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sábado, 28 de novembro de 2015

Não vão vencer

Marga coçou os olhos. Do terraço do centro cultural dava para ver uma parte grande da avenida. Não era alto o suficiente para enxergar a cidade inteira, mas era o suficiente para colocar os pensamentos em ordem. O vento bateu no rosto, empurrando as lágrimas e os cabelos ruivos. O dorso da mão rosada passava pelas bochechas cheias de sardas que compunham o rosto redondo.
Um casal passou de mãos dadas.
- Olha que vista bonita! Não sabia que dava pra subir aqui!
- É! Pouca gente sabe!
- Vem cá, vamos tirar uma foto!
Depois de observar a felicidade alheia, desviou os olhos do casal. Não estava afim de chamar a atenção com os olhos inchados. Ajeitou a gola da jaqueta jeans e tirou o cabelo do pescoço, ficou olhando as pontas.

“Red hair is great. It's rare, and therefore superior.”

Deu um sorriso bobo com a lembrança.
O que seria uma lembrança?

...

“O meio no qual você cresceu sempre foi hostil, violento...”

...

“Não é à toa que você é tão retraída, fechada no seu próprio mundo..”

- Meu próprio mundo – murmurou.

...

 “Me fale de quando você foi estuprada..”

...

“Essa violência era recorrente?”

...

“Alguém te ajudou?”

...

“É comum distorcerem o que você fala?”

...

“Quantas vezes você já pensou em se matar?”

- Todos os dias – sussurrou olhando para os pés e a vista depois da grade – todos os dias...

...

- E por que você não foi até o fim? – perguntou o terapeuta.
A sala era iluminada por uma janela. Uma cortina branca deixava luz difusa. Marga olhou de lado. O rosto mais magro. Curativos nos pulsos. Um cigarro na mão direita e as unhas roídas. Tragou o cigarro.
- Por que você está aqui, Margarida?
- Você não sabe? Sou fracassada. – Fala o que eles querem ouvir.
- Você é?
- Bom, é isso o que falam, então devo ser. – Não deixa eles saberem.
- E o que mais falam?
Falam que eu deveria ter sido abortada..
- Você sabe... – A voz saiu fraca. Merda. Não era pra sair fraca. Continue forte.
- Não, não sei, Margarida.

Filho da puta.

- Não gosto. Não desse nome. – Isso, boa. Continua desviando o assunto.
- Como você quer que te chame?
-... Marga. M-A-R-G-A. Não Amarga.
- Quem te chama assim?

Minha mãe.

- Todo mundo.
- E todo mundo fala o que?

Merda. Cigarro. Cadê o cigarro? A mão tá tremendo. Desiste do cigarro. Foca na respiração. Fala como se não fosse nada importante.

- Falam que.. que quem está perto de mim não está por opção. 
- E.. você acha isto?
- Bem, eu.. acho que.. – para de embargar, voz maldita.. olha pro lado – eu acho que mesmo que eu seja digna de ser amada, ninguém vai fazer isso. Ninguém realmente nunca ficou, sabe? Então talvez eles tenham razão.. mas.. mas mesmo que isso seja verdade.. algum dia.. algum lugar.. – não chora.. não.. ch.. merda.
- O que você quer, Marga?

Ah, foda-se.. já tá chorando mesmo..

- Encontrar um lugar pra voltar. Onde eu não seja um desperdício de espaço. Mesmo que seja eu sozinha. É por isso que eu tento me matar e sempre paro no meio do caminho, ou sempre acabo voltando pra um de vocês.. porque eu tenho que ser maior que essa bosta toda, porque eu sei que vai ter algum lugar melhor. Nem que eu tenha que fazer. Não vou deixar que eles vençam. Não vou.

...

A risada do casal tirando fotos parou com a chuva começando.
- Ai, meu cabelo!!
- Vamos voltar pra dentro!

Marga olhou para cima, algumas gotas ainda leves caindo no rosto. Fechou os olhos e respirou fundo.
- Eles não vão vencer. Não vão.


Não. Não vão.


segunda-feira, 28 de setembro de 2015

líquido


líquido
adjetivo
1. fís. diz-se do estado da matéria intermediário entre os estados sólido e gasoso, caracterizado por apresentar forças de coesão intramoleculares mais fracas que as dos sólidos, e mais fortes que as dos gases.
2. que flui ou corre como água.

Era o segundo cigarro que acendia em menos de quinze minutos. Assoprou a fumaça enquanto olhava de soslaio para a carta fechada em cima da mesa. Tamborilava os dedos no tampo de madeira enquanto dava mais um trago.

Anne, 28 anos, solteira, virginiana, ascendente em aquário. E quem raios escreve e envia uma carta hoje em dia?!

Apagou o cigarro no cinzeiro e ficou encarando o envelope. Ela sabia quem era, conhecia aquela letra cursiva do diabo mais do que gostaria de admitir. E adorava e odiava aquela caligrafia.

Amor fati. Amor líquido. Tantas definições apenas para esconder o quanto foi otária.

 “Líquidos mudam de forma muito rapidamente, sob a menor pressão. Na verdade, são incapazes de manter a mesma forma por muito tempo. No atual estágio “líquido” da modernidade, os líquidos são deliberadamente impedidos de se solidificarem. A temperatura elevada — ou seja, o impulso de transgredir, de substituir, de acelerar a circulação de mercadorias rentáveis — não dá ao fluxo uma oportunidade de abrandar, nem o tempo necessário para condensar e solidificar-se em formas estáveis, com uma maior expectativa de vida.” (BAUMAN, Zygmunt)

Levantou da cadeira e começou a andar pelo apartamento.

“...  Tudo para disfarçar o antigo medo da solidão.”

Olhou para o chão enquanto andava, os braços cruzados e inquietos.

Eventualmente, tudo o que queria era não se sentir descartável. Aquela carta, e não precisava nem abrir para saber aquilo, carregava uma série de feridas antigas, promessas que deixaram de se cumprir e outras coisas largadas pelo caminho.

Não foi ela quem simplesmente desistiu de tudo. A ela só coube encarar com dignidade e seguir em frente. É isto o que fazemos quando acreditamos demais, fingir que superamos e aguardamos silenciosamente pela próxima decepção, virando a esquina. Acender um cigarro, olhar para os dois lados e atravessar a rua, uma parte sua torcendo para chegar do outro lado enquanto todo o resto deseja ansiosamente pelo motorista ensandecido que vai te fazer voar pela pista. Talvez quando você estiver no seu leito de morte no hospital, quem você espera surja, falando o quanto você fez falta.

Mas foda-se. Não vai acontecer e ninguém perguntou nada.

E a carta ainda estava ali. Chegou junto com as contas, como se fosse algo banal.

Talvez banal fosse mesmo a palavra.

 “As relações se misturam e se condensam com laços momentâneos, frágeis e volúveis. Num mundo cada vez mais dinâmico, fluído e veloz. Seja real ou virtual.
(...)
 Vivemos tempos líquidos, nada é feito para durar, tampouco sólido. Os relacionamentos escorrem das nossas mãos por entre os dedos feito água”.

Olhou mais uma vez para o envelope em cima da mesa. Inquisidor. Pegou o isqueiro.

“...as pessoas precisam sentir que são amadas, ouvidas e amparadas. Ou precisam saber que fazem falta. (...) Ser digno de amor é algo que só o outro pode nos classificar. O que fazemos é aceitar essa classificação. Mas, com tantas incertezas, relações sem forma - líquidas - nas quais o amor nos é negado, como teremos amor próprio? Os amores e as relações humanas de hoje são todos instáveis, e assim não temos certeza do que esperar”.

Apreciou a carta enquanto pegava fogo. Não precisou nem abrir para saber o que era. Se seu remetente tinha sido covarde por tantos anos (e não era menos covarde agora), não cabia à Anne ser corajosa ou forte mais uma vez. Pra que se dar a chance de se machucar novamente, por alguém que foi sem olhar para trás?

Não importa. Meios que justificam fins inacabados só são detalhes.

E aquilo, num mar de promessas inacabadas, estava finalizado.

“E foda-se você” – disse, ao acender o cigarro no envelope.

sábado, 27 de agosto de 2011

Maconha na Holanda

Interessado em saber um pouco sobre a maconha na Holanda? Veja um pouco do que um amigo escreveu lá no meu blog.

Cheguei há poucas horas em amsterdã e já fui conhecer um coffee shop na luz vermelha. Digo-lhes que a experiência é fantástica, se bem que eu estou nessa cidade sozinho e lá, na hora em que entrei, fiquei meio tenso e apreensivo mesmo sabendo que era permitido fumar "inside". Porém não é para tanto, podem entrar tranquilos e decidirem pela maconha que tem o nome mais "cool", até porque são tantas as opções que o sujeito fica maluco. Mas o pessoal te ajuda dando sugestões e geralmente os famosos "menus" estçao organizados em escala ascendente de "power". Optei por escolher um nível médio.

Recomendo que, como dito antes em um reply, optem pelo grau mais fraco e não tentem ser super heróis, até porque quem sabe fumar, não exagera. É só curtir a brisa conscientemente, assim não abre-se brecha para uma bad trip. Afinal, passar mal não é uma boa, pois há outras coisas para se fazer nessa linda cidade, como visitar os famosos museus, tirar muitas fotos e apreciar a arquitetura da cidade.


sábado, 7 de maio de 2011

Tem fogo?

Texto de: Marcelo Antunes.

Começar a escrever, mesmo para quem gosta, nem sempre é tarefa agradável. Confesso que, nos últimos tempos, dona Inspiração não tem dado muito as caras para o lado de cá, e produzir um texto, por mais bobinho que seja, tem sido trabalho árduo para mim. Na realidade, meu grande problema é mesmo o início. Depois, eu pego no tranco e, quando vejo, lá o ponto-final, cravado e, graças a São Machado, mais um trabalho concluído.

Quando o Luís me contou sobre o convite para escrever no Blog das 30 Pessoas, a primeira pergunta que me ocorreu foi essa: “Eu posso escrever sobre qualquer tema ou há um assunto determinado?” . Ele então, me explicou que variava muito. Em alguns meses, o tema era livre, em outros, a equipe escolhia um. Para maio, por enquanto, não havia nada fechado, embora houvesse uns buxixos que o tema das postagens seria ele. A chaminé do diabo. A chupeta do capeta. Ou, para os mais íntimos, o bom e velho cigarro.

Eu sou de um tempo - quem espalhar, leva porrada - em que comerciais de cigarro eram exibidos, em qualquer horário, na tv. Lá estava o moleque assistindo a Turma do Balão Mágico ou o Xou da Xuxa quando entrava no ar a propaganda do Hollywood, com seus caras bonitões cercados de moças gostosonas, todos felizes, andando de jipe, saltando de paraquedas ou voando num balão, embalados por uma trilha sonora bem chiclete. Uma que ainda está bem viva na minha memória era a que tinha Miles Away, do Winger: “Miles away, no, you're turnin' back/ And I just can't wait anymore/ Miles away, nothing left of what we had/ Just when I needed you most/ You were miles away”. Eu me amarrava na propaganda e, ficava ali, me imaginando no meio dos bonitões e das gostosonas, ora no jipe, ora no paraquedas, ora no balão. E nem por isso me tornei fumante. Prova de que uma coisa, nem sempre, tem a ver com a outra. By the way, se tivesse que ter sofrido algum tipo de influência, nesse sentido, ela teria vindo de dentro da minha própria casa: minha mãe fumou por 30 anos, a despeito da turma do contra - marido e filhos. Cresci vendo meu pai lhe oferecendo mundos e fundos - casa na praia, carro novo, viagem nas férias - para que ela abandonasse o “maldito”. Ela dizia que começou a fumar por vontade própria, e se, um dia, tivesse que abandonar o “hábito”, seria da mesma forma. Vale ressaltar que no tempo da mamãe, não havia as propagandas sedutoras do Hollywood (“Hollywood, o Sucesso”). Tá, havia o cinema com seus astros e estrelas, sempre ostentando um cigarrinho charmoso entre os dedos, quase como um coadjuvante. Afinal, como esquecer de “A Estranha Passageira” (ok, mamãe ainda nem tinha nascido), onde o Paul Henreid acende dois cigarros na boca, entregando um para a Bette Davis? - confesso, sempre quis fazer isso. Reza a lenda, aliás, que o gesto foi improvisado por Henreid na hora e que o jeito de Davis fumar foi imitado por décadas pelas mulheres e travecos americanos.

Hoje há patrulhamento para tudo e é raro encontrar personagens fumantes em filmes e novelas. Comercias do gênero foram banidos. Não tenho exatamente uma opinião formada a respeito, mas admito que tenho saudades desse tipo de propaganda. Foram as mais bonitas que já vi. Pelo menos, é o que a minha memória de criança guarda.

Minha mãe parou de fumar do jeito que sempre quis. Um belo dia levantou, deu na veneta e falou que não queria mais saber daquilo. Jogou o maço fora e nunca mais pôs um cigarro na boca.

Ah, só pra constar: ela não ganhou casa na praia, nem carro novo, nem viagem nas férias, coitada.