Mostrando postagens com marcador morte. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador morte. Mostrar todas as postagens

domingo, 22 de julho de 2018

Das vezes em que sempre soube

Tudo começou com a morte dos Mamonas. Eu acordei naquela manhã de domingo, 02 de março de 1996, com a assombrosa notícia de que o avião que levava a banda havia caído sobre a Serra da Cantareira. Eu tinha 10 anos. Eu lembro que foi um domingo horrível para todos. Olhos grudados na tevê em busca de informações, Pelados em Santos tocada à exaustão em todas as rádios, a cara de tristeza generalizada em todos lá de casa pela perda de nossa banda favorita, sobretudo de nós crianças que sabíamos de cor aquelas canções que falavam de surubas e milagrosos sabões que não deixavam os pelos do corpo enrolarem uns com os outros. Para todos ali aquele domingo foi bem estranho. Mas para mim um pouco mais. Eu tinha um segredo. Eu sabia da morte dos Mamonas antes que ela acontecesse e não contei para ninguém. Sim, na noite anterior eu me revirei diversas vezes na cama. Eu sonhei que que um avião caia por sobre uma montanha e todos os integrantes de uma banda de rock morriam. A banda eram os Mamonas Assassinas.

***

Dois anos depois outro sonho. Eu tinha 12 anos e sonhei que o cantor Leandro morria, justo ele um dos meus ídolos da infância. Na manhã seguinte, acordo com a noticia de sua morte. Não contei isso pra ninguém. Morria de medo. Não queria ser tomado como excêntrico, esquisito. Até podia imaginar minha mãe me levando para o Domingo Legal como menino prodígio, enquanto o Gugu me pediria previsões sobre a vida dos famosos. Não queria aquilo. Por isso me calei.

***

Natal de 2012. Eu tinha até me esquecido de minhas duas isoladas experiências premonitórias. aquilo tinha ficado no passado, coisa de criança. Duas coincidências incríveis apenas. Até que pediram pra tirar aquela foto. Uma daquelas fotos de família, com todo mundo reunido. E eu era convidado ali e não conhecia nem metade das pessoas. De muitos não sabia nem o nome. A única coisa que eu sabia é que alguém ali ia morrer. Sim, no exato momento em que a máquina foi programada e todos se postavam para o "xis" eu tive a total certeza de alguém ali ia morrer, que aquela seria a última foto de algum de nós. Eu tentei afastar aquele pensamento horrível, mas não deu tempo. Nem bem as pessoas começaram a se dispersar e a senhora japonesa da segunda fila caiu no chão, as mãos no peito, os olhos esbugalhados. Morreu dois dias depois. Aquela foi sua última foto.

***

E agora... agora eu sinto coisas... sim, sobre você que está me lendo... não sei bem o que é... mas tome cuidado, tá bom?

***

É brincadeira isso. não estou sentindo nada.

***

***

ou talvez esteja...



quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Mínimas mortes

O cheiro da morte se anuncia a nós desde muito cedo. Eu quase nada conhecia do mundo, quando vi minha mãe sucumbir ao meu lado. Num instante ela estava e no outro deixou de estar. Escapei por muito pouco, sem poder ver a origem do golpe, sem nem ao menos poder despedir-me. Entre nós, eu haveria de aprender, não há margem para despedidas. Nossas vidas são efêmeras. Mínimas. 

Não tardou e vi partir meu pai e já nem sei quantos irmãos, tios e sobrinhos. Uma emboscada. Uma arapuca que somente as engenhosas cabeças da indústria da morte são capazes de conceber. Estavam em pleno voo quando foram surpreendidos. De onde estava, pude ver o clarão, o estampido. Mesmo de longe era possível sentir o cheiro de corpos carbonizados e o som das risadas dos agressores. Divertiam-se. Sempre fomos brinquedos em suas mãos. 

Para alguns é ainda pior. A morte é lenta e agonizante. De todas as formas de morrer, a que menos desejo é ser vítima do jato. Ele surge quando menos se espera e vai tirando a força vital aos poucos. Os que recebem o jato, úmido e de odor nauseante, cambaleiam sem ar e aguardam a morte como a uma dádiva. Foi-se o tempo em que apenas morríamos. Dado o refinamento das técnicas mortuárias, hoje se morre desejando nunca ter nascido. 

É notório que preferem nos atacar a noite, justo quando estamos mais vulneráveis, justo quando saímos em bando para nossas atividades habituais. É notório também que preferem nossas fêmeas e são a elas que atacam com maior furor. Ainda que os muitos anos de evolução de nossa espécie, tenha dotado nossas fêmeas de suprema sutileza na hora de sorver a seiva, ainda assim as apunhalam abruptamente, sem possibilidades de negociação. Brutos! Atacar o inimigo de costas e enquanto se alimenta! Oh, desnecessária perversão...

Sempre fomos hospitaleiros e adeptos à cordialidade. Jamais recusamos dividir nosso espaço com eles. Isso é nossa marca e sempre será. Os mais corajosos de nós, constantemente tentam aproximação. Chegam devagar, com a polidez de diplomatas, com sussurros ao pé do ouvido - porque somos delicados e nos desgostam os urros e gritarias histéricas - e ainda assim os bárbaros nos atacam com nítida incivilidade e fazem fenecer os menos ágeis de nós.

Quanto a mim, sei que a morte me espreita ali na esquina e nem uma folha se moverá mais lentamente quando isso acontecer. No dia seguinte a minha morte, milhões de nós virão ao mundo, milhões de nós partirão dele e uma nota sequer sairá no jornal. Apenas acontecerá o que tem que acontecer a quem nasceu para ser mínimo. O que agora me ocorre é que chegará o dia em q




domingo, 22 de maio de 2016

Post Scriptum

Querido Papai, querida Mamãe,

Sentem-se e leiam.
(um chá de camomila nunca é demais... uma pena a Rosa não vir hoje)
Finalmente temos alguns minutos pra conversar:

Devolvo a vocês o meu corpo.
Que nunca chegou a ser mesmo meu.
O retalho por fora
Assim como vocês o retalharam por dentro.

Desculpe-me fazê-lo na sala de jantar
As manchas de sangue custam a sair.
Mas não deixem de fotografar e contar pra toda família
Finalmente o bibelô de vocês
Fez algo realmente notável!

Nunca tive medo de morrer.
Tenho medo é de seguir vivendo.
Medo de um dia me olhar no espelho e enxergar vocês.
Medo de viver num mundo de aparências
Conveniências,
Novela das seis

Não viverei pra ser genial, engenhoso, engenheiro.
Não viverei...
Se não posso construir minha vida
Construo sim minha morte!
Se queriam me ver doutor
Ajo agora como doutor de mim mesmo

Vou-me cedo.
Quase sem ter chegado.
Viro a chave duas vezes
E parto sem olhar pra trás.

Viver dói.
Viver cansa.
Viver dá câncer.
Me autoproclamo inadaptado à vida!

Guardem esta carta. 
E leiam-na. 
Leiam-na até decorá-la. 
E vejam na podridão que há em cada linha
O reflexo da podridão que há em vocês.

Com amor,

Eu

sábado, 27 de junho de 2015

Decrescer



Minha tia está sob a linha que separa a vida da morte. Da última vez que a vi, a coisa só foi piorando. De quando em quando, fecho os olhos e me vêm a imagem do rosto magérrimo, sobretudo dos olhos dela. Talvez porque eu tivesse olhado fixamente para eles, a fim de descobrir a essência perdida naquele corpo supliciado pela doença. Nunca imaginei ver uma pessoa tão magra e desfigurada! 

A esperança de cura e sobrevivência morrem a cada dia que passa. O câncer se espalhou e está em diversas partes do corpo. Ela está respirando por aparelhos. As mãos não se mexem mais. Tanto sofrimento, meu Deus! Às vezes, me pego secretamente desejando que ela morra logo, por que se a cura parece impossível, para quê prolongar a dor? Mas qualquer coisa em mim diz que isso é cruel e que a gente não deve desejar a morte jamais. Às vezes, me vem a ideia poética de que ela está desaparecendo aos poucos, retomando a condição fetal, decrescendo...  

Realmente não sei definir o que sinto a respeito. Não tenho uma tristeza desesperadora do tipo “oh, meu Deus! Como será minha vida sem ela?” Penso que não irá mudar muito. Mas sinto uma tristeza plácida, não aguda, mas crônica. Talvez a nossa unidade familiar seja mais forte do que suponho e o fato de perder um membro é como se tivéssemos perdendo um pouco de nós mesmos. A vida é tão misteriosa... há um ano tudo estava bem, quem poderia imaginar isso agora? Quem determina a vida e a morte? Não fazemos ideia de quem irá envelhecer ou não. Como diz o poeta, “a vida apenas, sem mistificação”.

"O crepúsculo é a fresta entre dois mundos" - C. Castañeda


quinta-feira, 18 de julho de 2013

Sem X no tabuleiro da morte

A MORTE é o primeiro recurso diante da crise. Sem corpo nem véus escuros, ela se apresenta quando parece que não existem saídas para a dor ou o vazio. A morte é a desistência humana para cada instante que deixamos de estar aqui, em presente do agora, prontos a fazer uma escolha e, alheios aos destinos de um passo dado ou de uma frase dita, recuamos diante das consequências: nossos destinos.

Então a morte manda um beijo e um até logo...  e faz um “xizinho” no tabuleiro.

A maioria - a maioria é gente - acha tédio ficar em cima do seu cavalinho, decidindo o que é e o que resulta da sua existência. Deve ser um saco se deparar com a frustração de viver sem sentido, guiados pelo desejo social do “angario” e pelos “modelitos” visuais do momento.  

De fato todos – nenhum de nós escapa – tem sua referência de comportamento, seus deuses, seu cartão de crédito.

Yo mismo, quando descobri minhas próprias asas, confiei na direção do vento e na temperatura da sombra ou da luz para me decidir em algumas situações. O olfato para descobrir os perigos. O olho grande aberto para resolver a bifurcação. A paz para me achar no caminho. E a simplicidade para aceitar ou rejeitar minhas decisões e suas consequências.

Até hoje dá certo – ao menos para mim – desse jeito... porém a vida e os homens pedem mais do que isso.

Quando se pensa na vida, olhando para trás, não temos escolha, sabemos exatamente o porquê de estarmos neste lugar, humano e temporal. Cada exato segundo, sem julgamento, pertence a este nosso corpo, a esta nuestra vida nossa. Aceitar essas condições é essencial para abraçar a morte, lhe dar um beijo e vê-la partir na maior paz.

Somos feitos de escolhas: nossos passos dados, nossas frases ditas.  

[música para continuar lendo] 




Até que um dia chega um filho, não importa os fluxos que nos levaram até eles. Todo feito e todo discurso, cobra um novo sentido e mais, novas consequências. Neles que se tem um reflexo daquilo que fomos quando crianças e neles que vemos nosso espelho de futuro. Qualquer alegria é dupla. Qualquer tristeza é imensa. Toda dor é gigantesca. O amor, infinito.

A morte então vira parceira porque os instantes, todos, são indispensáveis, únicos, esplêndidos e a “gente” vive – com dois ou mais corações – como se não houvesse depois, nem amanhã. Tudo é agora, dádiva.

Então a morte se desvanece; se desfaz em sorrisos e choros. Em brincadeiras. Insônias. Pequenos bocados feito aviõezinhos. Em filas, festas, frestas de sol brilhando no escuro de um quarto. Na pessoa que a partir do começo, aberta as pernas e a vida, caminhará lado a lado até certa despedida. Única despedida que, mesmo que dura ou sombria, não conhece a morte na sua partida.

Padre es hijo... y viceversa.




Leia mais em Entre2Linguas

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Wave of Mutilation

A postagem de hoje seria algo relacionado ao Natal, talvez colocasse um dos meus contos de natal sangrento ou sobrenatural. Mas apenas postarei uma homenagem ao cara que resolveu dois dias atrás tirar sua vida, se jogando do ultimo andar no centro da cidade. Passei talvez dois ou três minutos depois do ocorrido, onde as pessoas se aglomeravam nas sacadas e janelas e os transeuntes passavam tapando os olhos, ou riam do que acontecia.

Ouvi muita idiotice, vi como a vida alheia nada representa. Mas quem pode julgar aquele homem? Quem sabe as dores e angustias que o atormentavam? O salto de 40 metros ou mais, veio como um alívio, um analgésico eterno. Anos e anos de alegrias e tristezas, de amores e ódios, se esvaiam pelo concreto cinza da calçada.
Se ele quis assim, que bom que obteve sucesso.

Em sua homenagem deixo uma musica que aprecio, fala sobre suicidas japoneses.



Wave Of Mutilation - Pixies

Cease to resist, giving my goodbye
drive my car into the ocean
you'll think i'm dead, but i sail away
on a wave of mutilation
a wave
wave

i've kissed mermaids, rode the el nino
walked the sand with the crustaceans
could find my way to mariana
on a wave of mutilation,
wave of mutilation
wave of mutilation
wave

wave of mutilation
wave