De todos os perigos que nos cercam em pleno século 21, o que mais me aflige é a possibilidade de pegar o pote de um delicioso sorvete e dar de cara com aquele feijão congelado há meses.
Não menosprezo o feijão. Talvez a culpa seja do pote. Falta transparência, mas sobretudo tecnologia para solucionar um problema tão antigo. Pior, ao invés de resolvermos a confusão, estendemos essa possibilidade para as pessoas.
Percebi isso observando o tio Alcínio, que como bom piadista adorava dizer às crianças que havia sorvete no congelador, mesmo sabendo que era feijão, somente para ver a frustração dos pequenos.
Tio Alcínio afirmava ser um democrata. Rechaçava os males do nazismo e não abria mão de escolher um governante – por isso mesmo se recusava a aceitar qualquer resultado eleitoral que não estivesse de acordo com sua escolha.
Quase sempre bem-humorado, aquele senhor que seria incapaz de fazer mal a uma mosca defendia a liberdade de andar despreocupado pela cidade. Por isso mesmo, dizia, era a favor de uma polícia que atirasse para matar quem quer que ameaçasse essa paz tibetana.
Em meio a gargalhadas, tio Alcínio se orgulhava em tolerar as diferenças. Cada um que fosse como quisesse, desde que bem longe daqui, afirmava cada vez mais vermelho, de preferência do outro lado do Atlântico, ofegava já sem fôlego pela crise de riso.
Para suas piadas sempre buscava a concordância da secretária do lar. A senhora, cujo vocabulário se restringia ao ‘sim, senhor’, trabalhava lá desde os 14 anos. Era praticamente da família, faltando para isso somente o direito à herança.
Tio Alcínio. Um democrata cristão. Como toda metáfora, compará-lo com o feijão no pote de sorvete é limitado. A pobre leguminosa pode decepcionar, mas tem seu valor. Qualquer nutricionista afirmaria ser melhor para a saúde o que um sorvete rico em açúcares e gorduras. Mas a decepção...
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