Da última vez que eu havia segurado a mão direita de Toninho entre as minhas tive dificuldade em aceitar que era a mesma pessoa. O que eu tinha na memória era uma imagem de minha infância, a mão enorme do único adulto que não me cumprimentava com um afago na cabeça ou um aperto na bochecha. Toninho me estendia a mão para um comprimento sério, de adulto. Era assim que eu me sentia no auge dos meus dez anos. Como um adulto que cumprimentava com um aperto de mãos.
O que eu havia segurado da última vez era a mão mirrada que sumia entre as minhas. Me arrependi de não ter simplesmente estendido a mão direita para cumprimentá-lo. Fui mais um a segurar sua mão entre as minhas, em um ato de compaixão com quem definhava na cama. Fui só mais um para aquele que fazia com que eu me sentisse único.
Perguntei por onde tinha andado aqueles anos todos. Por onde não tinha? Viveu aventuras de fazer inveja aos mais heroicos personagens, conheceu chefes de estado, morou em hotéis de luxo, fez viagens homéricas. Narrativas contadas com tamanha riqueza de detalhes que minha única reação diante de eventuais incoerências era um leve sorriso, facilmente interpretado como aprovação.
Quando eu era criança, sempre soube que as histórias fantasiosas, repletas de monstros e criaturas sobrenaturais eram mentira. Também sabia que não conseguiria dormir por algumas noites após ouvir aqueles relatos com toda a atenção, mas ainda assim não resistia. Naquele dia, ao lado da cama, fiquei com a impressão que Toninho havia perdido tudo, menos o dom de contar histórias.
Demorei para tomar coragem. Minha iniciativa veio mais pelo fim do horário de visita se aproximando que pela decisão de tocar no assunto.
“A tia morreu dizendo que ainda ia encontrar com você mais uma vez.”
“Parece que eu me livrei dessa”, ele disse, tentando esboçar um sorriso sem graça.
“Eu sempre quis saber porque você sumiu. Ela nunca contou.”
“Quando ela dizia que ainda ia encontrar comigo, que sentimento ela passava?”
Lembrei das vezes que a tia falava do Toninho na mesa do jantar, enquanto apertava o cabo de uma faca com toda a força. "Acho que tinha saudade", falei.
"Pois é." Pela primeira vez era ele quem fingia acreditar em algo que eu dizia.
Fui salvo pela enfermeira que apareceu na porta do quarto. O horário de visita havia acabado. Me despedi todo atrapalhado, sem jeito, com vergonha. Toninho, que fazia com que eu me sentisse adulto aos dez anos, agora fazia com que eu me sentisse uma criança encurralada.
Naquele dia senti saudade da mão enorme que sozinha envolvia a minha quando eu era criança. Hoje sinto saudade daquele dia em que a mão mirrada de Toninho sumia entre as minhas da mesma forma que agora. Naquele dia ela não estava fria e rígida.
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