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terça-feira, 27 de março de 2018

Homem Vitruviano

Eles estavam há mais de duas horas ali. Na mesa, garrafas de litrão se acumulavam. Seu João se aproximou cuidadosamente, como se não quisesse incomodá-los:
-O bar está fechando... Vocês podem acertar a conta?
Saíram ainda inflamados pela discussão. Ele gesticulava muito. Ela sorria ironicamente.
-Vocês não entendem! Há algo muito maior do que todas essas questões de identitarismo. Vocês estão sendo usados para nos enfraquecer, nosso alvo maior é a economia, deve ser ela, estamos brigando por bobagens – ele dizia inconformado.
-Bobagens? Minha liberdade é inegociável, vou brigar por ela no primeiro plano, não vou deixar pra depois. Você diz isso porque é homem e branco. – Após uma pausa, ela disse calmamente: “Você não entende os próprios privilégios...”.
 -Sabe, é isso que ta insuportável! A gente não pode mais conversar sem vocês apontarem o dedo “porque eu como mulher”, “porque eu como negro”, “porque você como homem branco”... Cara, não dá, a gente não consegue mais conversar sobre política ou qualquer outra coisa sem ouvir isso. Qualquer opinião que eu dou, lá vem o dedo me apontando. O cara dá uma “escorregada” e pronto! Já é linchado, sem levarem em consideração todo o seu histórico e o que ele fez pela nossa causa. A mina é assassinada porque estava brigando com os grandes da corrupção policial e política e só falam que ela era negra, da periferia, lésbica, como se isso tivesse alguma coisa a ver... Eu te amo, mas odeio quando você fica com essa sua cara arrogante! Por que a esquerda...
-A esquerda?! Diga, meu bem, como nós acabamos com a esquerda unificada e forte, pronta para iniciar a revolução!
-Tá vendo! Como vamos construir algo assim?
-Exato! Como vamos construir algo assim? Sabe qual é a novidade? Vocês, homens brancos de classe média/elite, nunca se deram conta de que são a régua padrão para tudo simplesmente porque o seu corpo tem passe livre. Vocês nunca se deram conta de que os corpos são marcados socialmente, que quando alguém me vê, o meu corpo chega antes do meu argumento porque vocês nunca viveram isso até agora. Mas se aplica a vocês também. O lance é que vocês dispõem de uma falsa neutralidade, que é de dominância.
-Eu sei, mas acho que vocês exageram, porque tem gente que é muito radical e aonde vamos parar? Você não acha?
-Não.
-Você não acha radical?!
-Não. Acho que sem questionar as coisas na raiz, nunca conseguiremos avançar. Eu não quero lutar por uma sociedade justa ao lado de pessoas que não me enxergam e não me tratam como par. Que me interrompem quando estou desenvolvendo um argumento, que me tratam como se eu fosse uma criança, explicando coisas que obviamente sei, que me assediam de forma constante e inoportuna...
-Mas e a paquera?
-Não. Eu me recuso a falar disso de novo. Chega! Estou cansada. Meu ônibus está parado ali, eu vou indo.
Ele baixou a cabeça chateado.
-Você não vai me dar nenhum beijo? – Ele perguntou sem jeito, sem se sentir seguro o suficiente para tocá-la.
Ela o encarou e sorriu.

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Ela partiu

Gabriela se apaixonou pela primeira vez aos 16 anos. Sentiu tudo aquilo de que falam os filmes românticos: pontada na barriga, mãos tremendo, suor, coração palpitando. Não demorou muito até que começaram a namorar e tiveram o primeiro filho. Foram morar juntos. Depois vieram o segundo filho e a primeira grande decepção na vida: o marido tinha uma amante. Sem aceitar desculpas ou explicações, Gabriela pegou os dois filhos, partiu e nunca mais voltou.

A pensão do pai não era o suficiente para atender todas as necessidades dos filhos pequenos, mas ela enfrentaria isso com toda a força que Deus dá. Difícil era aguentar as cobranças dos irmãos de congregação: “essas crianças precisam de um pai, Gabriela. Você precisa dar um jeito nisso”. Ela ouvia isso quase todos os dias.

Certo dia apareceu um homem novo na igreja, vindo do Rio de Janeiro. O carioca parecia ser homem bom, trabalhador e estava mesmo interessado em Gabriela. Ele dizia não se importar que ela já tivesse filhos; assim, logo casaram e tiveram mais dois filhos.
I am mine

A caçula estava com 5 anos, seria esse o sinal? Certo dia, Deus revelou durante o culto: “cuidado, há uma serpente debaixo da sua cama”. Ela já sentia, estava acontecendo. Não queria acreditar, Deus não podia estar deixando isso acontecer de novo, o que diriam as pessoas? No começo, ainda resistiu um pouco. Não tomaria nenhuma medida a menos que tivesse a prova do crime. “Me mostre, Deus. Me mostre a verdade”.

Deus a ouviu. Durante uma conversa com o irmão Jorge, soube que sua prima trabalhava no mesmo local que o marido. “Qual o nome dela?”, quis saber. “Roberta”, respondeu inocentemente o outro. Quando ouviu o nome da mulher, sentiu uma pontada instantânea na barriga. Era ela. Mas queria mais do que saber, queria ver com os próprios olhos. Aguardaria o momento certo.

Quando julgou ter chegado o dia, pediu para o irmão Jorge ligar para casa da prima para saber se ela estava em casa. Frente a resposta positiva, deixou as crianças com a vizinha e partiu em busca da verdade. Tocou a campainha. A mulher atendeu. Com a ira contida, Gabriela se apresentou como sendo esposa de Ricardo. Sem espaço para reação da outra, Gabriela a abraçou e lhe disse ao pé do ouvido: “Jesus te ama. Posso entrar e tomar uma água?”.

Tempestivamente, Gabriela adentrou na residência. O marido estava sentado no sofá. Gabriela o olhou com desprezo e sem lhe dirigir a palavra, lançou orações ao ar. Estava persuadida de que o mal estava presente naquele ambiente e precisava mostrar toda a força divina a que servia. Cansada, sentou-se, bebeu um copo de água e disse para o marido “vamos embora”.

A sós, ele tentou convencê-la de que seria bom pra todo mundo se as coisas ficassem iguais, ser divorciada de novo não seria bom pra Gabriela, o que os outros diriam, e ele não abriria mão da nova paixão, disse tudo isso sem ser interrompido. Gabriela o ouviu calmamente. Sem o olhar, disse que ele tinha um mês para sair de casa. “Acabou”, disse sem emoção. E quem vai contrariar uma mulher quando esta toma uma decisão?

Gabriela se viu sozinha com os quatro filhos. Os mais velhos estavam enlouquecendo-a. Não aguentava mais carregar tudo aquilo. Sabia que a decisão mais acertada seria mandá-los a responsabilidade dos pais. “Filhos são uma benção, você é a mãe”, os irmãos da igreja diziam; “e eles os pais”, Gabriela retrucava, “não estou jogando meus filhos na rua, eles estão indo morar com os pais”.

A vida continuou dura para Gabriela. Mas quando foi fácil? Agora era ela e a caçula apenas. O relacionamento com os filhos mais velhos melhorou muito desde que não moram mais juntos e assim, ela segue seu caminho, apesar de todos os dedos, apesar de...

sábado, 28 de maio de 2016

a violência banalizada

*Links no final do artigo

Em tempos de extremos, é comum tirar os agressores de sua condição humana, colocando-os no patamar de monstros e doentes. Também é comum o outro lado da moeda tentar silenciar discussões a respeito, por questão de não assumir sua pretensão de justificar o injustificável. Não há nada que legitime um estupro, que desculpe uma morte. E quando isto ocorre aos milhares?

Para ilustrar isto, vamos voltar à época da Alemanha nazista, o exemplo clássico.

Justificar o holocausto era justificar o injustificável. Para tanto, os debates a respeito eram proibidos. A classe média em peso apoiou esta medida. O holocausto era brutal, e um debate mostraria a fragilidade disto. Logo, tanto para a população quanto para o governo, era preferível coibir a discussão e o pensamento a respeito, do que assumir a brutalidade de seus atos, de sua conivência.

Hannah Arendt, ao acompanhar o julgamento de Adolf Eichmann, falou que esperava encontrar um monstro, mas, no final, o que encontrou foi um homem comum, um burocrata preocupado apenas em seguir ordens, nenhum questionamento. Um homem, como tantos outros, colocado em uma situação de violência generalizada e banalização do sofrimento – que deu brecha para o pior que há no ser humano. Ao declarar isto, chegou a ser rechaçada pela comunidade judaica, como se estivesse perdoando Eichmann por seus atos quando, na verdade, além de apoiar a punição do assassino, também apontava o sistema que o gerava.


Em 2015, o tema do ENEM foi “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Tema atual, mas pouco discutido, seja em âmbito familiar, seja no ambiente escolar. A alegação para evitar discutir violência de gênero é a mesma usada para bloquear a discussão a respeito da diversidade sexual (tema igualmente importante): família, moral, bons costumes, “mimimi”, valores, vitimismo... 

A sociedade brasileira tem uma certa resistência a discutir a violência contra a mulher pelos mesmos motivos que a Alemanha nazista evitava discutir o holocausto: ocorre, mas somos coniventes. É preferível culpar a vítima e, adotar medidas para esconder os sintomas do que atacar o problema em si.


Para a mídia o homem mata por amor, por ciúmes. Nunca porque tem ódio e acha que a mulher tem que ser subordinada às suas vontades. A maioria dos crimes contra a mulher ocorre no âmbito familiar, ou com conhecidos próximos da vítima: homens que cresceram acreditando que tinham direito sobre o corpo desta, sobretudo quando ela não se encaixava em algum padrão – e convém ressaltar, estupro não se trata de sexo. Por mais que se tente romantizar, estupro é uma agressão com base na dominação, é uma relação de poder.

Essa distorção do que é a violência contra a mulher, somado a outros fatores como a culpabilização da vítima, falta de espaço para discussões sérias a respeito do tema (e o sistemático silenciamento, perseguição e ridicularização de quem dá a cara a tapa) formam o ambiente propício para o surgimento de indivíduos que praticam atos abusivos sem considerar suas consequências, uma vez que a vítima, para eles, é um objeto.

Recentemente uma jovem de 16 anos foi vítima de um estupro coletivo, 33 homens. A violência do ato era tão naturalizada para os agressores, que eles se sentiram não apenas no direito de “punir” (sic) a garota como também de expor isto, gravaram e colocaram na internet para apreciação. Vingança, traição ou tipo de vida: o motivo não interessa, o que aconteceu foi uma monstruosidade.

Costumamos colocar indivíduos que cometem atos de barbárie numa categoria à parte da humana. Ao retirar a qualidade de humanos, também abstraímos a responsabilidade por seus atos. Porque não queremos assumir que, como nós, estes seres também são pessoas, e fruto dos valores disseminados em uma época. Que “aquilo” existiu porque uma parcela da sociedade e/ou governo foi conivente, quando não apoiador. O que muitos não percebem é que a monstruosidade não é necessariamente o produto de um humano isolado, mas é mantida por um sistema.

Não é questão de absolver criminosos. Que eles paguem por seus crimes. Entretanto, o mal maior não está na presença de doentes e desequilibrados mentais que se divertem com o sofrimento alheio. O mal maior, a banalização, está na violência sistemática, cotidiana. Estupradores são monstros? Doentes? Cometem monstruosidades, de fato. Mas ato de barbárie maior é a naturalidade com que cometem a violência.
Retirar estupradores da categoria de monstros nos tira o prazer do ódio desmedido, mas isto é importante. É importante porque o ódio é uma ferramenta de manipulação, que nos cega e nos leva a apoiar medidas extremas. 

É o ódio que leva uma multidão a ficar histérica quando vê alguém de vermelho passar na rua, ameaçando e atacando; é o que leva fanáticos a matarem homossexuais; é o que leva uma multidão, com um falso boato, a linchar uma mulher inocente; é o que nos faz achar que a violência é uma medida corretiva coerente; é o que permite que Bolsonaros e Felicianos se multipliquem.

A manipulação do medo alimenta a onda conservadora. O temor e o ódio geram propostas que nem sempre são condizentes com a realidade, que não alterarão em nada o status quo, apenas aliviarão a sensação de risco e servirão a um ódio irracional.  

Já é possível visualizar medidas extremas sendo propostas, como porte de armas, pena de morte, castração química... porque nem sempre é fácil olhar além e perceber que o problema não reside apenas no assassino, no estuprador – está nos superiores de mãos limpas que alimentam um sistema que permite que pessoas banais reproduzam atos brutais. 






[MULHER É ESTUPRADA...]



[MULHER É MORTA...]




[MULHER É AGREDIDA...]


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Fernanda Torres, não te desculpo!

O pedido de desculpas da Fernanda Torres não me convenceu, nem me comoveu. 
Quer saber o que ela escreveu no dia 22/02? Tá aqui: http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/.../22/mulher/, com o meu destaque para "A vitimização do discurso feminista me irrita mais do que o machismo."
Aí, depois de pensar "a semana toda", postando um pedido de desculpas dois dias depois (ué, uma semana tem quantos dias mesmo?) neste link aqui ó 
http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/.../mea-culpa/, achei o texto engessado (não acho que tenha sido escrito realmente por ela, pela diferença na escrita), frio e conversa pra boi dormir.
Ela tem o direito de repensar uma opinião? Tem e deve. Eu estou sempre pensando, repensando, discutindo, falando antes e se arrependendo depois. Aprendendo que não é assim ou assado.
Porém, se não fosse a repercussão que aconteceu durante os três dias, duvido que ela se retratasse da maneira que fez.

Não aceito que uma mulher com acesso a tanta informação, solte um texto dessas, enfiando no lixo os próprios textos publicados e bem fundamentados no blog ‪#‎AgoraÉQueSãoElas‬ por outras mulheres que lutam diariamente contra a maré preconceituosa.


Quer escrever sobre o feminismo? Escreva! Quer criticar o feminismo? Critique! Mas leia, conheça, pense e opine.
Esses discursos colocados de maneira genérica na internet, só reforçam aquilo que Jout Jout Prazer disse uma vez e eu endosso: #VamosFazerUmEscândalo.

Do lado de cá, os machistas não passarão. As machistas também não. Foi assim que aprendi com a mulherada lá de casa e é por isso que hoje defendo o que elas fizeram anos atrás.

Até mês que vem! 




domingo, 25 de outubro de 2015

Questões feministas, sim.

Mudei o meu post quando li o tema da redação do ENEM: "A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira".

Eu, mulher, quase incansável nas discussões sobre o feminismo, não contive minha alegria ao ler o anúncio do MEC que, já tinha surpreendido com Simone de Beauvoir, ontem. A alegria de ver a questão retirada do armário fez contraponto com a tristeza ao ler diversos comentários que este não é uma tema sério, apenas mimimi das feministas, que mulheres que são dão ao respeito não correm o risco de passar por uma situação assim.

Ô gente, estamos em 2015 e o Moonwalk continua, muitos passinhos para trás.Você não precisa concordar mas precisa entender que existe uma série questão a ser discutida.

Batom vermelho, saia curta, short, roupa transparente, andar sozinha à noite não é sinônimo de vagabunda, nem de merecimento de uma passada de mão.
Ser a favor do feminismo não é odiar os homens. Não é uma briga de gêneros, não é uma briga de poder, é sobre direitos.
Eu não tenho direito em relação à total escolha do meu corpo, não posso decidir se desejo continuar uma gravidez ou interromper. Isso não é ser a favor ou contra o aborto. 

Bato na tecla óbvia que "ninguém aguenta mais ouvir" e continuarei batendo nesta tecla enquanto um lindo discurso teórico não for compatível com a prática.

Vamos somar, homens e mulheres. Vamos discutir e argumentar com aqueles que estão ao nosso redor. Vamos falar sobre o estupro, sobre o assédio, sobre a violência, sobre o abuso. Vamos acolher.


quinta-feira, 27 de agosto de 2015

À liberdade


Mulheres correndo na praia - P. Picasso
Há um desassossego no meu peito que não cessa. A busca por liberdade. Se fosse resumir tudo, é isso: à liberdade. Liberdade de ser um espírito em busca de aventuras, de novas experiências, de encantamento.

Há dias em que o mundo parece suspenso no ar. Quanto de amor é o suficiente para nos bastar? Quanto de devoção e dedicação do outro é o suficiente para provar que realmente somos amados? A ideia aterradora de que somos sozinhos é constantemente abafada, mas nunca o bastante: queremos provas de amor o tempo todo, porque só assim nos sentimos menos sós no mundo. E qual o problema em se estar só? Talvez seja o desnudar-se. É muito difícil se expor ao mundo, é embaraçoso.

Não se espera de uma mulher que ela seja forte. Não se espera de uma mulher que ela ouse se colocar como um espírito em busca de liberdade, porque liberdade é uma coisa masculina. Uma tal mulher que se coloque assim, certamente é perversa, egoísta, insensível, vaidosa. A sua busca será ofensiva a todos aqueles que estão presos e sem forças para movimentar-se. “Imagina! Uma mulher...”.

No entanto, no devagar depressa dos tempos, as mulheres vão se redescobrindo nas suas particularidades de seres humanos e a ideia de liberdade está se tornando mais frequente. Que tipo de revolução se dará quando a maioria de nós romper com o "desde que o mundo é mundo é assim"?


ps. deixo um video da artista franco-chilena Ana Tijoux, que me inspirou a escrever este texto.
 

sábado, 28 de março de 2015

Sangue e instagram

Durante a semana fiz várias anotações dos possíveis temas de hoje. De Paraisópolis e sua estruturação dentro da cidade (e isto enquanto uma condição física, a favela se desenvolve paralelamente à cidade), a questionamentos sobre as manifestações que ocorrem agora, em comparação às de junho de 2013 (e que muita gente acha que são a mesma coisa, mas não, não são).

Entretanto deixarei esses temas bacaninhas em segundo plano, o que chamou a atenção, no final, foi Rupi Kaur e sua foto excluída do instagram.

Afinal, nada é mais aterrorizante e ofensivo para as pessoas do que uma mulher com uma marca de sangue de menstruação nas roupas. Algo pra ser jogado embaixo do tapete. Ao menos é isso o que foi dado a entender.



Estudante da Universidade de Waterloo, Rupi Kaur estava realizando uma série de fotografias para um trabalho acadêmico, e utilizando o instagram como meio. Entretanto, esta foto foi excluída pelo servidor, por “violar suas normas de conduta”. 

A estudante não se calou, ao contrário, repostou a foto, com os dizeres:
“Thank you @instagram for providing me with the exact response my work was created to critique. You deleted a photo of a woman who is fully covered and menstruating stating that it goes against community guidelines when your guidelines outline that it is nothing but acceptable. The girl is fully clothed. The photo is mine. It is not attacking a certain group. Nor is it spam. And because it does not break those guidelines I will repost it again. I will not apologize for not feeding the ego and pride of misogynist society that will have my body in an underwear but not be okay with a small leak. When your pages are filled with countless photos/accounts where women (so many who are underage) are objectified. Pornified. And treated less than human. Thank you. ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀
This image is a part of my photoseries project for my visual rhetoric course. You can view the full series at rupikaur.com⠀⠀
I bleed each month to help make humankind a possibility. My womb is home to the divine. M source of life for our species. Whether I choose to create or not. But very few times it is seen that way. In older civilizations this blood was considered holy. In some it still is. But a majority of people. Societies. And communities shun this natural process. Some are more comfortable with the pornification of women. The sexualization of women. The violence and degradation of women than this. They cannot be bothered to express their disgust about all that. But will be angered and bothered by this. We menstruate and they see it as dirty. Attention seeking. Sick. A burden. As if this process is less natural than breathing. As if it is not a bridge between this universe and the last. As if this process is not love. Labour. Life. Selfless and strikingly beautiful.”

Tradução (livre e com falhas, mas feita com amor e carinho <3):
“Obrigada, @instagram, por me fornecer a resposta exata ao que meu trabalho foi criado para criticar. Vocês deletaram a foto de uma mulher que está completamente coberta e menstruada, alegando que isto vai contra as normas de conduta, quando esta foto não é nada além de aceitável. A garota está totalmente vestida. A foto é minha. Não está atacando um determinado grupo. Tampouco é spam. E, justamente por não ir contra nenhuma destas políticas, irei postá-la novamente. Eu não iriei me desculpar por não contribuir com o ego e orgulho desta sociedade misógina que teria meu corpo em trajes mínimos, mas não está ok com um pequeno vazamento. Enquanto suas páginas estão recheadas com inúmeras fotos/contas onde mulheres (e tantas menores de idade) são objetificadas. Erotizadas. E tratadas como menos do que um ser humano. Obrigada.
Esta imagem é parte do meu projeto de série de fotos para meu curso de retórica visual. Você pode ver a série completa em rupikaur.com.
Eu menstruo todo mês para que a humanidade seja uma possibilidade. Meu útero é lar para o sagrado. Uma fonte de vida para nossa espécie. Escolha eu criá-la ou não. Mas poucas vezes é visto desta maneira. Em civilizações mais antigas, este sangue era considerado sagrado. Em algumas ainda é. Mas a maioria das pessoas, sociedades e comunidades evitam este processo natural. Algumas ficam mais confortáveis com a erotização da mulher. A sexualização da mulher. A violência e degradação da mulher. Mais confortáveis do que com isto. Eles não se importam em manifestar seu desgosto em relação a estas coisas, mas ficam irritados e incomodados por isto. Nós menstruamos e eles veem como uma sujeira. Falta de atenção. Doença.  Um fardo. Como se este processo fosse menos natural do que respirar. Como se isto não fosse uma ponte entre este universo e o outro. Como se este processo não envolvesse amor. Trabalho. Vida. Algo altruísta e de uma beleza impressionante.”

O Instagram deletou a foto novamente, e houve outra repostagem (confira a saga aqui).

Enfim, a pertinência desta postagem não reside apenas no texto escrito pela universitária, mas  em sua repercussão, a atitude do servidor e, sobretudo, a reflexão acerca da visão do corpo feminino. Até onde uma mulher vai para ignorar ou suprimir o funcionamento natural do próprio corpo, como se o organismo estivesse errado? Seja para se adequar à uma visão de sociedade, seja para se enquadrar no mercado de trabalho.

No caso da imagem e sua exclusão, o útero e sua manifestação foram tratados como algo de ofensa moral pública. Como se fosse extremamente repulsivo e perigoso. Anti-ético, praticamente.

Entretanto, como alega a autora, há séries de imagens e contas que priorizam a objetificação feminina, enquanto um elemento de atração sexual – e, reforçando, muitas delas com garotas menores de idade. “É interessante apontar como o sangue de menstruação pode deixar tanta gente desconfortável em um mundo onde há uma exposição constante que são sexualmente explícitas, violentas e beiram a repulsão. Assistimos jornais e reportagens sobre guerra e maratonas de ‘Law & Order: SVU’ sem nem piscar, mas não há uma única propaganda de absorvente que utilize o vermelho para simbolizar o sangue da menstruação”, disse a estudante, em entrevista ao Huffington Post.

Na mesma reportagem, ela ainda afirma que não é uma questão de começar a idolatrar o sangue e fazer um círculo para honrar nossas deusas interiores e fingir que menstruar é uma coisa linda e mágica – as cólicas são um saco. Mas sim diminuir a vergonha que rodeia a menstruação é um objetivo válido, e que necessita nossa aceitação de que sangue acontece. Todo mês. “Nossos corpos são esquisitos e confusos, mas são os únicos que temos, então seria uma boa se aprendêssemos a amá-los”.




sábado, 28 de fevereiro de 2015

cotidianização da violência

Recentemente, numa reportagem do dailymail, o Brasil ficou listado como o 2º pior país para mulheres viajarem. Alguns ufanistas ficaram indignados e chamaram a reportagem de tendenciosa, outros... culparam o PT (ultimamente essa galera anda xingando o partido até em notícia sobre buraco negro - notícia bem legal aliás, buraco negro gigantesco, massa 12 bilhões de vezes maior que a do sol e tal).



Entretanto, para as mulheres daqui isso não é nenhuma novidade. Nunca foi.

Não é novidade porque estamos num país onde Bolsonaros alegam que “só não te estupro porque você não merece” são chamados de mitos e salvadores da pátria, como se ser objetificada e classificada como passível ou não de merecer um estupro fosse algum tipo de mérito.

Este é o mesmo país onde Alexandre Frota conta num programa de auditório que violentou uma mãe de santo e é aplaudido. Os comentários sobre o vídeo onde há esta declaração, aliás, fazem perder a (pouca) fé na humanidade: pessoas alegando que, como ele não usou a palavra estupro, não houve a violência. A vítima não consentiu, pediu para ele parar e ainda desmaiou, tamanha a violência empregada. Mas não, não era estupro: era piada em rede nacional.

O apresentador do mesmo programa, Rafinha Bastos não fica longe: há alguns anos atrás declarou que “toda mulher que reclama que foi estuprada é feia” e que “o homem que cometeu o ato merece um abraço, em vez de cadeia”.

Ao passarem impunes por suas declarações, que continuam sendo internalizadas e repetidas no cotidiano, eles reforçam um ciclo: num país onde uma mulher é estuprada a cada 12 segundos, não é difícil compreender que uma estatística como essa é produto de uma cultura que valoriza e cotidianiza a violência sexual. Estas pessoas fazem atentar para a relatividade das leis, do quanto uma violência pode ser moldada para se encaixar numa noção deturpada de realidade.

Essa mesma noção fez com que, no dia 15 de fevereiro, uma adolescente de 13 anos fosse vítima de um estupro coletivo em Osasco. Estes homens, indo um pouco além de qualquer julgamento a respeito de suas personalidades, basicamente foram treinados, desde nascimento. Foram desafiados e educados a testar sua superioridade enquanto dominantes, “viris”, a olhar para uma mulher e não vê-la como um ser humano. A perversidade masculina é algo ensinado, algo que se aprende, e se aprende que “tudo bem, nada de mais”. E, justamente para garantir esse status é colocada a imagem da vítima enquanto merecedora de uma punição, um objeto de piada, afinal, quem mandou estar no lugar errado e na hora errada? Quem mandou falar demais? Você escolheu isto para você, agora sofra as consequências.

De fato, o Brasil não é um país recomendado para mulheres.