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sábado, 28 de fevereiro de 2015

cotidianização da violência

Recentemente, numa reportagem do dailymail, o Brasil ficou listado como o 2º pior país para mulheres viajarem. Alguns ufanistas ficaram indignados e chamaram a reportagem de tendenciosa, outros... culparam o PT (ultimamente essa galera anda xingando o partido até em notícia sobre buraco negro - notícia bem legal aliás, buraco negro gigantesco, massa 12 bilhões de vezes maior que a do sol e tal).



Entretanto, para as mulheres daqui isso não é nenhuma novidade. Nunca foi.

Não é novidade porque estamos num país onde Bolsonaros alegam que “só não te estupro porque você não merece” são chamados de mitos e salvadores da pátria, como se ser objetificada e classificada como passível ou não de merecer um estupro fosse algum tipo de mérito.

Este é o mesmo país onde Alexandre Frota conta num programa de auditório que violentou uma mãe de santo e é aplaudido. Os comentários sobre o vídeo onde há esta declaração, aliás, fazem perder a (pouca) fé na humanidade: pessoas alegando que, como ele não usou a palavra estupro, não houve a violência. A vítima não consentiu, pediu para ele parar e ainda desmaiou, tamanha a violência empregada. Mas não, não era estupro: era piada em rede nacional.

O apresentador do mesmo programa, Rafinha Bastos não fica longe: há alguns anos atrás declarou que “toda mulher que reclama que foi estuprada é feia” e que “o homem que cometeu o ato merece um abraço, em vez de cadeia”.

Ao passarem impunes por suas declarações, que continuam sendo internalizadas e repetidas no cotidiano, eles reforçam um ciclo: num país onde uma mulher é estuprada a cada 12 segundos, não é difícil compreender que uma estatística como essa é produto de uma cultura que valoriza e cotidianiza a violência sexual. Estas pessoas fazem atentar para a relatividade das leis, do quanto uma violência pode ser moldada para se encaixar numa noção deturpada de realidade.

Essa mesma noção fez com que, no dia 15 de fevereiro, uma adolescente de 13 anos fosse vítima de um estupro coletivo em Osasco. Estes homens, indo um pouco além de qualquer julgamento a respeito de suas personalidades, basicamente foram treinados, desde nascimento. Foram desafiados e educados a testar sua superioridade enquanto dominantes, “viris”, a olhar para uma mulher e não vê-la como um ser humano. A perversidade masculina é algo ensinado, algo que se aprende, e se aprende que “tudo bem, nada de mais”. E, justamente para garantir esse status é colocada a imagem da vítima enquanto merecedora de uma punição, um objeto de piada, afinal, quem mandou estar no lugar errado e na hora errada? Quem mandou falar demais? Você escolheu isto para você, agora sofra as consequências.

De fato, o Brasil não é um país recomendado para mulheres.


sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

A culpa é de quem?

Uma das coisas que mais chama minha atenção em relação ao comportamento das crianças é o imediatismo de suas ações, que anula as relações de causa e efeito. Quanto menores mais claro é esse comportamento. Se querem algo o mundo ao redor parece sumir, daí a importância de alguém por perto para evitar uma tentativa súbita de cruzar uma rua movimentada, jogar um objeto frágil no chão em troca de um brinquedinho de plástico ou escalar uma cristaleira para tentar pegar uma borboleta.

Outra curiosidade no comportamento dos pequenos é a sede de vingança contra os objetos inanimados. Um leve descuido é suficiente para toparem com uma cadeira e começarem um choro, mais de indignação do que de dor. Basta um adulto dar um tabefe na cadeira, seguido de uma bronca, para que a criança manhosa pare de chorar e esboce um sorriso de vingança.

Quando crescemos costumamos melhorar um pouco o senso de causa e consequência. Sem dúvida algumas vezes a desatenção se sobressai e fazemos alguma coisa estúpida, mas ao menos em situações cotidianas conseguimos nos virar sem o auxílio de uma babá depois de adultos, ou pelo menos a maioria de nós consegue.

Se o dedo mindinho vai de encontro ao pé da mesa o palavrão subsequente, dito ou pensado, surge para alívio psicológico. No máximo xingamos o objeto inanimado numa tentativa de aliviar a culpa que no fundo sabemos que não pertence ao alvo das blasfêmias.

Em situações que se espalham por um período mais longo parece que seguimos com a dificuldade de enxergar o todo. Felizmente nesses casos a ação individual costuma ser muito restrita. Não é como um descuido do pai, permitindo que a criança atravesse a rua correndo.

Independente da força da ação de cada um, as redes sociais deram notoriedade para essas características. Antes nossos deslizes ficavam mais restritos, agora aquele amigo reacionário do serviço comenta no post do amigo neo-hippie da faculdade, que choca os padrões morais da tia-avó, que posta as fofocas da família na sua time-line, sem saber que o conteúdo é aberto para todo mundo ler.

Há quem diga que as coisas vêm piorando. Pessoalmente simpatizo mais com a ideia de escala. Se antes, quando topávamos com uma cadeira, apenas os adultos próximos viam que ficávamos satisfeitos com a bronca naquela malvada que acertou nossa testa, hoje fazemos questão de expor nossa sede de vingança, nossa satisfação quando a cadeira leva bronca e nosso imediatismo.

Dizer para uma pessoinha que com um esforço homérico consegue dar os primeiros passos que ela ainda tem que desviar dos obstáculos seria muita pretensão. É difícil, complicado, chato. Melhor dar um tabefe na cadeira e isentar a criança de culpa.

E como dizer para uma pessoa recém-imersa na tendenciosa e superficial discussão política, que a violência endêmica tem raízes históricas e sua prevenção é complexa, porém mais eficiente que o combate com mais violência? Mais fácil pedir a redução da maioridade penal – tão eficiente quanto um tabefe na cadeira. Não obstante, quando é que essa pessoa vai crescer e aprender a desviar dos obstáculos?

Esperar que uma criança que mal consegue levar a chupeta à boca – não deem uma chupeta para uma criança, é só uma ilustração – tenha a consciência de que primeiro deve por o objeto que carrega em um local seguro para depois segurar alguma outra coisa, é esperar demais de um raciocínio em desenvolvimento.

E esperar que um adulto que restringe sua participação política ao voto bienal, por mera e amaldiçoada obrigação, se disponha a seguir o fio da meada do emaranhado formado pela corrupção secular do país, seria esperar demais de uma democracia reumática, apesar de jovem. Coloque a culpa toda em um dos partidos, se for muito amplo, em um dos políticos; soltamos um fardo de problemas que se espatifa espalhando cacos e seguramos o bastião da vitória – de plástico, made in China.

Ao contrário da criança que tem muito tempo para aprender a manipular objetos, nossos problemas sociais já tiveram seu tempo. Não faltam ardilosos que visam impor seus próprios interesses em detrimento do bem estar social.