Esse é um texto sobre o seriado Game of Thrones e contém spoilers. Se você não assiste o seriado, não leia, pode ser decepcionante por total falta de contexto. Se você não assiste o seriado e é feminazi, não leia MESMO, você não vai entender nada. Se você assiste ao seriado e é feminazi, leia, mas saiba que não irá gostar. E se você só gosta de Game of Thrones, veja só a que nível chega a interpretação equivocada de alguma coisa.
Esses dias, no Facebook – o lugar feliz onde todos tem sua opinião respeitada (levando em consideração que “opinião” e “discurso de ódio” possuem linhas bem tênues a partir do momento em que você escreve “[coloque aqui o tema em pauta] merece morrer”) eu li uma crítica de uma amiga ao seriado Game of Thrones, do qual sou definitivamente viciado. Disse ela que os diretores estão “fazendo merda” dos livros, já que o seriado tornou-se “machista e racista”, “em oposição” aos livros. Argumentei com ela que ela estava indo longe demais no ponto de vista dela, que não era fácil trazer o ponto de vista de um personagem (o livro é escrito a partir do ponto de vista de personagens-chave para o entendimento da trama) para uma cena em terceira pessoa, que aquilo que é lido a partir do ponto de vista de alguém pode ser, em uma outra ótica, algo totalmente diferente. Ela contra-argumentou que não, que era racismo e sexismo e machismo e pronto.
O-kay. Ela é minha amiga para além de suas opiniões. Não dou crédito a pequenas discordâncias em relação a um todo que vale tanto a pena.
Mas confesso que meu sangue ferveu quando uma qualquer começou a comentar a conversa, me chamando de machista (!), dizendo que eu estava errado, que eu acreditava que a única opinião que valia era a minha (!!!) e querendo defender o [ATENÇÃO! OS SPOILERS COMEÇAM AQUI!] (supostíssimo) “estupro” de Cersei Lannister pelo seu irmão, Jaime Lannister, diante do velório do filho recém assassinado, envenenado, na festa do seu próprio casamento.
Retire a palavra estupro e troque por relação sexual. Leia a frase de novo. Consegue perceber o nível macabro da cena, ainda assim? Ok. Precisa da palavra estupro para a cena ser bizarra? Não, Sim? Esse ponto de vista será necessário mais à frente.
A série Game of Thrones (baseada n’As Crônicas de Gelo e Fogo, de George RR Martin, citado a partir de agora como GRRM) nunca foi uma série para pessoas de estômago fraco e sensibilidade extrema. Para começar, o caos se instala na história devido a uma criança, Bran Stark, ter sido testemunha da relação incestuosa entre os irmãos gêmeos Cersei e Jaime Lannister. Uma relação proibida que custou a Bran as pernas, mas poderia ter custado a vida – ele foi jogado da torre onde os irmãos estavam tendo relações pelo Jaime, entrou em coma e voltou a si paraplégico.
Mortes (das mais variadas e surpreendentes formas), saques, torturas, sexo exacerbado. Mas também magia, valores, beleza, honra. Um caldeirão muito bem mexido de sentimentos e personalidades que encontramos no nosso caminho [exceto dragões. Por enquanto].
Mas não, não é uma história palatável, ainda que viciante. É tenso, é denso, é cruel, é intrincado e – pasme! – é uma história sem final feliz pré-concebido. Até o Jon Snow e a Danenerys Targaryen, que aparentemente são o gelo e o fogo do título, e o Tyrion Lannister, favorito de muitos fãs d’As Crônicas – não eu, por sinal – podem morrer. MORRER. O GRRM mata personagens como você compartilha fotos fofas ou piadinhas no Facebook. Todo o tempo.
Diante disso, desse peso todo, temos uma cena para analisar, e um caso da vida real para relembrar. E, ao final, uma reflexão a propor.
Muitos fãs se revoltaram com a cena do episódio 04x03 de Game of Thrones, na qual a cena já descrita da relação sexual entre os gêmeos ocorre no Septo de Baelor. Dentro de um templo. Na frente do cadáver do filho de ambos, recém falecido. Mas a revolta não se dá pelo contexto, já que esse está no livro. A revolta se dá porque, supostamente, o que foi ao ar não foi a cena do livro. Foi um estupro.
Minha opinião é simples, e baseada em fatos reais: a partir do momento que uma cena íntima passa para terceira pessoa, o expectador passa a ser um juiz da cena. Ele está fora, ele está em pleno poder, pois é ao mesmo tempo testemunha, advogado, promotor e juiz. Contudo, por vezes, os telespectadores mais afoitos esquecem-se que não são partícipes. Não estão nos pensamentos daqueles a quem observam. São suas testemunhas, a partir dos seus pontos de vista. Se seus pontos de vista se adequam àqueles dos participantes, ok, temos um testemunho. Se não, temos um julgamento.
Nesse caso, em especial, as pessoas que mais se revoltaram com a cena foram, dentro do meu círculo de contatos, as pessoas que tem algum tipo de relação com o feminismo. E, nesse ponto, um dos motivos pelos quais tenho ojeriza de conversar sobre esse tema é que a conversa sempre é chata e unilateral. Sério. Ainda não achei uma feminista que consiga relativizar sua opinião ao cenário. Tudo é dado, é certo, é luta contra a opressão.
Não fui só eu quem se incomodou com o ponto em que chegou a interpretação da cena. O próprio GRRM se pronunciou a respeito.
“Nos livros, Jaime não está presente quando Joffrey morre e, de fato, Cersei teme que ele mesmo esteja morto, que ela tenha perdido o filho e seu pai/amante/irmão. De repente, Jaime está diante dela. Mudado, mas ainda Jaime. Apesar de o local e de o momento serem extremamente inapropriados, e de Cersei ter medo de serem descobertos, ela o deseja tanto quanto ele.A dinâmica é muito diferente na série de TV, na qual Jaime está de volta há semanas, no mínimo, talvez há mais tempo, e Cersei e ele já estiveram na companhia um do outro em diversas ocasiões, normalmente brigando. A situação é a mesma, mas nenhum dos personagens está no mesmo local em que está nos livros. Deve ser porque Dan e David alteraram o roteiro. Mas essa é a minha visão, e nunca discutimos esta cena em particular, que eu me lembre.Além disso, escrevi a cena no livro do ponto de vista de Jaime, então o leitor estava dentro da cabeça dele, lendo seus pensamentos. Na série de TV, a câmera é por definição externa. Não se sabe o que alguém está realmente sentindo ou pensando, apenas o que estão fazendo e dizendo.Se o roteiro manteve alguns dos diálogos de Cersei dos livros, deve ter deixado uma impressão levemente diferente – mas o diálogo é basicamente moldado pelas circunstâncias do livro, ditas por uma mulher que está revendo seu amante depois de muito tempo, depois de pensar que ele havia morrido. Não tenho certeza de que isso funciona no novo roteiro.Isso é tudo o que posso dizer sobre o assunto. A cena sempre teve a intenção de ser perturbadora… Mas sinto muito se ela perturbou as pessoas pelas razões erradas.” [fonte]
Para além de qualquer comentário, está explícito na opinião do autor e responsável pela obra que não foi um estupro. Para mim, o assunto nem chegaria nesse ponto – quero mais que o GRRM escreva capítulos do Winds of Winter, não justificativas para gente que interpreta mal e interpela demais! Mas eu preciso ir mais além nesse assunto e futucar sua memória, leitor. Se você chegou até aqui, é hora de ir um pouco mais longe.
Não importa se você assiste ou não BBB, se acha uma merda ou se segue fielmente. Esse foi um episódio que revoltou as redes sociais e que teve um final para mim surpreendente.
No Big Brother Brasil 12, o casal Monique e Daniel, embriagados, foram para debaixo do edredom. Até aí, nada de mais. O “de mais” começou quando, no Twitter, cogitou-se a possibilidade de estupro, porque aparentemente a modelo não reagia.
Tava feita a bagunça.
Eu tomei contato com o assunto a partir de um ponto de vista completamente torpe. Daqueles que o acusaram, veementemente, de estupro, que a guria tinha de ser defendida, que algo assim não poderia ficar impune, que o Brasil não aceitaria isso bla bla bla guaraná de rolha.
A vida do Daniel foi destroçada ali. Ele foi expulso do programa. Tudo bem que entrar no BBB é entrar em uma roleta russa, onde você pode ser amado ou odiado e isso te marcará por um bom tempo. Mas ser injustiçado é ir longe demais.
Depois de semanas, e de ouvirem o depoimento de Monique – que, a propósito, era, para mim, a maior interessada no assunto (ou seria desinteressada? Ela foi “defendida” sem a menor necessidade!), Daniel foi inocentado.
Não sei bem do que adiantou, mas foi. Depois que sua imagem, seu instrumento de trabalho, foi destruída por um tweet.
Eu só queria saber se a pessoa que fez isso, deu o start nesse movimento destrutivo, se lembra do Daniel. Se lembra do que fez com ele. E principalmente, dorme à noite, feliz por ter feito isso.
Desejo-lhe pesadelos.
Dessa forma, queridx telespectador (usei o “x” porque é moda colocar “x” para indefinir o gênero, conforme proposto pela regra culta – uma ilustração clara do nível de ignorância que um movimento pode gerar), quando assistir uma cena que lhe ofende, não a julgue pelos outros, julgue por você mesmo: quem é você frente àquilo?. E se tiver de se manifestar, tenha a gentileza de ter noção do que está fazendo. Hoje, você se revolta contra o suposto estupro da Cersei (mas não contra o incesto da mesma nas quatro temporadas/cinco livros). Ontem, não foi você que acusou o Daniel de estupro?
Do seu anonimato, do conforto do seu sofá, da tela do seu computador, é fácil despejar o veneno de um discurso de ódio. Mas e se você estivesse no front? Seria tão ousadx? (Bendito “x”, normas de internet para se fazer compreensível... ou não.)
Por menos ódio, por mais certeza, por menos achismo, por menos acusação desnecessária. Por muito menos feminazis no mundo.
Se bem que, conforme postula Valeska... “Desejo a todas inimigas vida looonga...”
Ah, claro. Para quem achar que esse texto é uma apologia ao estupro e uma defesa aos estupradores, ou chegar ao clímax de achar que esse texto é machista, é bom ressaltar – porque se depois de um texto desse tamanho eu não consegui ser claro, eu realmente preciso escrever um post scriptum – que eu acredito que todo indivíduo tem o direito inexorável à escolha. E que deve ser apoiado em sua escolha, por aqueles que concordam com ela. E que deve ser julgado quando suas escolhas ferem diretamente a escolha de outros – em nível constitucional. Feminismo que eu apoio é aquele proposto pela Valeska Popozuda. E eu to falando sério.
É complicado ver alguém tão marginalizada sendo tão lúcida sobre um assunto que aqueles que se dizem lúcidos são tão obtusos. Ela defende a liberdade de escolha pela mulher. Não o homem como eterno protagonista da vilania contra a mulher. Parece-me lógico ampliar os horizontes do feminino. Parece-me lógico não vilanizar tacitamente o masculino pelo caminho que o feminino trilhará.
Mas, como ouvi antes, eu penso assim porque eu sou homem. E machista.
Rá. Eu ri.
Beijinho no ombro, feminazis. Que seu recalque passe longe da minha realidade.