O pássaro Sankofa
Fernando de Albuquerque
A primeira coisa que ouço no diâmetro do campo,
é meu uivo rasgando o silêncio que existe
entre o corpo e as vestes dos meus inimigos.
Solto um canto medonho fazendo tremer as
juntas expostas ao inchaço da friagem. A brisa de
Siracusa não é nada, tal como o lamento
dos gatos anunciando a manhã. Uma
existência perdida em vocábulos ininteligíveis,
sancionando fatos com alguma
aquiescência lacônica. Uma vontade fica
suspensa como água que escapa entre os
dedos abertos. Desse pesadelo? Restará só
uma fala pegada ao órgão da vida, só nervo,
só músculos tremendo aos espasmos do tempo.
Esse meu grito, esculpido no ferro fundido do colono
glutão, tem força idêntica ao arroz guardado
nos penteados das princesas de Akan que cruzaram
o Atlântico. A silhueta Sankofa é uma agonia antiga.
É a sentinela da casa, tal como o cacique
de todos os mortos que alvoroçou no sono dos cartagineses
que lamentaram a praticidade banal de Catão.
Há algo de hediondo e essencial agregado
às sombras de Andrika. Um organismo complexo
e nuançado de crenças reunidas em um dicionário
de valores distintos. Nenhum homem branco poderá
jamais catalogar os carimbos de cabaça esculpidos e
avermelhados simbolizando os frontões das caturras
da eternidade. O meu canto, que resplandece na frente
da casa sob o céu de cobalto, é a previsão de dias
de fogo e dias de espada. Sou filho da obscura andança,
transmitindo meu sonho em mensagens quebradas
nos becos cingidos nas taperas da memória. Cantarei
mais uma vez nas curvas da história, quando as feições
brancas, claudicando sobre um calor meridiano, vão gritar
homilias de desculpas com os olhos rajados
de vermelho. Andarão mancos e doentes, entoando
padres-nossos e hosanas, como anacoretas da capadócia.
Correndo de hunos sorrateiros e onanistas em uma
desolação sem fim. Prestem atenção ao Sankofa, pois
os pássaros contam coisas com figuras de linguagem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário