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quarta-feira, 16 de março de 2022

A casca de nós


Nebulosa Olho de Gato / Telescópio Hubble

Duas imagens acompanham minha infância, vindas sabe-se lá de que distância do tempo ou do espaço, repetindo em ondas um anseio: quero um escritório e um laboratório. Desejava, antes mesmo de saber efetivamente as primeiras letras, que me formaria em duas profissões, ainda que não soubesse exatamente o que esses dois faziam. Não eram vontades gêmeas: escrever nasceu primeiro e não gostava da ideia de ser vontade única. Provavelmente do olhar de espanto diante da existência, inventei de ser também cientista. Entrava em silêncio reverencioso no apertado laboratório da escola pública, onde jaziam em potes de vidros diversos exemplares de cobras e sapos (creio que todo viviam na lama do brejo que servia de assento à escola).

Quando finalmente fomos morar em uma casa com um quintal lateral, meu pai providenciou um laboratório feito de madeiras velhas e papelão. Um resto de estante guardava maçarocas de folhas, misturas de produtos de limpeza e anotações de observações aleatórias. Naquele instante, escrever perdeu a força. O que interessava era descobrir do que era feito o mundo, o que havia além da lua, pensar como alguém vivia em paz sabendo de nossa pequeneza espacial, de nosso rodopiar do nada ao nada. Era disfarçada de teologia a filosofia que ameaçava nascer em mim.

Foi quando cheguei ao Fundamental II, aquele momento da escola em que uma única professora não era o suficiente para caber todo conhecimento. Surgiram disciplinas que desconhecia: física, química, biologia. Matemática. A existência dos números em meio ao X, ainda hoje é, para mim, um absurdo da linguagem. O que tem um X que se meter com números? A matemática jamais fez parada em mim, no máximo passava correndo, deixava cair uma ou outra equação que eu teimava em guardar, mas logo acabava no limbo do esquecimento. E a passagem dos anos só fez piorar minha relação com o que almejava: embora fosse ainda atraído pela ciência, ela me desprezava, com seus múltiplos braços numéricos, seus olhos de hipotenusa. A escritura ganhou velocidade e me encheu de energia, gritando: faça isso.

Muito depois, já fazendo teatro, estudando artes, rascunhando frases, descobri a poesia. E com ela (prima-irmã da filosofia que também ganhava corpo), encontrei modos de dar forma aos meus pasmos. Continuei um investigador, não mais lidando com frações, mas dançando teorias, sons e figuras. Penso que se tivesse estudado em uma escola de melhor qualidade; se tivesse mais paciência comigo e com os números; se tivesse outros tantos Se’s, talvez tivesse me tornado um cientista de exatas, um geólogo, neurocientista. Não me ocorriam as Ciências Humanas, pois nada que era humano me parecia passível de se tornar científico.  Entendia o ser humano como meio, isso é, estava entre o absolutamente minúsculo - dos átomos e bactérias – e o infinitamente gigantesco dos buracos negros e dimensões.

Nem por isso virei a cara para quem eu queria. Continuei vendo documentários, lendo artigos, livros. Chegaram a mim as falas afetivas de Carl Segan, Neil deGrasse Tyson e Stephen Hawking, físicos que beiravam a poesia quando explicavam conceitos; ao lado deles, vieram Haroldo de Campos, Ferreira Gullar, João Cabral de Melo Neto, poetas da matéria, que por vezes sopram conceitos científicos. Nessa alquimia descobri que não estava tão longe, havia uma ligação nessas relações: a escrita nasceu com a ciência, para mim, dos mesmos assombros. E esse vínculo abarcava, sobretudo, a humana percepção de saber-se travessia num mistério sem fim.

Talvez seja mesmo infinito o universo, no entanto não o tempo da vida. Foi em um dia como hoje, 14 de março, que morreu Stephen Hawking, depois de passar a maior parte da existência assolado por uma doença que o fechou fisicamente, mas expandiu sua mente para recônditos do cosmos. Morreu no mesmo dia em que, no Brasil, se comemora (ou já se comemorou? há o que se comemorar?) o Dia Nacional da Poesia. E esse vínculo, cogito, deve ser parte da teoria de tudo.

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ps: Hawkins morreu no mesmo dia em que Marielle Franco foi assassinada em plena luta. Quatro anos em que ecoa a pergunta: quem mandou matá-la?

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ps 2: para quem gosta de ler minhas crônicas, tenho publicado semanalmente crônicas curtas lá no Instagram: @tadeu_renato

 

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

O que está acontecendo

Estou parado no cais 
Onde vivia minha paz
Onde silêncio ainda fala
O que barulho não faz

Eu tava olhando para trás 
Caí de costas no mar 
Afoguei no escuro para respirar

Por sorte aprendi boiar 
Roderick Thorp duro de matar 
Tentaram me apunhalar 
Sei que vou me curar

Tenho corpo fechado, ouço uma voz
Sangue sempre quente, cabeça feroz
Sigo na luta por nós 
Quando eu caí tava a sós
Eu e meu ego, my boss

Ainda penso em viver 
Ainda vejo os faróis 
O mar ainda é algoz
O vento ainda leva minha voz 

Respirei fundo, melhor
Mergulhei, calmo pra voltar nadando 
Beirando a orla, renasci chorando 
Vocês que lutem para viver sorrindo 

Esquece, não sou mais menino 
Me reencontrei no espelho, 
Sim, estava sumido 
Via um reflexo do invisível 

Vivo questionando tudo
Abraçando a dor do mundo 
Como Banksy pintando muro
Lendo Bauman no lago sujo
Eu e Amy num mar turvo
Rehab numa house club 
Aproveitando o nada 
como se tivesse tudo
como se pudesse tudo 

Às vezes me engano muito 
De vez em quando aposto,
Venço, curto 
Se o longa ficar caro 
Lanço um curta

Não é pelo Oscar, juro 
Querem um campeão para tudo 
Todo mundo é fraco ou duro
Se faz de cego, surdo e mudo

Fantasmas sussurram segredos
A vida não acaba no escuro, amigo
Você anda tão desaparecido
O que está acontecendo contigo?









segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Iluministas

Cada tecla do piano
É uma parte do trilho
Se não te toco te dedilho

Invento palavras novas que lhe dão gatilho 
Organizada, mente, gosta que desorganizo

Barman é Bauman 
Vendedor de sonho é um livro

E se isso é um concerto
É você que me desconcerta
Um arranjo num octoecho
Muda toda orquestra

Sou desabafo  
Harmônica, até você desatina
Quando era pagão 
Tu foi bizantina 

Demasiado errados quanto Licínio 
Fomos derrotados por Constantino 
Só renascemos depois do romantismo
Éramos sol hoje somos iluminismo



sexta-feira, 4 de junho de 2021

Vacarias


Frio em vacarias 
- 4 graus lá fora

Sorte dos animais com sua fome saciada 
Olho um relógio envolto pela neblina opaca
Números fora de foco, não vejo quase nada

Piloto em serra escura
No alto um alvo nos guia
Ateu em dias de reza
Esperando chegar o dia 

Madrugada em vigília
Golzinho rasgando a noite 
Um assalto no posto 
Cabeça quente congelada no poço

Caio pra dentro do mato solto
Assassinando outro engodo
Formas de animais sem corpo 
Cabeça de homem arma de fogo

No fundo uiva um cão se achando lobo 
Vacarias no entroncamento
Olha eu aqui de novo

Vindo do norte aflito afoito 
Trocando carne pelo couro 
Pirata a deriva cego de um olho
Manco morto sem tesouro.







domingo, 9 de agosto de 2020

Memória olfativa ou Há cheiros que são poesias

O cheiro de bolo quentinho que inunda a casa a tarde, se mistura com o aroma de café recém passado, e me transporta para outro lugar, outro tempo...
Sinto aconchego, um afago na alma,
Um abraço que não vem dos braços, mas das narinas, da memória, da imaginação.
Não é apenas cheiro de bolo caseiro de laranja ainda no forno, é perfume de infância, de uma cozinha de chão de cimento queimado - que antes de ser moda, era uma solucao de baixo custo para casas populares.
De raios solares entre frestas atravessando a janela, permeando a cortina de rendas e fazendo delicados desenhos de sombras enquanto ilumina o cômodo. 
O filtro de barro, a geladeira azul, a cortina de canudilhos e a velha chaleira, apoiada no balcão.
Meus amados avós. 
O chocolate quente e as histórias de ninar que compunham meu ritual noturno.
Carinhos quentes.
O cheiro traz lembranças... Como tudo que é efêmero, impalpável. Não escorre pelas mãos, mas se dissolve no ar, flutua, eleva-se, e vai-se embora.




segunda-feira, 22 de junho de 2020

Mascarado Mundo

Num diário exercício de cegueira controlada,
nós mascaramos o mundo.
Mascaramos a falta de pão,
a falta de escola,
os gritos da vizinha que chora,
o tio violento, o presidente virulento,
o desaforo recebido, os mortos e os feridos.
Mascaramos até mesmo nosso ofício de mascarar.
Mascaramos para poder dormir tranquilos na cama quente,
para poder sair de casa com a cara limpa,
rumo a um mundo-cloroquina de respostas fáceis e pessoas felizes.

As máscaras esterilizam o mundo,
tornam as dores herméticas,
as diferenças opacas,
estampam falsos sorrisos em bocas que querem gritar,
em dentes que querem morder
em rostos que querem vazar, se contorcer de dor.

E quando todas as máscaras caírem,
o mundo se mostrará desnudo.
Os andaimes do castelo estarão à mostra
e todos poderão ver de que traumas ele é feito,
sob sua ciranda de mascarados
a desfilar num carnaval de dores.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Parar para ver o Outro

O rei invisível
coroado até no nome
Sem proferir uma palavra
Fez o mundo todo parar.

Parar para ver o Outro
o Outro que não é alheio
Já que tudo o que faz por ele
Atinge também a mim
Porque tudo se conecta
Se contagia
Tudo é viral.

Parar para ver o Outro
O Outro a quem sem demora
Se amará mais e agora,
pois a firme garantia no Depois
é coisa que ficou no Antes.

Parar para ver o Outro
O Outro a quem não se via
Os subnotificados
do dia a dia
mascarados de cara limpa
Sem home, mas com fome,
Sem office, mas com óbice.

Parar para ver o Outro
o Outro que também sou eu.

(...)

E já não há retorno
É um caminho sem volta
Para uma nova forma de olhar.
Para uma nova forma de ser.

(...)

O rei invisível
coroado até no nome
Fez o mundo ver,
enfim,
Que sem o Outro
Será o fim.











quarta-feira, 22 de abril de 2020

Cão que lattes

O professor universitário
Mestre em pós-modernidade
Doutor em fenomenologia
Pós-doutor em Filosofia da Consciência
Que fala com desenvoltura
Sobre ética em Espinosa
Epistemologia em Kant
A esfera pública em Habermas
O poder em Foucault
Ontologia em Nietzsche
Não sabe ligar o ventilador.


quinta-feira, 9 de abril de 2020

Poesia na pandemia

Álcool em gel para matar os vírus, álcool destilado para matar o tédio.
Mercado cheio, botijão de gás vazio.
Falta dinheiro, falta ânimo, falta de ar.

Céu limpo, consciência suja.
Coronavírus, mate o presidente.

Fique em casa. E quem não tem casa?
Lave as mãos. E quem não tem água e sabão?

Tempo de solidariedade, de coragem, de recolhimento.
Tempo de repensar hábitos, modelos, prioridades.
Tempo de valorizar a pesquisa, a ciência e a saúde pública

Quando isso vai passar?
Quando essa loucura vai acabar?

Medo de nada mais ser como antes.
Medo de tudo voltar a ser o que era antes.


domingo, 22 de março de 2020

Credenciais

Eu nunca fui ao Playcenter
Eu nunca tive videocassete
Eu nunca vi Velozes e Furiosos
Nem Indiana Jones
Nem exterminador do futuro
Nem Duro de matar
Eu odeio filme de ação
Não tenho paciência pra Senhor dos Anéis
Não gosto de videogames modernos
Eu nunca li Grande Sertão
Nem Proust, nem Cervantes
nem Jane Austen, nem Camus
Eu nunca comi Temaki
Não sei comer de palitinho
Eu nunca fui à Europa
Nem à África, Ásia, Oceania ou Antártida
Nada de América do Norte ou Central
E nunca botei os pés em 20 estados brasileiros
Nem no Distrito Federal
Eu não sei falar francês
Nem italiano, nem alemão
Falo muito mal inglês
Não gosto do humor britânico
Tenho medo de agulha
Tenho fobia de vômito
Minha pressão dispara quando olho pra um medidor de pressão
Não sei nadar
Não sei dar cambalhota
Não sei dirigir
Não sei fazer quadradinho de oito
Mas faço cover de Maria Bethânia no chuveiro que é uma beleza...






sexta-feira, 22 de março de 2019

Não adianta

Não adianta a cara sem pelo
o tênis colorido
a camisa estampada
Não adianta a bermuda de sempre.

De nada valem as piadas que faço 
os rocks que cantarolo
as redes sociais as quais me associo
De nada valem as opiniões progressistas que defendo

Não adiantam as gírias que cuido evitar
os lugares que busco frequentar
a comida gordurosa que como
Ou mesmo a companhia que escolho ter comigo.

Não adianta
Não tem mais volta
Não sei porquê
Mas não adianta
Porque a grande moda agora

Na padaria
Na confeitaria
No açougue
Na bilheteria
Na danceteria
Na internet
No cemitério
Na academia

É me chamarem de SENHOR!




sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Estações

BUTANTÃ

Geladão de coco com leite
Salgado seco no Charme de Paris
Um minuto para salvar as crianças da Unicef
Quando menina eu fui atropelada em frente à Padaria Estrela
A gente se encontra ali perto do elevador
Te trouxe coxinha, querido, você precisa comer alguma coisa
Tec Tec Tec Tec Tec
Não aguento mais essa bengala.

PINHEIROS

Tia Elza falou
Tia Elza pediu
Tia Elza rezou
Tia Elza sorriu
Tia Elza
Tia Elza
Tia Elza
Tia Elza foi minha madrinha de crisma

Tchelza, irmã da Tcholanda
O nome das duas sempre esteve na letra T da agenda telefônica

Tia Elza. Rua Atuaú, 107
E eu nunca soube, afinal, o quer dizer Atuaú.
(o Google está logo ali mas tem coisas que a gente não precisa saber)

- Mãe, eu tô cansado
- Mãe, eu quero água
- Mãe, eu tô com fome
- Calma, menino, a gente toma um lanche no final

(mas só no final, senão todo mundo fica triste
e não quer mais passear)

Barracão
Cunha Gago
Antônio Bicudo
Pedroso de Moraes
João Moura
E as pernas passam
Enormes
apressadas
convulsas
pelas calçadas infinitas da Teodoro Sampaio

- mas eu tô com fome, mãe!


FARIA LIMA

Bim Bão
Bim Bão
Bim Bão
Que bonito faz o sino
Da igreja que seu irmão casou
Abençoado padre Alberto
Que morreu lá na Itália
Bim Bão
Bim Bão
Bim Bão

Por que não tem batatas no Largo da Batata?


FRADIQUE COUTINHO

- Fradique é um frade bem pequenininho?


OSCAR FREIRE

- Isso é coisa de gente rica igual sua tia Vera, menino! 
Vamos, 
vamos tomar um lanche 
e voltar pra casa
que daqui a pouco vai chover.


PAULISTA

Entrei na rua Augusta a 120 por hora
Botei a turma toda do passeio pra fora
Laralaralararalaralará
Hay Hay Johnny
Hay Hay Alfredo

Ajuda sua mãe com louça, menino

Quando mocinha, eu era tirada pra dançar em todas as músicas

Mariana, depois vai com a mãe lá pra cima

Do Carmo
Ifigênia
Kimie
Dona Matilde
Cícero
Anas todas
Cidas todas
Marias todas
Goreth

(Orlando)

E a tarde cai
devagar
preguiçosa
sonolenta
levando com ela
a senhora da sacola verde
e os dois pequenos
gêmeos
que lhe seguem
gêmeos
pelas ruas
gêmeas
do Jardim Arpoador

HIGIENÓPOLIS - MACKENZIE

- Eu estudei até a quinta série
Mas tenho um filho que fez USP
O que mesmo você fez lá, querido?


REPÚBLICA

Não posso deixar de amar
alguém
que é mãe
de minha neta

Ricardo
        Lívia
             Flávia
                   Catarina
                              Júlia
                                    Bianca


LUZ

Até na Linha Amarela existe luz no fim do túnel.

A piada é boba
velha
sem graça
infame
igualzinho
à esperança.


SÃO BENTO

São Bento, águas claras
Jesus Cristo no alto
O que tiver de mal no meu caminho
Afaste para mim passar

- Mim não faz nada, mãe...
- Ê menino que não para de me corrigir! Oração não se corrige!




Quando menina eu namorei um menino chamado Jesus


LIBERDADE

A

m
a
ç
ã

sempre 
repartida
dividida
retalhada
uma 
fatia 
pra 
cada 
um
como
nosso 
senhor
fazia

até 
dia
em 
que 
escondi 
uma 
maçã 
na 
calcinha
saí 
pela 
rua

escondida            escondida
              livre  livre
           plena     plena
          só                    só

não 
sabia
o prazer
           que era ter
                            uma maçã inteirinha, vermelha, perfumada, brilhante, só pra mim.

SÃO JOAQUIM

Que bonita pode ser uma vida, 
meu Deus, 
entre a bolsa amniótica 
       e a bolsa de sangue.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Poeminha coisado

Tinha uma pedra no meio do caminho.
Tinha uma coisa no meio do caminho.
Tinha uma coisa no meio do coiso.
Tinha uma coisa no coiso do coiso.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Por que ele não?

Ele não, porque sou pai de uma menina
e não quero que ela cresça achando que pode menos do que qualquer homem.
E também porque tenho
uma mãe
uma irmã
e tantas outras mulheres fundamentais para mim
e não quero que elas
ganhem menos
mandem menos
possam menos
sejam menos
porque pessoas como ele 
acham isso simplesmente natural.

Ele não porque amo homens e mulheres negros
- e pardos e indígenas - 
E não quero que eles pensem
sequer por um segundo
que valem menos do que um branco
pela quantidade de melanina que têm na pele.
E nem que sofram
- pelo mesmo motivo absurdo -
qualquer tipo de violência
Física ou emocional
Tão idolatrada por ele.

Ele não porque amo homens e mulheres
que são gays, lésbicas, trans, bis, tris, tetras
ou o que mais eles querem ser
- porque isso é só da conta deles -
e não quero
que eles sintam
sequer por um segundo
vergonha de ser quem eles são.

Ele não
, porque não sou e nunca fui rico
e não quero que nenhum direito trabalhista 
duramente conquistado
nos seja tomado
por uma pessoa como ele
que defende uma classe social
 - que definitivamente não é a minha -
tão acostumada a já ter tanto
e a ceder tão pouco.

Ele não, porque apesar de não concordar com os erros do PT
quero poder continuar a não concordar com os erros do PT
e dizer isso tranquilo no meio da rua
vestido de vermelho, 
de verde, 
de amarelo 
ou de bolinhas
quero ter o direito de fazer oposição
ao PT, 
ao PSDB, 
ao MDB, 
ao Pros, 
ao Contras, 
à Pedra, ao Papel e à Tesoura 
o que só é possível na democracia
coisa meio fora de moda e que ele abomina,
mas que foi conquistada 
- eu aprendi na aula de história, coisa também meio fora de moda - 
com muito sangue, dor e torturas
causada por pessoas que ele idolatra.

Ele não
              porque ele 
                                 é absurdo.

________

(Felipe Lários)




sábado, 22 de setembro de 2018

No terceiro semestre de 2018

No terceiro semestre de 2018
ele terminará de escrever o projeto
ele se matriculará no curso
ele comprará a passagem

No terceiro semestre de 2018
ele se alimentará melhor
praticará exercícios regularmente
e até irá ao dentista

No terceiro semestre de 2018
ele parará de comprar livros
e dará conta de ler
os 414 volumes não lidos em sua estante

No terceiro semestre de 2018
ele pintará o apartamento alugado há 5 meses
uma parede laranja atrás do sofá
e até comprará uma cortina black out para seu quarto

No terceiro semestre de 2018
ele parará de assumir projetos 
que sabe que não dará conta
e apenas seguirá firme e harmonicamente
trabalhando em seus 617 atuais

No terceiro semestre de 2018
ele assumirá seus atos
parará de escrever na terceira pessoa
como se não falasse sempre de si próprio

E andará de bicicleta
Subirá em pau de sebo
Tomará banhos de mar
No terceiro semestre de 2018


terça-feira, 22 de maio de 2018

A mancha

Eu comecei a terminar de ser criança no dia em que vi a mancha. 
A mancha em formato de lua, atrás da orelha esquerda do Jordão. 

O amigo Jordão. 

O Jordão que sempre estava, 
mas nunca ficava, 
jamais se demorava. 
O Jordão que me olhava, mas nunca me via, 
o olhar fugidio de quem queria mas não podia. 
Jordão, o amigo eterno de minha mãe. 

Amigo, vejam só, o amigo de minha mãe. 

Naquele dia, 
ao se despedir como sempre, 
ele se virou como nunca.
E foi assim que eu vi.

E quando vi a mancha, em forma de lua, atrás da orelha esquerda, senti súbito minha mão saltando célere pra trás de minha própria orelha esquerda, pousando sobre a minha própria mancha em forma de lua, que eu achava 

- oh, céus, eu achava - 

que era só eu no mundo quem tinha. 

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Sobre fases

Tenho uma relação de amor e ódio com o clichê. Nos odiamos sim, mas não sabemos viver um sem o outro. E teria algo mais clichê do que encerrar uma fase de minha vida com um textão??

Me diverti muito escrevendo nesse blog, ele deu razão para as minhas poesias, que boas ou ruins, me completam e inspiram. Foi inspirador compartilhar um mesmo espaço com tantas ideias diferentes, tantos pensamentos "aleatórios" e principalmente: as mais diversas razões para a arte de verbalizar.

Pude conhecer um pedacinho de cada um através de suas palavras e foi muito divertido. Entretanto, receio que essa fase da minha vida tenha terminado, ou quem sabe, apenas pausada. O fato é que novos ares já chegaram. 

Sempre vem a cabeça a boa e velha desculpa do "não tenho tido tempo", porém acredito que a falta de tempo é o eufemismo da falta de motivação, ou quem sabe, da seleção de outras motivações. Sinceramente, neste momento tenho sido mais espectador do que atuante e de fato isso tem me bastado. Mesmo que a cabeça nunca pare. 

De qualquer forma, esses novos ares pedem reflexão e a decisão de um rumo (olha o clichê aí de novo), desta forma então que agradeço a todos os que leram minhas poesias e principalmente aos meus companheiros que colaboram todos os dias para o funcionamento deste Blog. Desta vitrine de ideias e ideais.

Agradeço de coração, foi muito bom e, quem sabe, até logo!

Fábio Fonseca

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

INTOLERÂNCIA


Sou religioso
Sou teimoso
Sou rigoroso
Sou imbecil

Não te aceito
Seu conceito
Seu desfeito
Sou infantil

Sua diferença
Não me compensa
Sua desavença
Sou senil

Sua felicidade
Sua proximidade
Sua solidariedade
Eu sou viril

Tenho que me provar
Tenho que te odiar
Não sei o que pensar
Sou imbecil

Suas Cores
Seus amores
Seus temores
Seu feitio

Sua diversidade
Sua felicidade
Felicidade
Imbecil

Sou mesmo imbecil...

Fábio Fonseca

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Impulsos de vida

No olho do furacão, parei.
Respirei.
Desconectei-me de tudo ao redor.
Inspirei.
Expirei.
Senti o ar nos meus pulmões.
O universo vibrava em cada uma das minhas moléculas.
Do micro ao macro, a vida é fascinante.
O infinito em minha alma.
Há uma força intrínseca e fulminante nas minhas entranhas emocionais, exalando, pelos meus poros, aromas de saudade.
A gravidade é individual.
Gravitacionando, onde o tempo espaço estão imersos na teoria da relatividade, ouço uma voz me chamando para terra “acorda, Alice, é o País das Maravilhas”.
Sigo rabiscando meus pensamentos na tentativa de deixá-los nus.
Sigo implacavelmente.
Tudo está tão conectado que sinapses fazem com que eu me sinta em um dejà vu cíclico.
A relatividade do tempo espaço, o eterno pode durar um fragmento de segundo.
A transitoriedade.
O efêmero.
É tudo tão intenso e, ao mesmo tempo, tão sereno.
Eu já não vejo o furacão. Eu pertenço ao furacão.
Sou um caos na criação. Mas eu me encontro nesse caos.
O tempo segue implacavelmente e eu não tenho mais certeza além desse instante. De concreto é só o segundo, transitório e impalpável.
Gravitacionando...
Tudo é fluidez. Não consigo pseudo-viver, nem pseudo-sentir. Não consigo permanecer aonde não sinto impulsos de vida.
Entorpecendo meus sentidos, lenta e gradativamente, é a essência mais genuína se expandindo pela via láctea.
A via láctea é uma molécula que dança percorrendo todo meu corpo, que me impulsiona a criar, e nem o céu é o limite.
Criar é a minha gravidade individual, é o que me faz respirar, é meu impulso de vida.



Trilha sonora do post - Molecules To Minds: https://www.youtube.com/watch?v=NICeQJAEfCs

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Dislexia criativa

Dos quadros que não terminei
Das palavras que soltei
Do quanto esperei
De quando deixei
De quando cantei
De quando simplesmente dancei
De tanto sentir
Do que se é
Do que compreende
Do que ninguém entende
Do choro
Das dúvidas
Do cansaço
Do riso fácil
Da necessidade de transbordar
De querer tentar
Do que traz a calma
Do que faz silenciar
Das dicotomias
Da vontade de voar
Do que traz vida
Do que faz criar
De simplesmente respirar
Da necessidade de mudar tudo de lugar