sábado, 20 de fevereiro de 2021

Carnaval é liberdade


Em um dos meus primeiros textos nesse espaço, afirmei que não gosto de carnaval – essas bobagens que a gente fala e depois de um tempo percebe que não faz sentido. Segui contando sobre um ano em que aproveitei os cinco dias para me dedicar a um livro desses que mudam nossas vidas. Não me dei conta de que só pude me dedicar ao livro em tempo integral justamente por conta do feriado. Caso contrário, seriam dias de trabalho como os outros.

Hoje percebo que gosto de carnaval. Sempre gostei. Não gosto da ideia de passar cinco dias fantasiado, pulando, esmagado em meio à multidão, mas essa é só uma das infinitas formas de aproveitar o feriado.

Carnaval é liberdade. Costumo integrar o bloco do pijama e ficar em casa. Também tem o bloco da folia, que prefere enfiar o pé na jaca. Ambos são legítimos e podem integrar um bloco em comum, o da contestação.

Nos últimos dois anos os blocos de rua ecoaram gritos de protesto e resistência contra o governo, antes mesmo da postura genocida diante da pandemia. As escolas de samba desfilaram temas políticos e criticaram o fundamentalismo religioso, que ganhou força junto ao mesmo governo genocida.

Carnaval é liberdade, que somada a toda contestação da ordem, geram reação do bloco moralista. Eles martelam que carnaval é alienação até que a mentira pareça verdade. Nos dois últimos anos o feriado foi o principal foco de resistência de um país que precisa combater patriotas.

O bloco moralista é composto por patriotas que detestam os maiores símbolos do país. São patriotas colonialistas, moldados por séculos de exploração, que hoje rejeitam a ideia do próprio país ser protagonista.

Para o bloco moralista o carnaval não deveria existir. Nem nada da cultura popular, nem as religiões de matriz africana, nem o folclore nacional. É um bloco para o qual só deveria existir o trabalho, de sol a sol, enrijecido pela reforma trabalhista que, somada ao alto índice de desemprego, obriga os trabalhadores a aceitar migalhas.

Esse ano o carnaval foi triste. Não só pela falta de blocos e desfiles. Mesmo para mim, integrante do bloco do pijama, que com ou sem pandemia teria passado os dias em casa. Esse ano não teve liberdade.

Com quase um ano de pandemia, o trabalho se adaptou. Quem pode fazer uma transição para o home office passou a trabalhar em casa. Quem não tem como adaptar as atividades é obrigado a se espremer no transporte coletivo ignorando o vírus, já que não dá para ignorar o desemprego crescente.

Esse ano só o bloco moralista festejou. Os dias de folia viraram dia de trabalho como todos os outros. Sem festa. Sem descanso. Sem protestos. Sem liberdade.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

as formigas trabalham no jardim

São Paulo, quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021.

- as formigas trabalham no jardim - Cristina Santos - post 10 - Blog das 30 pessoas - 

título: as formigas trabalham no jardim

   Na infinitude do mar noturno, compreendemos que a vida é um mistério mágico que dá medo e prazer.
- que as tempestades lavam os vulcões;
- que algumas pernas possuem vasos sem flores;
- que lagartas transformam-se em borboletas;
- que só porquê uma pessoa é fã de Friends, não significa que ela seja legal;
- que as batatas das pernas são grandes fofoqueiras,e que adoram jogar conversa fora noite adentro;
- que há o tempo de cada um e também o tempo de todos.
   Friedrich Nietzsche escreveu: "É necessário um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante".
   Como mergulhar na autodescoberta que existe no caos?
   Já que não sei nadar, então apenas me resta pedir que não apaguem as luzes, pois as formigas trabalham no jardim. 

   Oiê! Espero que estejam bem 💙
   Até o próximo post.
   Beijos,
   Cristina Santos



terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Sobre o Tempo (e o vento)

  "O Guardião do Tempo e seus Capangas Relógios" 
 Jacek Yerka


    Por vezes tenho a nítida percepção de que estou inserido no tempo. Não sei se me faço entender, eu mesmo já tentei poemas e outras tessituras, mas sempre me escapa a imagem exata para descrever essa consciência. Essa: de que estou atravessado pelo tempo. Não se trata de reconhecer a marcha da existência humana, é uma sensação sem história, sem História.

    Não sei precisar a primeira vez que fui mergulhado no Tempo. Memória é coisa fugidia, como é próprio do tempo. Talvez naquela noite, criança ainda, em que deitei num domingo, pronto para dormir, e fui passando em revista como seria aquela semana. Escola. Brincadeiras. Visitas? A ideia da rotina começou a me assombrar: a visão de que se seguiriam dias divididos entre manhã, tarde e noite, enfileirados em segunda-terça-quarta-quinta-sexta-sábado-domingo, ordenados nos mesmos doze meses dos anos passados e futuros. Naquela noite não completei meu sono. Como poderia fechar os olhos sabendo que a ordem se repetiria com pequenas variações que, ao se repetirem também, seriam somente mais um aspecto dessa gagueira do tempo.

    Lembro um dia, véspera do meu aniversário de doze anos. Estava ansioso pela data, sempre gostei de aniversário, um ano-novo pessoal que deveria ser comemorado qual feriado sagrado. Calendário, eu sei, convenções para nomear aquilo que procuro compor com imagens. Ainda assim, aniversário é, para mim, um dia suspenso, o único dia que não tem nome nem número além do nome e idade de quem sopra velas. Pois bem, naqueles onze anos e 364 dias eu tomava banho, pensava no bolo que viria logo mais, as felicitações. E na fricção do sabão com a pele, o tempo me tomou outra vez (não é essa a imagem adequada) e atentei que aquela era a última vez que eu tomaria banho tendo onze anos. E segui esse mote: a última janta, o último filme, a última risada, a última meia-noite. Enfim, a primeira palavra dos doze anos...

    Pode parecer, mas não é nostalgia nem saudade, não é um olhar para trás sempre em despedida, nem uma mirada futura cheia de planos. É a pausa, ou antes, é um pouso no presente, no que chamaria de “presente absoluto” (se ao menos coubesse no meu dizer algo permanente, uma palavra estática que descrevesse a impossível fixação cronológica). Recorro sempre à busca por uma paisagem, algo que descreva esse mergulhar. 

    Houve uma vez em que, recém-apaixonado, estava abraçado com ela, conversando amenidades. Uma folha seca desprendeu-se da árvore sob nossas cabeças e veio caindo, espiral lenta rumo ao chão. Precisava contar para ela o que aquilo representava para mim, mas me atrapalhei na tradução e meu espanto transformou-se numa piada.

    Isso tudo me vem novamente no momento em que estou debruçado na janela (tentando disfarçar o isolamento numa uma tarde fresca de verão) e um vento gelado me beija o rosto. Um vento antigo, penso. A impressão de que aquele vento passou por ali, naquele mesmo espaço onde agora só os edifícios veem distâncias. Passou em outras ocasiões, assobiando para matos, levantando redemoinhos, transportando ciscos e talvez esfriando outros rostos. O mesmo vento, como se fosse o sol sobre o mesmo planeta desde o início, um vento de milhões de anos, um vento do início do ano, um vento para o próximo século, um suspiro do tempo na minha pele. E essa ainda não é a imagem que procuro.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Mês de resultados

Olá pessoal,

Todo dia 15, temos post sobre intercâmbio no UK aqui no blog. O assunto mais comentado aqui, é a bolsa de estudos Chevening para mestrado no UK. Essa bolsa de estudos tem um calendário bem regular e fevereiro é o mês dos primeiros resultados, para aqueles que se candidataram entre setembro e novembro do ano anterior.

Essa bolsa de estudos  é extremamente competitiva. Poucos dos que se inscrevem são convidados para a entrevista, e somente 2-3% efetivamente são contemplados com a bolsa. Tudo isso para dizer que matemática/estatisticamente é absolutamente normal que muita gente tenha um resultado negativo logo na primeira fase. Dos poucos que são convidados para a entrevista, também é normal que algumas pessoas não avancem para as próximas etapas. Como já dito várias vezes aqui no blog ao longo de 2020, eu mesma já compus o grupo de pessoas que recebeu uma resposta negativa do Chevening. Foi bem frustrante receber o não inicialmente, mas depois de um tempo acabou se tornando um aprendizado enriquecedor.

O post de hoje tem o principal objetivo de dizer que o "não" faz parte do processo e é normal. O resultado negativo de um processo seletivo tão competitivo como o Chevening não diz nada sobre quem você é, não te faz uma pessoa incapaz. Na verdade, o simples fato de ter tentado, mostra que você sonha alto e tem grande projetos. Certamente se você continuar tentando, seja a bolsa Chevening de novo, outras bolsas ou qualquer outra coisa que você decida fazer na vida, você achará o seu caminho e o seu lugar no mundo. 

Para os felizardos que foram convidados para a entrevista, meus sinceros parabéns! A luta ainda não acabou e agora é hora de se preparar para a entrevista. O melhor jeito de se preparar, no meu ponto de vista, é fazer o que chamamos de "mock interview", que nada mais é do que simular a entrevista. O mais legal é convidar colegas que se passem por entrevistadores e treinar com eles. Mas se não der, treinar sozinho na frente do espelho, no chuveiro, caminhando, também funciona muito bem.

As entrevistas geralmente acontecem entre abril e maio e os resultados delas começam a ser divulgados em junho.

Para quem não passou dessa vez e deseja tentar de novo, as inscrições devem reabrir em setembro. Fique atento!


Abraços apertados (de sinto muito ou de parabéns) e até o mês que vem.
Jacque.


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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Persistir

Quando eu era pequena me diziam que nada era mais importante do que persistir.
O que é persistir em um mundo tão ralo?
Ralo porque tudo parece frágil e rápido, como se escorresse pelas nossas mãos.

As pessoas insistem: persistir é o lema dos vitoriosos.
Mas o que seria a vitória em um mundo que parece se desfazer diante de nós? Onde fica o pódio? Qual é o prêmio final?

Sinto -como muitos- que o futuro ficou ralo e se desfez. Como diz o poeta ''o futuro não é mais como era antigamente''. Não é. Em alguns momentos parece não existir.

As coisas mudaram, trocamos o futuro por ''hoje está bom''. É assim que vamos, de hoje em hoje. 
Não sinto mais a necessidade de persistir em nada, já que por ''hoje está bom''.
Persistência não funciona apenas por um dia, é preciso mantê-la por anos, mas esses anos não parecem reais, então  ''hoje'' a persistência vai para a gaveta.

É só por hoje e está bom. Lidar com um dia por vez é suficiente.
Por hoje está bom.

sábado, 6 de fevereiro de 2021

A descobertas das Tâmaras

Foi dia vinte três de dezembro de dois mil e vinte, eu experimentei tâmara pela primeira vez. 

Pode ser que não tenha sido “a” primeira vez, porque é comum esquecermos de tudo que provamos, pelo menos para pessoas que têm o hábito de provar. Sim, esse é um grande divisor de personalidades: pessoas que abrem a boca para o desconhecido e as que a fecham, para uma nova cor, textura e sabor. 

A tâmara é um teste perfeito para saber qual tipo de pessoa você é. A fruta geralmente é vendida desidratada, é mais comum encontrá-la em armazéns cerealistas do que nos mercados e sacolões, tem cor marrom escura e seca fica com a aparência enrugada. Minha mãe ao me apresenta-la fez o prenúncio mais impalatável possível:  "parece uma barata". O que não nego, parece mesmo. Por isso mesmo, é perfeita para o teste de personalidade. A gente descobre os alimentos pelos nossos cinco sentidos, talvez seja um dos poucos momentos que mais utilizamos todos eles. Na parte visual a Tâmara foi reprovada. 

Já a audição de um alimento, como seria? Aqueles tapinhas que damos com as pontas dos dedos para saber como reverbera lá dentro, se tem suco ou semente, ou quando balançamos a fruta próximo aos ouvidos. Bem, a tâmara fica prejudicada, pois retirada a sua água natural perde-se um pouco desse elemento, mas mesmo assim você não deixa de tentar. 

 O cheiro é bem fraco, quase inexistente, mas tem um leve odor adocicado. O que gera um bom prenúncio, para os amantes de açúcar, fui descobrir depois, a fruta é indicada na substituição de chocolate em dietas. 

E posso dar meu testemunho sobre essa parte: comigo funcionou direitinho. Já cheguei a comer uma barra de chocolate sozinha em poucos minutos, uma chocolatra, inveterada. Quando as pessoas ficavam assustadas com meu consumo de doces, em especial chocolate, eu tratava como algo indissociável a minha pessoa, um traço de personalidade. Nunca fiquei um só dia sem um bombom, ou bolo com cobertura, e confesso que geralmente consumia os dois e muitas vezes um pouco mais. Pois, consegui bater o recorde de vida, de dez dias sem chocolate, comendo uma tâmara por dia no lugar. Funciona! Inclusive na TPM, nesse caso, subo o consumo para duas tâmaras. 

Mas esse já é outro teste, super recomendo. Voltando ao nosso teste de personalidade, para avaliar uma comida pelo tato existem duas etapas, o por dentro e o por fora: a tâmara por fora, como já disse tem aquela característica de fruta desidratada, é como uma uva passa, mas o que a faz parecer a barata é sua casquinha que lembra o exoesqueleto do repugnante inseto, mas ao abrirmos a fruta sua textura interna é fibrosa e macia. Se você colocar ela inteira na boca é como se colocasse uma boa quantidade de chocolate na boca, lembra aquele momento que ele começa a derreter lá dentro? Essa é a textura da tâmara. 

O que nos leva ao sabor: a primeira vez que comi Tâmara, achei tão doce que comi meia, eu achei doce! A pessoa que come chocolate, mais do que bebe água. São os mistérios da degustação. 

 Fico pensando se tivesse me fechado a essa descoberta, abrir a boca aos alimentos significa se abrir para novas experiências e descobertas. Deixar de consumir tantos doces faz bem para minha saúde, mas não era algo que eu estava buscando. Eu só me permiti experimentar. E foi uma descoberta maravilhosa! 


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Banheira jazz

Vejo um espelho quebrado
Enquanto você me enrola 
Deve ser meu ego inflado 
De tanto olhar pra bola.

Reflito após um momento
Breja, boteco e alguém
Onde trocamos um dia 
Papo de um mês bem.

Fazia firula no campo 
Até perder o campeonato
Quando apagaram os holofotes
Me enxerguei de fato.

Mediocridade aceitação 
Posso sanar alguns defeitos 
Apago as luzes, veja só 
Vocês são tão perfeitos.

Ligo as luzes
Somos imperfeitos .

Volto num trem fantasma 
abandonado na estação 
Carga pesada dentro de um vagão
Saudades, problemas, fome, tesão
Brigo com os deuses da imaginação

Controlo as chamas desse corpo
Na quarta fase do ano 
Vinho seco e nós tomando banho 
Banheira, jazz, dois animais suando. 

Calor e carne da terra do Masquerano
Adoro blues, voz e violão
Se não tem cama
Transamos no chão 
Acaba o sonho
Saio do vagão.