhar tamanho. Replantei em um vaso na calçada, e assim passaram alguns anos.

Semana passada, quando acordei vi um rapaz, provavelmente morador de rua, aguachado remexendo o vaso com as mãos.

No susto perguntei:
-Moço, o que você está fazendo?!
Ele se virou com calma:
-Estou tirando a arvore daqui para plantar no parque, ela tá pedindo, tá morrendo.
Eu concordei, ele estava certo.
Em seguida ele me perguntou do que que era, e depois me pedir desculpas pelo susto, ajeitou o vaso,  limpou o chão e saiu enrolado no seu lençol, com a muda descendo a rua.
Eu ainda tentei perguntar em que parque, pensando em visitá-la, mas ele não sou explicar bem.
Eu tinha me apegado um pouco na muda e cuidado, mas era besteira achar que era minha, ou que qualquer coisa seja.



  Das centenas de pessoas que passam na minha calçada nunca ninguém se importou com o abacateiro e seu bem estar.
Besteira essa de meu vaso, minha casa, meu carro, meu marido, meu, meu...Nem a vida é bem minha. Pronomezinho traiçoeiro. Será que se a gente se intrometesse mais, as calçadas estariam mais bonitas, os filhos mais bem educados?

A mim parece que os ricos se importam com o ser, a classe média com o ter e os pobres com o usar. Claramente dois em três estão errados.