domingo, 20 de novembro de 2022

Ganhamos

A sensação de ganhar nos traz bem estar. Competitivos que somos, ganhar depois de uma disputa ferrenha é ainda mais consagrador. Se o adversário jogar sujo, comprar o juiz, cometer ilegalidades e ainda assim for derrotado, ganhar lava a alma.

Às vezes ganhamos, no plural, sem precisar mover um dedo para isso. Basta fazer parte da torcida para emendar um “ganhamos”, pouco engajado, depois do título inesperado. Se essa vitória distante nos agrada, que dirá quando fazemos pelo menos um pouquinho.

Depois de quatro anos sobrevivendo a um governo que fez de tudo para que não sobrevivêssemos, ir às urnas e digitar míseros dois números deu a sensação de marcar o gol do título, de bater o último pênalti, com cavadinha para superar as rachadinhas, e correr para o abraço.

Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu, em “Contrafogos 2: por um movimento social europeu”, as chances de parar essa máquina infernal repousam em todos aqueles e aquelas que podem jogar seu grão de areia na engrenagem bem lubrificada das cumplicidades resignadas. Nesse ano, somados cada grão de areia, chegamos a dois montes quase iguais, parecidíssimos, desempatados por milímetros.

Tanto equilíbrio depois de tanto descalabro, mostra um futuro difícil pela frente. Mesmo descontando as distorções causadas por uso indevido da máquina pública para campanha eleitoral, até com as mais mesquinhas tentativas de bloquear estradas em estados do nordeste, não dá para ignorar o tamanho e a força da torcida adversária.

Ainda é hora de curtir a ressaca da vitória. Valeu o choro, o canto, o grito, o riso e o meme do Junior Peixoto pendurado no para-brisa de um caminhão. De repente dá para esticar a comemoração até a Copa, quem sabe o futebol não nos ajuda a aliviar um pouco a tensão dos últimos anos. Já teve espaço até para contestar a convocação do Daniel Alves – o país não cria polêmicas com a convocação desde que mergulhamos no caos político de 2013.

Passada a euforia será hora de lembrar que muitas engrenagens ainda estão muito bem lubrificadas. Não será um grão nem um punhadinho de areia que irá travá-las. Cada detalhe será tão importante quanto foi na eleição, pois a disputa social por temas fundamentais ao nosso futuro seguirá acirrada.

Diante da mata em chamas, muitos seguem decididos a jogar um golinho de gasolina ao invés de um grão de areia; fazer sacrifícios humanos ao deus Mercado agrada a boa parte dos sacrificados; e sempre teremos a dona Ana Inês, que ajudava a fechar uma estrada em Bento Garibaldi, enrolada na bandeira do Rio Grande do Sul, dizendo enfaticamente que não existe segunda-feira no comunismo – será uma agente infiltrada, com a missão de angariar simpatizantes?

Contra tantos delírios serão necessárias batalhas diárias. A prova definitiva de que cada voto conta é que Lula, para desespero daqueles que têm o mais leve sintoma de TOC, recebeu 60.345.999 votos. Ficou a um mísero grãozinho de areia a mais para arredondar em 60.346.000. Bastava um único eleitor conseguir furar um dos bloqueios feitos pela polícia rodoviária.

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