Reencontraram-se após algum tempo de distanciamento. Daquelas distâncias forçadas, porque não dividiam mais o mesmo ambiente de trabalho e nem tinham tempo de se procurarem, uma vez que os atuais ofícios não lhes deixavam tempo de sobra. Mas foi preciso apenas dois minutos para que a amizade velha de guerra voltasse à tona.
Porque só elas entendiam determinadas expressões e porque certas histórias só arrancavam gargalhadas das duas. Naquele breve reencontro não puderam relembrar todos os momentos hilários que tinham dividido. Dedicaram-se mais a contar o que tinham feito nesse meio tempo – reviravoltas tamanhas – e filosofar sobre a vida.
Pararam em um café, onde diante do vai e vem de gente conseguiram pôr em voga suas divagações, que, igualmente, se dissipavam com o vento.
- Sempre quis morar em outro país – disse a mais nova.
- Às vezes eu me dou conta que se deu certo para tanta gente, eu deveria ter tentado. Mas agora já era – respondeu a outra, não tão mais velha, poucos anos a mais.
- Sabe, um dia você me perguntou uma coisa que me fez pensar bastante. Você queria saber onde eu sonho estar. Até hoje penso nisso. Para onde estou me projetando.
- Olha, hoje eu prefiro evitar de pensar.
- Ah, que boba.
- Pra que Londres, se a gente pode ter essa paisagem aqui, não é? – disse a mais velha, apontando para o lado de fora, onde a neblina, a chuva, as pessoas encasacadas correndo davam a impressão de que as duas estivessem incólumes em um aquário de vidro, enquanto a vida continuava do outro lado da parede.
A mais nova olhou a mulher diante de si e a invejou. Ela contava dos homens que, embora tivessem passado pela sua vida, de alguma forma estavam sempre presente. E de amigos e trabalhos e sonhos que vão e voltam. E teve a impressão de que a fortaleza diante de si não desmanchava por nada. Ou pelo menos não por muito pouco. Ora, ela era capaz de se dar bem em qualquer lugar. E enquanto isso, a menina pensava consigo se um dia haveria de ter essa capacidade de adaptação.
- Às vezes eu me sinto como aquele poema do Fernando Pessoa, que em um verso diz: “serei sempre só o que tinha qualidades”. Aquela que todo mundo diz: ah, mas ela é tão inteligente, tão querida. E a impressão que eu tenho é que eles queriam completar: Mas coitada. Essa aí vai ficar aí, não vai passar disso.
A outra, a fortaleza, balançou a cabeça.
- Então, eu sou a “apesar de”. Apesar de ter cara de chata, até que ela é legal. Apesar de ser rabugenta, ela até que trabalha bem. Sempre tem um apesar...
O tom de desventurança pairou no ar. Era hora de ir. De enfrentar o inverno lá fora. De esperar pelo próximo encontro. De saber que a outra sempre fará falta. Mas fará parte do que faz forte. E vai reaparecer, de surpresa, quando convir, ou quando quiser.
adorei.
ResponderExcluirpor duas razões:
1. tenho vários amigos que se eu tiver 2 minutos com eles serão os dois melhores minutos do mês.
2. morro de medo de ser só o que tinha qualidades.
O texto é perfeito, porém me fez entrar em crise de existência. Das fortes.
ResponderExcluir=***
Eu tenho um orgulho incomensurável [#palavradodia] de vc.
ResponderExcluirE vc me deixa com lágrimas nos olhos que me fazem feliz. Raro.
Adorei o texto e, assim como a Michele, também entrei em crise existencial.
ResponderExcluirMentira! Tenho crise existencial o tempo todo!!! rs
=D
Tati, me arrepiei todo aqui. E olhe que não é culpa da chuva lá fora ou do ar condicionado na minha nuca. Que lindo, e "apesar de" não te conhecer pessoalmente, eu tenho uma enorme paixão por suas palavras. Beijo de cá.
ResponderExcluirestes textos me fazem acreditar que amizades deste tipo podem existir mesmo.
ResponderExcluir"O tom de desventurança pairou no ar. Era hora de ir. De enfrentar o inverno lá fora. De esperar pelo próximo encontro. De saber que a outra sempre fará falta. Mas fará parte do que faz forte. E vai reaparecer, de surpresa, quando convir, ou quando quiser."
ResponderExcluirNão sei qual a razão, mas finais sempre me chamam a atenção. Ainda mais trechos como esse.Ficou uma coisa meio descaso apaixonado aguardando o próximo verão! Adorei. Descobri esse blog pelo blog da Tatiana. Devo dizer que foi um verdadeiro achado! Mentes são encantadoras, diversas delas reunidas em torno de um projeto então, são excepcionais!
Abraços
Aguardo visitas
Che
"O tom de desventurança pairou no ar. Era hora de ir. De enfrentar o inverno lá fora. De esperar pelo próximo encontro. De saber que a outra sempre fará falta. Mas fará parte do que faz forte. E vai reaparecer, de surpresa, quando convir, ou quando quiser."
ResponderExcluirNão sei qual a razão, mas finais sempre me chamam a atenção. Ainda mais trechos como esse.Ficou uma coisa meio descaso apaixonado aguardando o próximo verão! Adorei. Descobri esse blog pelo blog da Tatiana. Devo dizer que foi um verdadeiro achado! Mentes são encantadoras, diversas delas reunidas em torno de um projeto então, são excepcionais!
Abraços
Aguardo visitas
Che
sou super 'apesar de'.
ResponderExcluirapesar de chata, arrogante, boba, com cabeça de mamao e todo o resto, tenho ótimos amigos que me gostam e me aturam sempre que preciso deles. falando nisso...se pans....vou pro parana, me acolhe? hahahaha
Amei o blog, amei o seu post!! Lembrei de uma conversa com minha tia que me deixou arrasada... Ela que eh uma pessoa dinamica, pratica e bem-sucedida me disse: "o que adianta ter potencial se vc nao vai fazer nada com isso"? ahaha
ResponderExcluireu sou a "apesar de"
ResponderExcluirconheci há pouco tempo o blog e esto encantanda, e esse texto em especial mexeu comigo! fiquei meio zonza...e com medo de descobrir qual delas eu sou....
ResponderExcluirTB tenho amigos assim, e quero meuti encontrar com alguns agora, esse texto me deixou com saudades dos meus!
bjos
Que blog bacana!
ResponderExcluirtodo mundo é "apesar de..."
ResponderExcluirmuito bem observado, cara leticia. [com um cachimbo apoiado sobre a palma da mão esquerda e um livro aberto na outra.]
ResponderExcluirA Lê tá certa, todo mundo é ''apesar de'' e a maioria também é ''só tinha qualidades...'' mas perceber isso no meio da correria e mais, falar disso não é todo mundo não. A Tati é, todo mundo não.
ResponderExcluirTatiana, que tamanha delicadeza retratar os sonhos e as frustrações num café qualquer. me reconheci em alguns detalhes.
ResponderExcluir"Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido."
você falou também de mim...
ResponderExcluiradoro o que escreve, tati.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQue beleza!!!
ResponderExcluirA menina do interior escreve lindamente,no meio de tanta gente da cidade grande (roubei, acrescentando o lindamente...rs)...
Encontrei pedaçinhos de mim neste texto...sou muito "apesar de..." muito mesmo...
ahhhh Teatro Mágico é tudo de bom!
adoro..."Ana e o Mar" revejo o clip várias vezes.
e meu carinho é sem ter assistido seque um show...(uma pena!) nunca consigo ir, sempre aconteci imprevistos...mas ainda tenho fé...logo encher os olhos de alegria...
beijo...e amei este texto muitão assim ôooooo....
E a vida segue com a gente pensando no que poderíamos ser!
ResponderExcluirE como disse a amiga da Régis"o que adianta ter potencial se vc nao vai fazer nada com isso"?.. Vou ficar pensando nisso por mto tempo!
Isso merecia um chopp, para esquecer ou piorar!
Bjs