(por Gilberto Amendola)
Li o seu futuro na borra de café. E eu não estava lá.
Poesia não serve pra nada.
Se não é dedutível no imposto de renda, não existe.
Meu contador é quem disse.
Não é commodity. Não tem valor de face. Nem quando é sua a cara impressa no papel moeda.
É sacrifício sem redenção. É a redundância do 'pra sempre não'.
Não é feijão com farinha. Não enche barriga. Embora possa, sim, alojar-se feito lombriga no interior de quem crê.
Creia.
Em mais esse placebo.
Num deus que largou o emprego e abriu um bar.
Poesia não serve pra nada.
É ponte suspensa no ar. Caminho pra lugar nenhum.
Por que mudar o curso de um rio que já secou? Se quer ver transbordar fantasmas, eis me aqui.
Poesia não serve pra nada.
É como um eco solitário que se expande aborrecido e sem propósito. É o infinito vulgar. O tédio em seu estado mais puro.
Poesia não serve pra nada.
Você não veio.
Mas é setembro. E em setembro eu fico burro.
Burro feito um cão.
Vou tentar uma segunda invenção- um parangolé da minha alma urbana.
Quem sabe você não me confunde com alguém bacana.
E me chama pra dançar.
Poesia não serve pra nada.
– Vai ser Romeu pras tuas negas - você não disse, mas, talvez, tenha pensado.
Desastrado.
Não quer ser musa?
Pior seria sereia muda.
Não obstante, esse meu mau momento, você ainda é o enredo.
Não leia nas entrelinhas.
Está tudo claro, com seu sujeito, verbo e predicado.
E as instruções estão no verso que eu te escrevi.
A primavera basta.
Poesia não serve pra nada.
Hieróglifos para o coração. Caverna decorada por emoticons.
Não a luz que entra pela fresta da janela, mas a própria fresta.
Ponto cego.
Esmola que eu não pedi. Moeda jogada no meu chapéu.
Pobreza, não. Miséria.
O motivo da minha cabeça oca. A sorte dos seus pés de vento.
Ferrugem que o tempo deixa como herança. Espólio da separação entre aquilo que se quer dizer e aquilo que conseguimos, com muito custo, espremer.
A limonada dos fracos.
Poesia não serve pra nada.
Não é cobertor. Não é professor. Não tem ciência, nem engenharia. Muito menos anfetamina. Se me faz perder o sono, a culpa é minha. Você não vem mesmo. Já entendi, já entendi...
Poesia não serve pra nada.
Pó no antiquário do futuro.
Tosse seca.
Ácaro no sofá sem dono.
Disco riscado girando canções sentimentais no gramofone da memória.
Pule essa faixa.
Poesia não serve pra nada.
Não é a cura de coisa nenhuma.
Pura indigência. O trapo dos dias ruins (e bons também).
Não insista, niilista.
Poesia não serve pra nada.
Tente construir uma ponte, levantar um muro, erguer uma obra qualquer. Ser estátua em dia de chuva ou derreter no calor?
Você tem razão. Sou apenas mais um charlatão.
Não sei ser útil.
Poesia não serve pra nada.
Ou talvez
Mas muito talvez
Tenha algum propósito escuso, como esse absurdo que é gostar de você.
Poesia não serve pra nada.
Alguém em algum lugar será feliz para sempre.
Não eu.
Lembra?
Eu li o seu futuro inteiro na borra do café.
Eu sei o que vai acontecer.
Esse blog é sensacional. Acompanho já por um tempo. Que poesia linda!! Mas que não serve pra nada. Por isso devem ter sido horas perdidas para criá-la. Poderia ter feito outra coisa, se contentado. Mas mesmo que não sirva pra nada, como é confortante!
ResponderExcluirParabéns!
Quando puderem, visitem o meu blog: http://www.percepcaopoetica.blogspot.com
e o outro blog do qual eu participo: http://www.pictorescos.blogspot.com
Mais uma vez, esse blog é muito bom!
O Gilberto enche meu dia 4 de poesia.
ResponderExcluirQue boniteza!
ResponderExcluiradoro :)))
=] Gostei muito-muito.
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