Vê-la, ali, mexeu comigo. Como uma blitzkrieg, a alegria e a tensão me anexaram a seus domínios. Fiquei com aquela inquietação que gela a cerveja no mangue às 17:30, com o sol se aninhando caprichosamente atrás da igreja da Penha. O céu da mesma cor da lava que o vulcão dentro de mim começou a expelir.
Nada mais seria o mesmo depois daquela visão, ainda mais depois do que viria depois daquela visão. Ir para a escola, para o trabalho, para a academia, para qualquer lugar acabara de ficar prenhe, como uma lebre, de possibilidades do encontro. Passaria a viver a cidade como o poema de Ferreira Gullar. A própria idéia de encontro ganhava um novo e vivo significado, no qual passou a valer a pena acreditar.
Quem me garante que ela não surgiria a de trás de cada ipê ou espirradeira nas calçadas, sorrindo e me convidando? Quando isso acontecesse, o sorriso dela teria o gosto do espinafre do Popeye na minha boca e me faria por a camisa do Maurício, 2 a 1 em 89. Vestir-me-ia com seu ímpeto de gol para chegar nela.
Ela vem em minha direção, cheia de atitude, a princípio não entendo nada. Para na minha frente, sinto seu perfume. Acho que conheço a marca, de qualquer forma, nunca o senti mais cheiroso. O sinal no seio esquerdo se destaca no meio das de sardas. Neste momento estou com uma visão privilegiada. Fosse eu alguns centímetros mais alto, com meu pescoço em um ângulo agudo veria o seu umbigo através daquele decote. Com muito menos imaginação que altura, minha língua já descia do decote até o umbigo dela, descendo até um pouquinho mais. Ali mesmo, no meio de todo mundo, tentando o pudor. Já podia até sentir a textura da sua pele e o frio de um possível piercing com a minha mesma língua.
Mas ela foi chegando ainda mais perto. O que ela pode querer?
“Próxima estação, Cinelândia, desembarque pelo lado esquerdo”, disse a voz metálica-feminina. O metrô desacelerou e a passagem do tempo lá fora já não estava mais tão rápida. Ao sair ela passou por mim, que estava escorado na porta. Catei seu olhar com o meu em vão. Desci três estações depois, no Largo do Machado. Com a lembrança na língua de um atrito com pele.
Quem nunca teve uma paixão platônica no transporte público que atire a primeira pedra :)
ResponderExcluirGenial! 👏🏾👏🏾
ResponderExcluircredo que delícia!
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