Em um dos meus primeiros textos nesse espaço, afirmei que não gosto de carnaval – essas bobagens que a gente fala e depois de um tempo percebe que não faz sentido. Segui contando sobre um ano em que aproveitei os cinco dias para me dedicar a um livro desses que mudam nossas vidas. Não me dei conta de que só pude me dedicar ao livro em tempo integral justamente por conta do feriado. Caso contrário, seriam dias de trabalho como os outros.
Hoje percebo que gosto de carnaval. Sempre gostei. Não gosto da ideia de passar cinco dias fantasiado, pulando, esmagado em meio à multidão, mas essa é só uma das infinitas formas de aproveitar o feriado.
Carnaval é liberdade. Costumo integrar o bloco do pijama e ficar em casa. Também tem o bloco da folia, que prefere enfiar o pé na jaca. Ambos são legítimos e podem integrar um bloco em comum, o da contestação.
Nos últimos dois anos os blocos de rua ecoaram gritos de protesto e resistência contra o governo, antes mesmo da postura genocida diante da pandemia. As escolas de samba desfilaram temas políticos e criticaram o fundamentalismo religioso, que ganhou força junto ao mesmo governo genocida.
Carnaval é liberdade, que somada a toda contestação da ordem, geram reação do bloco moralista. Eles martelam que carnaval é alienação até que a mentira pareça verdade. Nos dois últimos anos o feriado foi o principal foco de resistência de um país que precisa combater patriotas.
O bloco moralista é composto por patriotas que detestam os maiores símbolos do país. São patriotas colonialistas, moldados por séculos de exploração, que hoje rejeitam a ideia do próprio país ser protagonista.
Para o bloco moralista o carnaval não deveria existir. Nem nada da cultura popular, nem as religiões de matriz africana, nem o folclore nacional. É um bloco para o qual só deveria existir o trabalho, de sol a sol, enrijecido pela reforma trabalhista que, somada ao alto índice de desemprego, obriga os trabalhadores a aceitar migalhas.
Esse ano o carnaval foi triste. Não só pela falta de blocos e desfiles. Mesmo para mim, integrante do bloco do pijama, que com ou sem pandemia teria passado os dias em casa. Esse ano não teve liberdade.
Com quase um ano de pandemia, o trabalho se adaptou. Quem pode fazer uma transição para o home office passou a trabalhar em casa. Quem não tem como adaptar as atividades é obrigado a se espremer no transporte coletivo ignorando o vírus, já que não dá para ignorar o desemprego crescente.
Esse ano só o bloco moralista festejou. Os dias de folia viraram dia de trabalho como todos os outros. Sem festa. Sem descanso. Sem protestos. Sem liberdade.