Egor
Alieksieiv levantou antes do sol, como fazia todos os dias, já cansado ao
antecipar o que estava por vir. Vestiu-se em silêncio, beijando a testa da
mulher ao sair, com cuidado para não despertá-la. Ao passar pela sala, viu a mãe
já acordada, sentada no canto, olhando para o vazio como vinha fazendo
há dias. Maneirismos de velho, pensava ele. Tomou o café requentado em um gole,
sem sentir o gosto, e engoliu o pão velho rapidamente enquanto a mente viajava
para longe da mesa.
Há
semanas escutava boatos sobre demissões na fábrica. A mulher já havia perdido o
emprego dois meses atrás e estremecia sua espinha a ideia de perder o
ganha-pão. O filho já ajudava na renda, trabalhando no açougue, mas nem de
perto era o suficiente para botar comida na boca de quatro pessoas. Recolheu o
chapéu e foi-se para enfrentar a vida.
O
dia passou como um borrão. Não que o trabalho exigisse muito de sua capacidade,
mas não conseguiu concentrar-se em nada durante o expediente. Antes que pudesse
olhar para a janela e ver a tarde
terminando, o alarme tocou anunciando o fim da jornada.
Chegou
em casa a tempo de ver o ritual diário da mãe, levantando-se da cadeira com a
vassoura e pá na mão, resmungando novamente: “Tsc. Todo santo dia”. A velha Evgeniya
tinha visto muito na vida. Ainda pequena, perdera o pai para a guerra e o
marido, ativista político, havia sido levado pelo regime. Era dessas que dava
de ombros para as agruras do mundo e seguia achando que a vida era assim mesmo,
fazer o quê?
Ao
ver a mãe dedicando-se a esse rito há mais de semana, Egor começava a
preocupar-se pela anciã. “Mais essa pra conta”, pensava ele, já contabilizando
a demência da pobre senhora na lista de seus problemas a resolver.
....
Levantou
antes do sol, como fazia todos os dias. Não se preocupou com o beijo na mulher,
nem no café velho ou no pão seco. Partiu como que anestesiado em direção ao
emprego. O trabalho não rendeu novamente. Bateu o ponto de entrada e de saída
como se nem ali tivesse estado. Ao chegar em casa, dona Evgeniya já havia
limpado a pá velha na lixeira: “ Tsc. Todo santo dia”.
....
O
sol finalmente ficou de pé antes dele. Não tinha forças para sair da cama. A
notificação tinha vindo no dia anterior. Já não era mais necessário na fábrica.
A mulher lhe serviu o café e o pão, com um olhar que era misto de compaixão e
desespero pela situação do companheiro. Egor sentou na sala, observando a mãe
que encarava fixamente a parede. “Pobre mulher. Pobre de nós”, murmurou para
si.
Na
hora do almoço, o filho chegou com uns bifes velhos que o dono do açougue havia
separado para o funcionário. Egor olhou com orgulho para o belo rapaz que havia
criado e sorriu. Comeram e o jovem voltou para a labuta. A tarde passava sem
que o homem soubesse o que fazer com o tempo. Observava a mãe, enquanto sua esposa fazia as tarefas da casa.
Ouviu
de longe o alarme da fábrica e o burburinho dos trabalhadores. “Aproveitem, amigos,
enquanto podem”, pensou. O filho chegou em casa, cabisbaixo por não ter conseguido
comprar o pão para a noite. “Tudo bem, moleque. Para tudo dá-se jeito”. A
família reuniu-se na sala na hora exata em que Evgeniya agitava-se em seu
assento. O filho correu para acudi-la e foi nesse instante que viu algo que seus
olhos não puderam compreender.
No
canto da sala, um filete de luz pequeno começava a se manifestar no ar, como mágica. Um leve tremor era sentido no cômodo, enquanto o feixe crescia em tamanho e
intensidade. Um estrondo forte fez-se ouvir no local da
manifestação e, assim como surgiu, a luz desapareceu, deixando em seu lugar um
chumaço espesso de cabelos emaranhados.
Antes
de poder absorver o que havia presenciado, Egor viu a porta da casa sendo
arrombada por homens em estranhas roupas de proteção, carregando armas. Os
soldados renderam a família, colocando todos em fileira, ajoelhados no chão. Uma
figura imponente, também em roupa isolante, entrou na sala.
“O
local do portal está seguro, comandante Olegiev. O que fazer com estes quatro?”,
perguntou um dos homens. “Sem testemunhas”, disse a voz cortante.
A
velha Evgeniya teve tempo de olhar para o chumaço uma última vez e resmungar
para si: “ Tsc. Todo santo dia”.
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