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segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

O filho de Maria

O Natal de Maria sempre foi no dia 26 de dezembro. Lembra, quando criança, do pai consertando pisca-piscas encontrados em meio às toneladas de lixo que chegavam no aterro. “É coisa simples, uma gambiarra resolve.” E lá estavam as luzinhas coloridas alegrando o cômodo dividido por toda a família.

A ceia sempre foi recolhida, nunca escolhida. Ainda assim dava para considerar um banquete, comparada aos outros dias do ano. Em outros tempos chegou a ganhar um panetone da patroa. Não daqueles chiques, que ao cortar um pedaço o recheio escorre pela massa, mas procurando bem, o presente tinha até uvas-passas.

Neste ano o jeito foi recorrer à tradição familiar, que Maria passou para os filhos. Ela considerava uma questão de sorte. Teve ano que a sorte estava ao seu lado e encontrou, de uma vez, um frango assado inteiro. Parecia que ninguém havia tocado. Na mesma sacola estavam as sobras de um pudim de leite, bem ensacado para não vazar. Deu para dividir entre todos.

Ultimamente a sorte não costumava brilhar. A cada ano ficava mais difícil encontrar comida para montar a ceia e Maria ainda tinha que lidar com a rebeldia do filho, que considerava injustiça revirar o lixo para ter o que comer. Foi justamente ele que encontrou a árvore de natal que enfeitou a casa até o Dia de Reis.

Ao ver a pequena árvore ao lado de uma imagem do Papai Noel e a frase “seja rico ou seja pobre, o velhinho sempre vem”, enfeitada com notas musicais, o filho de Maria discordou. Nunca ganhou nada do que queira e ainda tinha que revirar o que era jogado fora.

Para ele, o amor, que tanta gente evoca nesta época do ano, não era notado nas expressões de raiva dos motoristas, nos carros que paravam no semáforo. Muito menos no rigor dos policiais, que atuavam para “manter a paz”. O filho de Maria tinha uma ideia muito distinta de amor e paz. Escolher entre fugir ou morrer não combinava com nada do que ele idealizava.

Na semana do Natal, Maria juntou as moedas de toda a família. Não abria mão de comprar pelo menos um refrigerante, já que só as embalagens de bebidas chegam ao aterro. Os protestos do filho foram contornados com rigor. Deveriam ficar para o dia seguinte, para que pelo menos um dia do ano a família passasse reunida para uma celebração.

Coube ao filho de Maria, quase como um castigo pelos protestos, repartir a comida e servir a bebida. Não foi fácil servir a todos. A vontade era de multiplicar as pequenas porções para que todos pudessem comer até se sentirem satisfeitos, transformar a água em uma bebida melhor que o refrigerante barato que encheu os copos. Ainda suspirou quando teve que chacoalhar a garrafa para que a última gota pingasse no último copo, ainda pela metade. Encontrou o olhar de Maria. “Não reclama, menino. Tanta gente que vai dormir com fome hoje.”

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Especial de Natal

Sobre o Natal guardo desde a infância a memória de uma época de paz, confraternização e a família quase se engalfinhando por conta da uva passa no arroz. Isso no fim dos anos 80. Os argumentos de cada lado eram defendidos com fervor, enquanto eu ficava pensando por que não fazer duas travessas de arroz separadas.

No fim dos anos 90 o debate anual seguia firme e forte, porém, entre uma uva arremessada nas costas do tio Alcínio e uma pimenta maldosamente mocozada no prato da tia Anísia, alguém resolveu elogiar a privatização da Vale do Rio Doce e da Telebrás, concluindo que isso acabaria com a roubalheira.

O debate foi acalorado, sem conclusão, mas intenso o suficiente para tirar o foco das pequenas pérolas negras que adornavam o arroz. Foi um marco. A primeira quebra no monopólio da discórdia.

Uma década mais tarde eu já tinha idade para participar das discussões, mas mantive minhas raízes de neutralidade. Mantinha minha passividade suíça em meio à guerra. Acreditava que a lenga-lenga da uva passa seria superada pela maçã que apareceu na maionese, mas alguém lembrou que, contrariando as expectativas do começo da década, o governo do PT vinha fazendo um bom trabalho.

Com a picanha na churrasqueira, teve gente que lembrou do mensalão e, com um copo de caipirinha na mão, chamou o Lula de cachaceiro. A Dilma foi chamada de feia, para desespero da minha prima, que fez um árduo discurso sobre o machismo do falso argumento.

Ano passado a coisa ficou mais tensa. Cheguei a acreditar que algumas questões fossem para as vias de fato. Entre promessas passadas, não cumpridas, e promessas para o futuro, impossíveis de serem cumpridas, as uvas passas até adoçaram um pouco, à contragosto de alguns, aquela ceia amarga.

E chegamos ao paradoxal 2019, que passou voando apesar de parecer ter 487 meses. A ceia de Natal passou a ser combinada pelo grupo de família no Whatsapp. Era tradição que a primeira exigência fosse as uvas passas no arroz, seguido do primeiro protesto, contra a presença das bolinhas negras da discórdia.

Neste ano a primeira pergunta sobre a ceia foi respondida com um “Quem votou no Bolsonaro que leve a carne”, seguido de “Não vou em ceia com quem defende presidiário”. O primeiro áudio veio depois que alguém perguntou “E cadê o Queiroz?”; mais vexatório que o gemidão do Whatsapp foi ouvir o tio Alcínio gritando “TÁ NO SEU CU, FILHO DA PUTA!”.

É a primeira vez em décadas que as uvas não são sequer mencionadas. Se por um lado as brigas familiares têm sido intensificadas nos últimos anos, fica o consolo de que com o tempo até a uva passa.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Calma, é o Papai Noel!

Salvador havia começado a ficar inquieto com uma semana de antecedência. Detestava essa época do ano desde que se entendia por gente e nesse ano decidira partir para o tudo ou nada. Chega de passividade, compreensão e tolerância.

Cheirou um pouco do que chamava de pó mágico da coragem e, com uma habilidade felina, entrou na casa pela porta dos fundos. Era o tipo de casa em que ele nunca poderia entrar pela porta da frente.

Caminhou tão silencioso quanto a noite, guiado de forma intermitente pelas luzes do pisca-pisca. Chegou à sala, que aos seus olhos parecia uma casa inteira, e estava agachado diante da estante, prestes a vasculhar uma gaveta, quando ouviu um tilintar do lado de fora.

Congelou. Não era possível. Tomou todos os cuidados, viu a família inteira saindo, carregavam intermináveis sacolas cheias de embrulhos. Não poderiam ter voltado tão rápido.

Ao ouvir um barulho mais forte, seguido da luz branca que se acendeu do outro lado da sala, Salvador não hesitou. Buscou a arma na cintura e levantou girando o corpo, com o braço direito esticado para frente. Não voltaria para a cadeia. Tudo bem se fosse para o cemitério, mas para a cadeia, nunca mais.

Um pouco ofuscado pela luz forte, mirou na figura branca de roupas vermelhas e ouviu uma voz tremula.

- Calma! Sou eu. O Papai Noel.

O Papai Noel. A única pessoa a quem Salvador chamou de papai em toda sua vida. Aquele em quem depositou esperanças por tanto tempo. A fonte de angústias, decepções e culpas intermináveis.

A aflição da época de criança começava no fim de novembro. Precisava ser um bom menino para ganhar presente. Mas como, se tudo o que fazia era considerado má-criação?

O mês de calvário desembocava, inevitavelmente, na mais profunda culpa. O presente não veio, o que significava que não conseguira ser um bom menino. Salvador assumia a culpa, tolerava a falta do brinquedo que havia pedido ao Papai Noel, mas nunca compreendeu porque a família toda tinha que ficar sem a ceia graças a ele não ter sido um bom menino.

A promessa de Ano-Novo era sempre a mesma. Seria um bom menino. Não deixaria a família ficar sem a ceia de Natal de novo. Não adiantava. Simplesmente não conseguia. No primeiro ano não estudou direito, no seguinte arrumou brigas, depois abandonou a escola, começou a usar drogas, começou a roubar. Era impossível ser um bom menino o ano inteiro.

Quem diria! O Papai Noel. Um encontro quando já havia perdido a esperança. Aguardou a vida inteira por esse momento. Ele que nasceu no dia 25 de dezembro, e por isso ganhou o nome de Salvador, carregou o peso de ter estragado todos os natais da família por não ser um bom menino.

Salvador esperou trinta e três anos até ter a chance de cumprir o desígnio de seu nome. Manteve o braço direito esticado e disparou três vezes à queima-roupa. Sentiu na mesma hora o peso de uma vida retirado dos ombros.

Andou calmamente até a porta da frente. Antes de sair olhou no chão o corpo do velho, cuja barba branca já estava tão vermelha quanto à roupa.

- Feliz Natal, Papai Noel.

domingo, 20 de dezembro de 2015

Esse tal de Natal

“Então é Natal, a festa cristã...” Desculpe, sei que agora você vai ficar com essa música na cabeça o dia inteiro, mas é que eu acabei de chegar do supermercado e em meia hora tocaram essa música duas vezes, em português e em inglês. Acho válido socializar a tortura. Quem sabe conforme as pessoas vão lendo e ficando com a música na cabeça ela não vai saindo pouco a pouco da minha memória.

Não é uma mísera música chata que vai estragar o Natal. Afinal essa é a época que o mundo respira o mesmo espírito. Hoje, tal qual na gélida Finlândia, algum senhor de barba branca está Shopping Center Norte, vestido com um agasalho, calças compridas, gorro e coturno. Por sorte, ou estratégia, sua maquiagem é à prova d´água; pode suar tranquilamente.

Enquanto as crianças levam alegria ao bom velhinho, se jogando em seu colo e agarrando em seu pescoço para pedir inúmeros presentes – do iPhone sei lá quanto até que o pai pare de chegar bêbado e batendo em todo mundo – os adultos cuidam da ceia de Natal. É preciso pensar nos pratos típicos, as castanhas importadas, damasco seco, folhas de plátano para enfeitar, pratos quentes e frutas secas. Tudo bem tropical. Mais pela tradição que pela coerência climática, a avó compra tudo para o preparo do gelado pavê, afinal o tio Olímpio não poderia ficar sem o trocadilho.

Com o carrinho cheio de quinquilharias – há décadas repetem que este ano, por causa da crise, só haverá lembrancinhas para as crianças – escutam duas velhinhas beócias criticando o fato de que hoje em dia todo mundo fica preso às compras e esquece o verdadeiro sentido do Natal. Saem com uma pose típica de ‘beijinho no ombro’, mas comentam, no carro, para não dar o braço a torcer, que de fato as pessoas deixam o espírito de Natal de lado – sem perceberem que no fundo, ninguém suportaria uma festa essencialmente religiosa.

Tudo preparado antes do especial Roberto Carlos, todos se sentam para ouvir ‘Jesus Cristo, eu ainda estou aqui’ e reclamar que hoje em dia ele canta com esses artistas populares, como se um dia já tivesse sido melhor que isso. Tem o amigo secreto, para que depois todos reclamem que deram um presente bom e receberam um presente ruim; tem aquela reunião constrangedora entre parentes que não se suportam e se evitaram o ano inteiro; tem as análises políticas daquele primo reacionário; tem a tia encalhada que pergunta dos namoradinhos.

No dia seguinte, enquanto uns tomam remédios para a indigestão causada pelo excesso de comida, outros aproveitam o espírito natalino para pedir esmolas, ouvindo daqueles que se querem dinheiro devem ir pedir para a Dilma. O imbróglio causado pelo (não tão) amigo secreto trouxe à tona as picuinhas familiares e já não há caipirinha que estabeleça um laço fraternal entre os cunhados.

A sexta-feira de Natal se arrasta e quando todos parecem felizes com a iminente volta para casa, o concílio formado pelos membros mais velhos da família impõe a extensão da ‘festa’ por todo o fim-de-semana. Na segunda-feira, em meio às milhares de pessoas que lotam as lojas dos shoppings para trocar os presentes – por que diabos aquele infeliz achou que eu iria gostar disso? – a decisão irrevogável é a de passar o Réveillon dormindo, sozinho, tranquilo como é o desígnio de todo o mal-humorado convicto.

O plano segue seu rumo de forma impecável, até o mundo explodir em rojões, que os mais ansiosos resolvem começar a detonar pouco antes da meia-noite. Os pobres cachorros fazem a base da sinfonia dos infernos com seus uivos e latidos, a gritaria dos mais empolgados é a segunda voz do foguetório que não para. Adeus 2015 (já vai tarde). Adeus sono também.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Não ao tal.

No dia que celebra-se o nascimento e o amor, não há nada como a comemoração dentro de suas crenças. 

Não há nada como a paz de estar descalça, saia rodada, copo na mão e David Bowie no mais alto volume de seu rádio, cantando "...Makes no sense at all, Makes no sense to fall..." enquanto a sala vazia gira em torno de você. 

A leveza, o não cumprimento de regras, a vontade executada e a persistência do verso "...In search of new dreams..."

Se muitas coisas não fazem sentido na noite de Natal, elas fazem menos ainda quando "as the world falls down", portanto meu desejo de final de ano é: PERMITA-SE!


terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Sobre o complexo de Grinch e a pieguice do Natal

Para ler ouvindo:



E o final do ano chegou. Época de celebração para uns, principalmente em 2014, ano que muitos estão vendendo como o pior que o universo já viu, o que é obviamente um exagero, porque o universo já viu muita coisa. Por outro lado, há sempre aqueles que passam pelos festejos de fim de ano com um certo tom melancólico, surgindo daí lendas urbanas que apontam as comemorações de dezembro como causadoras inclusive do aumento do número de suicídios. Mesmo isso não sendo verdade, é difícil ignorar essa nuvem negra que paira sobre o Natal, mesmo porque ela invade vários aspectos da vida humana, desde a cultura pop até o nosso próprio dia a dia, para cada filme natalino feliz existe um Terça-feira, Depois do Natal; para cada Oh Happy Day existe uma Blue Christmas; para cada mesa farta há alguém passando fome.

Independentemente de termos o famigerado espírito natalino ou não, havemos de convir que o 25 de dezembro desperta os lados mais contraditórios do ser humano. Principalmente quando você precisa cozinhar para as um milhão de pessoas da sua família, sabendo que alguém vai reclamar da sua comida, ou do seu linguajar, ou dos seus hábitos etílicos etc. Enfim, esse nem é o grande problema, porque, apesar de todas as diferenças, é bacana saber que, não importa o que aconteça, há aquele grupo de pessoas que sempre estará lá por você, pois são a sua família, definida pelo sangue ou pela vida.

Para mim, o grande senão do Natal é aquela sensação de que é preciso fazer um balanço do ano que finda e, como grande pessimista que sou, não consigo me contentar em relembrar as conquistas, preciso remoer todas as vezes em que falhei miseravelmente, todos os amigos que não pude manter por perto, todas as tolices que falei quando deveria ter calado, todas as oportunidades que perdi por não me considerar merecedora, por não me considerar boa o suficiente, por não ter lutado tanto quanto deveria.

A boa notícia? O Natal não é apenas um feriado, é O feriado, logo, temos alguns dias para nos recuperarmos de todas as ressacas, a alimentar, a alcoólica e a moral. A melhor notícia? 1° de janeiro vem logo depois, e, com ele, mais 365 chances para acertar ou errar tudo de novo, nunca saberemos. No entanto, o mais importante estará ali: temos mais tempo, e, considerando que a vida é curta, esse é o melhor presente de Natal que podemos ter.

E sim, o final foi piegas. O Natal costuma ter esse efeito sobre as pessoas.

domingo, 22 de dezembro de 2013

De como deixei de acreditar em Papai Noel

Não, "acreditar" não é a palavra. Isso porque eu jamais coloquei em dúvida sua existência. Para mim o Papai Noel existia, assim como minha mãe existia e assim como eu próprio existo. Não era o tipo de coisa que dependia de algum tipo de crença. Ele não existia. Ele ERA.

Era todo ano a mesma coisa. Conforme os ponteiros do relógio iam se aproximando da meia-noite, os adultos, devidamente mancomunados, iam trocando olhares suspeitos. Como ninguém em minha casa tinha fantasia de Papai Noel, os ardilosos mandavam minha irmã e eu nos escondermos no banheiro "já que o Papai Noel teria uma longa noite pela frente e não tinha tempo de cumprimentar cada criança de cada casa"- diziam. 

Até hoje não entendo como este argumento mequetrefe nos convencia: lá íamos nós, com o coração aos pulos e a curiosidade nas alturas, nos trancar no pequeno banheiro dos fundos. De repente uma campainha tocava (sim, os malandros pensavam em tudo e sim, minha casa não tinha chaminé), uma conversa era forjada entre os adultos e o Papai Noel (sim, ele não tinha tempo para cumprimentar crianças, mas ficava de papo furado com os adultos. Velho hipócrita!). De repente, um murmurinho indefinido e um silêncio. Daí, alguém mandava nos chamar! Atravessávamos a casa antes de alguém conseguir dizer "ho ho ho" e lá estavam os presentes que o velhinho gorducho nos deixara (os melindrosos ainda tinham a sutileza de deixar um copo de refrigerante pela metade, para simular que alguém muito apressado o bebericara).

A farsa deu certo por 7 anos. 

No início do oitavo, o SBT estreava o programa dominical Hot Hot Hot, apesentado por Silvio Santos. Este fato, aparentemente inocente, transformaria para sempre os hábitos natalinos de minha família. Numa certa ocasião, em uma atração voltada para crianças, Silvio Santos entrevistava o ator-mirim que interpretava Julinho em Éramos Seis (a melhor telenovela de todos os tempos, segundo meu próprio julgamento e sim, minha família assistia muito SBT naquele tempo). Papo vai, papo vem, até que o proprietário-apresentador pergunta: "Má oi, Julinhoam, hihi, oi, vem pra cá, quando você deixou de acreditar em Papai Noel?".

Um filme se passou na minha cabeça em questão de segundos. O banheiro. A campainha. O refrigerante.

A verdade veio à tona. Me senti como Truman (em "O Show de Truman. O show da Vida"), quando seu barco se chocou no cenário que era seu mundo.

E foi assim que deixei de acreditar em Papai Noel e passei a acreditar em Silvio Santos.


***

Retrospectiva dos dias 22 em 2013



sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Ah... não precisava!

Em Campinas, no Centro de Convivência, todos os fins de semana tem a feira hippie. Existe há mais de 40 anos. Já mudou de nome, agora oficialmente é feira de artesanato. Justo, afinal, fundada por hippies foi aos poucos ganhando barracas fixas e ultimamente vemos apenas um ou outro ‘neohippie’ sentado em algum canto para vender seus trabalhos. De hippie mesmo restou somente o apelido da feira de artesanato.

Há alguns anos eu queria presentear uma pessoa com um par de brincos. Fiz o esboço do que queria em um papel e fui até a feira e mostrei a um bicho-grilo, que com um alicate de bico e um pedaço de arame foi moldando minha ideia enquanto conversávamos.

Não lembro como chegamos a falar de pirataria, mas ele comentou, bem humorado, que deveriam combater a pirataria contra os hippies, pois estavam chegando produtos da China imitando a indumentária artesanal, trocando sementes, penas, pedras por similares de plástico.

Este ano novamente eu tive a intenção de um presente mais personalizado. Diferente da última vez, não sabia bem o que queria, mas tive a ideia de ir até a feira, imaginando que em uma ‘feira de artesanato’ haveria ao menos algum produto manufaturado, portanto original.

Nunca havia reparado que a feira hippie, que passou para feira de artesanato por não ter mais hippies, também não tem mais artesanato. Roupas, colares, brincos, pulseiras, os itens de sempre, porém tudo industrializado.

Não quero cair na armadilha do saudosismo e dizer que no início essas feiras – suponho que essa industrialização tenha se espalhado por todas do mesmo estilo – eram melhores. Mas isso me fez pensar no que significa um presente, que foi para mim a origem de toda essa história.

Variando de pessoa para pessoa, alguns acham que presente tem que ser caro, outros que deve ser uma coisa necessária, às vezes associam à utilidade. Uma definição interessante que encontrei é que presente ideal é o que a pessoa não sabia que desejava – ótima, mas que faz da escolha de um presente a tarefa mais difícil do mundo.

Diria que um presente tem que ser marcante. Não precisa ser caro, nem necessário ou útil. Poderia ser um guardanapo rabiscado em uma mesa de bar, por isso considero que quando o presente é um livro, o mais importante é a dedicatória.

Enfim, como a definição de um bom presente é variável, nessa época do ano as pessoas aproveitam para colocar em prática o verdadeiro espírito do Natal: ir às compras gastando tudo e mais um pouco com presentes que muitas vezes não vão agradar.

Este comportamento típico está relacionado à industrialização, não das quinquilharias hippies, mas da sociedade como um todo. A produção em massa abastece o comportamento padronizado de quem vive a vida como uma linha de produção. Não há espaço para originalidade. Consumir. Consumir o mesmo. Consumir o mesmo ao máximo.


sábado, 24 de dezembro de 2011

Um título clichê

Me dei conta de várias coisas hoje.

Então é dia 24. E o que você fez? O peru, a farofa? Limpou a casa? Embrulhou os presentes? Abraçou as pessoas queridas? Mandou mensagens de Natal? O dia termina, sabe? E aí nasce outra vez, mas é outro dia também. E tudo que você deixou de fazer, dizendo que faria outra hora, deixou de acontecer. 

Houve um tempo em que não gostei do Natal. Ainda escrevia em letra minúscula: natal. Achava uma celebração hipócrita, consumista, em que as pessoas vomitavam mensagens e emoções que deveriam ter durante o ano todo, mas das quais eram acometidas subitamente só quando chegava esta época do ano. Um espírito de bondade com hora pra chegar e data de validade pra expirar. 

Hoje eu ainda acho isso. E me cobro sobre essas coisas também. Afinal, não é certo eu, que reclamo disso tudo, apenas criticar os outros e não olhar pro meu umbigo. Acho tudo isso, mas não é só isso. Compreendo também a necessidade de renovação que as pessoas têm e que o final de ano traz. De como tantos pensamentos focados numa mesma direção fazem bem pro mundo e de como isso favorece a todos nós, que só por um acaso estamos aqui neste mundo. Tem toda uma história também sobre energias, mas não vou fingir que entendo disso.

E tem a festa. Espírito natalino à parte, é sempre bom estar com as pessoas de quem a gente gosta. Faltam ocasiões para reuni-las.

Então é Natal. E logo, logo 2012 tá aí. Vai ser o final de muitas coisas. Vai ser o começo de mais um monte também. De coisas boas e ruins, os fins e começos. Nunca a ideia "aproveite cada dia como se fosse o último" foi tão séria. Muitas pessoas vão fazer essa brincadeira ao longo do ano, até que perca a graça. Hoje mesmo já não é tão engraçada assim. 

...e eu acabo de receber o SMS de um amigo. Do pai de uma amiga que hoje é mais meu amigo do que ela. E a mensagem dele abriu um sorriso aqui. Então, cinismos de lado, que todos tenham uma excelente noite e que, de agora em diante, os dias sejam cada vez melhores. Pra todos nós!