Valentina,
na sua ânsia de viver tudo, pouco se interessava pelas realidades do seu dia. Queria
sentir o que não era seu e captar, dentro daquilo que era sentimento de outro,
os detalhes que julgava essencial para uma vida toda. E foi nessa brincadeira
de sentir o que não se sente, que ela forjou sua busca pelo amor. E o
encontrou, nas variadas formas de se tocar o irreal. Das delicadezas da alma
aos despudores do corpo. Mas no final, é tudo uma coisa só: separar o
inseparável não é lá coisa inteligente de se fazer.
Dentre
os artifícios utilizados, as cartas eram uma das prediletas. Nelas, colocava
todo o pranto calado, toda a alegria contida e seus desejos mais obscuros.
Entretanto, não podemos esquecer: escrevia, sobretudo, o que queria sentir.
Idealizava seus homens, colocando na boca de todos eles o que, donzela que era,
gostaria de ouvir. Até seus desalentos eram invenção. Narcisismo do choro – era
o que os mais chegados diziam. Acreditava que, na medida em que criamos,
vivemos. E que não há mal viver de filmes, já que imaginar é sentir, e não há
outra forma de atingir a vida que não seja pelo sentimento.
Seu
encontro com o amor acontecia, vez ou outra, na forma de miragem, ou desses
presságios que o mês de maio traz com os feixes de luz da rainha mãe. E isso
tudo ela anotava cegamente em cadernos de folha velhas, pra poder cheirá-las e
sentir, mais uma vez, a lembrança do que nunca teve e se ver, assim, repleta de
vida dos outros.
E
nessas brincadeiras de se dizer palavras – palavras enfeitiçadas -, de significados
inventados, ela se discursava como uma moça esperando o amor. Ele não vinha.
Deixava a porta aberta, para que ele entrasse sem receio. Apagava a luz, para
os seus despudores do corpo. Ele não entrava. E, quando ela se cansava desse
jogo de sorte e azar, e se desencantava, jogando as palavras inventadas na
poeira do céu, ele chegava faceiro com o sol da tarde. Observando o sol subir,
nessa inconstância de vida-a-vida – que não volta – reparava seu amor em meio
ao cais, um presságio.
Todas
as suas anotações eram repletas de lirismos (des)comedidos, para enganar os
olhos que por ali passassem. Revelar-se plenamente, embora vontade antiga, não
era lá algo que conseguisse. Mais que a vergonha ou a vontade de ser incógnita
e, assim, provocar futuros descobridores do segredo da esfinge - que devora -,
a artimanha de se esconder, como uma serpente que enrola em si mesma na hora de
dar o bote, era nada mais que o desconhecimento da maior parte que a compunha. Essa incessante busca pelo amor não
foi mais que uma busca dela mesma. Ao sentir seus olhos úmidos de amor
refletido pelos outros estaria encontrando a si. E tocando na parte mais
delicada de cada um – o coração aberto, pulsando vermelho e retumbando em vida.
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