Ouvi por esses dias a famosa frase
do artista alemão Joseph Beuys “toda pessoa é artista”. Essa ideia soaria
absurda para os Mundugumor da Nova Guiné, porque ser artista é uma condição
especial para quem nasceu com o cordão umbilical enrolado no pescoço. Isso pareceu totalmente fortuito e supersticioso? Coisa de tribo não civilizada do
outro lado do mundo?
Sim, nascemos todos artistas. Com
vontade de criar e expressar nossos sentimentos e ideias. Eu era assim também.
Eu experimentava as diferentes linguagens artísticas sem pudor e me divertia
muito com isso. A arte alivia nossas almas e nos deixa felizes. Quando
brincamos produzimos arte. Mamíferos brincam. É por isso que não nos cansamos
de brincar.
Mas como a maioria dos adultos do
mundo ocidental eu também não progredi em aptidão artística muito além do nível
atingido na infância. Meus desenhos são bem parecidos com aqueles que eu fazia
aos nove ou dez anos. Certo dia alguém me falou que eu tinha outras habilidades
e que era melhor me concentrar nelas, então sufoquei meus desejos artísticos
para conseguir me encaixar no “mundo adulto” do trabalho. Nada mais poderoso do
que uma mente convencida de que não pode fazer algo.
Confesso que ainda não consegui
desconstruir o mito do artista com talento nato. Em fóruns e grupos de
estudantes e artistas, muitos deles ficam irritados quando ouvem coisas do
tipo, porque o senso comum simplesmente ignora todo o investimento de tempo e
dinheiro para o desenvolvimento de técnicas artísticas.
Gloria - Theodore Ushev |
Chega um ponto da nossa vida que
somos confrontados com nossos demônios e dívidas do passado. Estou exatamente
em cima desse nó e um desejo latente de voltar a usar criatividade para arte
tem pulsado dentro de mim. Mas como isso agora? Aquele embaraço constrangedor
de “eu não sei, eu não sei fazer nada, tudo o que eu faço é feio”. Não importa.
Eu precisava enfrentar e então me matriculei numa oficina de desenho.
No começo, eu escondia meus
desenhos com o braço quando o professor se aproximava de mim, mas com o tempo
fui perdendo a vergonha porque ele dava o tipo de incentivo que eu necessitava
ouvir. Nada como estar num ambiente acolhedor.
Na aula seguinte, contudo, tivemos
uma sessão de modelo vivo. Eu estava com medo de parecer muito idiota porque
ainda assombrada por essa ideia de que artistas são seres de outra casta. Na
minha cabeça uma sessão com modelo vivo só seria permitida para os verdadeiros
artistas. Depois que o medo passou, uma vontade enorme de rir surgiu. O modelo
lindo, estático como um deus grego em poses clássicas e eu a maior das
impostoras! Será que ele pensa que estou retratando-o fielmente? Se ele
visse... fiquei um bom tempo com um sorrisinho de canto que sumiu quando
consegui me concentrar.
Sim, nascemos todos artistas. Esse
medo que temos dos julgamentos alheios, do ridículo é tóxico e paralisante. Finalizo
com o pensamento da cantora americana Nina Simone: “liberdade para mim é não
ter medo”.