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sábado, 1 de agosto de 2020

Sobre todas as pétalas que vão cair


Alguns dias, por mais ensolarados que estejam, acordamos meio murchos e ressecados.

Era cinco de julho, um dia antes do meu aniversário. Levantei cheio de questões e dúvidas. Vinte e cinco anos de existência, um quarto de século. O que eu havia feito até ali? 

Dizem que a crise chega aos trinta, será que era uma crise intermediária?


Preparei meu café e fui até a janela olhar a paisagem. As ruas estavam vazias sem qualquer sinal de vida. Apenas as folhas nas árvores tremulavam suavemente com o vento.  Mas tudo permanecia quieto, o tipo de calmaria que só uma pandemia era capaz de trazer. E foi a suculenta, que eu deixo na janela, que me chamou atenção.


Eu não tenho muita paciência para plantas, só a ideia de ser responsável por algo além de mim mesmo me repele, mas ela havia sido presente de uma amiga, então eu tinha um certo carinho pela suculenta. Suas pétalas vermelhas e vivas traziam um charme especial para o quarto e meu trabalho se resumia a regá-la uma vez por mês. No restante do tempo ela ficava na janela e a natureza se encarregava de todo o resto.


Mas não havia chovido nos últimos dias, e o sol estava forte. Algumas pétalas estavam secas e murchas. Quantas plantas eu já não havia deixado secar e morrer, percebendo só quando já era tarde demais? Decidi pegar um pouco de água para regar a suculenta.


    -    Suas pétalas estão meio secas… - comentei enquanto regava a suculenta
    -    
    -    Acho que deveria ter te regado mais. Mas olha, as que já caíram estão nascendo de novo.
    -    


A maioria das pétalas que já estavam mortas haviam caído sem muita cerimônia, se amontoavam na terra e servia de adubo para as novas que iam crescer, mas algumas continuavam presas. Por mais que não tivessem mais vida, permaneciam grudadas


    -    Tem algumas presas ainda. Dói retirar?

    -    ...

    -    Acho que to cheio de pétalas murchas e secas também. 


Fui retirando pétala por pétala, e pensando sobre o porquê de cada uma delas.
Essa daqui está escondida e não via a luz do sol. 

Essa outra não tinha espaço para crescer. 

Comecei a analisar minhas próprias pétalas. Será que cada uma murcha e sem vida em mim era uma escolha errada? ou talvez apenas falta de cuidado?


Depois de retirar todas as pétalas, a suculenta parecia menor, um pouco debilitada. Mas dava pra ver novas crescendo.


    -    Talvez seja um processo necessário, né? Retirar o que não serve mais.
    -    
    -    Daqui a pouco suas pétalas crescem de novo, e você volta a ser tão bela quanto antes. Prometo          prestar mais atenção e regar com mais frequência.
    -    
    -    ...
    -    Algumas pétalas sempre vão cair. E tudo bem.



sexta-feira, 24 de julho de 2020

As teias da vida

E de repente... ali estávamos nós. Depois de tantos anos nos reencontramos com tal intimidade de quem nunca havia se separado. Foram tantos livros começados, difícil até reordenar as folhas soltas escritas à mão no papel já amarelado. Mas também estavam aqueles “filhos da tecnologia crescente”, impressos, bem grampeados, mas com algumas rasuras feitas em caneta preta com indicação das páginas que deveriam ser reimpressas. Tantos capítulos 1, incontáveis enredos de histórias, o mesmo sobre as personagens bem descritas (idade, cor dos olhos, nacionalidade, ocupação, traços da personalidade)... e que saudade de quando eles ocupavam grande parte dos meus dias nas horas vagas da escola. E eram muitos!

Hoje à tarde todos eles me fizeram companhia, revistei aquela Fernanda que, aos 11 anos, escreveu um romance adolescente (esse terminado!) chamado “Dias de Tempestade”. Também a Fernanda que 1 ou 2 anos depois rascunhou suas primeiras impressões sobre a política brasileira como algo a ser explorado, em um esboço que ainda tem uma linha de título a ser preenchida, e que seria uma história contada durante o Regime Militar. O primeiro capítulo, chamado "Manifestando Idéias" (sim, ainda era acentuado), tomava lugar em 1964, na Praça da Sé, e tinha em seu primeiro parágrafo “Era um domingo de sol, uma barulhenta manifestação reunia estudantes e trabalhadores. Era a época do regime militar, conhecida como Ditadura. Foi uma reunião de decretos, repressão policial e intimidação política. Época em que se modificaram as leis trabalhistas, as censuras teatrais, literárias, e principalmente a imprensa. Foi também aí que apareceram revoltas, comícios para todas as opções e uma grande queda no fim da indústria do café”, sendo que esta última frase aqui grifada, foi atenciosamente colocada entre parênteses com um ponto de interrogação ao lado, como fazem os professores dedicados não somente a corrigir mas, sobretudo, incentivar seus alunos, como o fez minha professora de português na época, a quem pedi uma leitura da minha “mais nova grande obra”.

Hoje, revisitando esse texto, num momento em que venho tentando deixar fluir essa energia criativa engavetada por tantos anos, percebo que a mágica repousa justamente na ingenuidade daquela menina de 13 anos que misturou a Era Vargas com o Regime de 1964. Quanta coisa mudou desde aquela época! Talvez aquela menina nunca pudesse imaginar seus futuros caminhos, não fazia ideia que se dedicaria a estas questões, que o Regime Militar (e a política de uma maneira geral) emergiria com tanta força ao longo dos anos, a ponto de se tornar sua escolha (mais difícil) de vida.

Mas não foi somente isso que veio à tona junto com as memórias e o cheiro das folhas antigas, reencontrei uma Fernanda que acreditava que tudo aquilo era muito importante, aliás, “a coisa mais importante a se fazer na vida”, sentada no fundo de casa, com os cadernos e folhas no colo, inventando inúmeras histórias. Isso significava reinventar-me também, buscar outros lugares, novos mundos, era como criar para mim diferentes personalidades a cada nova personagem, num período da vida em que estamos buscando nos colocar no mundo. O que não podia ser previsto, claro, era que esses papeis se inverteriam, a menina que ingenuamente escrevia sobre o Regime Militar sem ter a mínima noção do que se tratava (para além de perceber aquele período como algo muito odioso que deveria ser discutido) se tornou a mulher que amadureceu tudo aquilo profissionalmente em troca de relegar à prisão a poesia da escrita.