Estou há quarenta dias
literalmente sem praticamente sair de casa. Fui ao mercado por três ou quatro
vezes e só. Todos os dias em casa. Todos os dias. Todos os dias. É muito
estranho viver em 2020.
Por outro lado, passaram-se quase
dois meses e não sinto tédio, a repetição dos dias. Ao contrário: acordo, faço
refeições e já é hora de dormir de novo. É como se os dias tivessem duas horas
apenas. É uma tensão constante tanto pelo avanço da pandemia, os negacionistas,
o medo da morte, mas nada comparado ao efeito que a política nacional tem sob
os meus pobres nervos.
Desde o resultado das eleições
presidenciais de 2018, minha ansiedade se agravou muito. A junção do totalitarismo
com fanatismo religioso equivale pra mim ao que os cristãos chamam de inferno. Fico
esperando a notícia de que a constituição democrática será substituída por
outra autoritária a qualquer momento. Conversando com uma amiga sobre isso, ela
lembrou do filme “Mate-me, por favor”, pois ele aborda como a angústia da
ameaça pode se tornar insuportável a ponto de a morte ser preferível a essa
espera. Às vezes, a tortura está na imaginação do futuro terrível que pode,
inclusive, não se materializar.
Numa das madrugadas em que a
ansiedade não me deixava dormir, acabei caindo numa vídeo-aula de Tai Chi
Chuan. Três horas da manhã e estava eu ali “braços flutuando para cima, braços
flutuando para baixo”. Foi bom, consegui dormir. No dia seguinte, continuei a
saga refletindo sobre o conceito de fluxo presente no Taoísmo. É uma ideia que
encontra eco dentro de mim, porque no meu íntimo sei que a vida está em
constante movimento e que não cabe a ninguém o controle dela. Mas minha paz é
roubada pelo medo de algo pior do que o presente acontecer, o que me faz ansiar
por receber de uma vez a sentença final.
Há uma entrevista com o ator
Bruce Lee na qual ele dá o famoso conselho “seja como a água, meu amigo”. Acho
que é um bom conselho. Faço muito esforço para segui-lo. E quem sabe até o
final desse período de confinamento eu consiga me desenvolver mais.